No outro dia, numa reunião com pessoas de outra empresa, de cada lado um monte de homens e apenas uma mulher, a outra mulher veio sentar-se ao meu lado, dizendo que, já que éramos apenas duas, ao menos que nos juntássemos. Conhecia-a apenas formalmente. Mulher um pouco mais nova que eu mas vistosíssima, sempre produzida para impressionar. Mas simpática.
Antes que a reunião começasse, como duas gajas que se prezam, desatámos na conversa e, às tantas, já ela me dizia onde vivia e eu o mesmo a ela. E, nesse interim, diz-me ela que costuma ir muitas vezes a um restaurantezinho relativamente perto da minha casa. Disse o nome. Nunca tinha ouvido falar em tal coisa. Espantei-me. Disse-lhe que já moro onde moro há imenso tempo mas que antes tinha morado ainda mais perto desse sítio e nunca tinha visto tal restaurante. Ela contou que é uma coisa popular com uma pequena esplanada e contou os petiscos que lá vai comer. Perguntei porque lá vai, morando tão longe. Explicou-me que vai buscar a filha a uma escola de música que ali há. A escola de música eu conheço.
Chegada a casa, contei ao meu marido. Para mim aquilo ainda era ficção. Impossível eu nunca ter dado por tal coisa. Mas, para meu espanto, ele disse que sim, que nesse sítio há uma tasca muito tasca. E ficou admirado por uma pessoa como eu lhe descrevi frequentar tal boteco.
No fim de semana, fomos conferir.
Lá está. O meu marido diz que sempre lá esteve mas que sendo tão tasca nunca lhe passou pela cabeça que fosse hipótese a considerar. Mas eu, com a minha visão selectiva, nunca tal tinha visto (e não têm conta as mil vezes que por lá passei).
Lá está. O meu marido diz que sempre lá esteve mas que sendo tão tasca nunca lhe passou pela cabeça que fosse hipótese a considerar. Mas eu, com a minha visão selectiva, nunca tal tinha visto (e não têm conta as mil vezes que por lá passei).
Esta noite, depois de irmos ao supermercado e termos vindo pôr as coisas a casa, sendo já tarde e estando ambos cansados e esfomeados demais para esperar que eu fizesse jantar, resolvemos ir experimentar. A pé, a menos de cinco minutos de casa. Não tão pequena quanto isso. Lá dentro até é grandinha. Estando a chover, claro que não havia mesas cá fora. Lá dentro a rebentar pelas costuras. Marisco, petiscos, pratos. Atrás da nossa mesa um grande grupo muito ruidoso. O senão foi isso: o ruído. Mas aquele ambiente de restaurante de ambiente familiar, de tasca. Comemos lindamente.
Há coisas do além.
E eu, uma vez mais, comprovei que de duas uma: ou sou uma despassarada do pior que há ou só vemos aquilo que estamos à espera de ver.
Para além disso, só posso acrescentar que, enquanto escrevo, estou a ouvir chover e que gosto muito do som da chuva contra o vidro das janelas.
Também posso acrescentar que à hora de almoço fui ver uma exposição e que à entrada a jovem que lá estava à entrada ofereceu-me uns papelinhos com umas citações e, quando eu vinha a sair, ela veio ao pé de mim e, quase como se viesse fazer uma fofoca, perguntou se eu sabia uma coisa. E eu não sabia e fiquei contente por saber.
E quando saí dali reparei que os pássaros cantavam muito alto e eu gosto cada vez mais de coisas assim. Pudesse eu ficar sentada debaixo de uma árvore, ouvindo a alegria e o canto dos pássaros.
Depois dali fui trabalhar e o trabalho, apesar de tudo e o tudo não foi pouco, foi menos pesado. E, por uns instantes, até deu para espreitar pela janela e para sonhar com uns dias de férias e com uma ou outra coisa.
E, estando no gabinete, ouvi no corredor um dos meus jovens, um dos mais jovens, numa conversa de pré-aproximação a uma jovenzinha que entrou há dias para uma outra área. Falavam do que gostavam, riam, descobriam que tinham estado ambos, como voluntários, num desses grandes eventos, pressentiam afinidades. Depois combinaram almoçar juntos na segunda-feira. Senti-me a sorrir por dentro. Quando, pouco depois, fui à sala onde ele está, reparei que estava radiante, sorrindo por todos os poros. E isso também me ajudou a suportar as contrariedades que, como sempre, foram aparecendo. Mas, sendo sexta-feira, o meu ânimo torna-se tolerante, relativiza. Mas estou um bocado aborrecida porque uma colega apresentou a demissão e era das pessoas com quem tenho mais afinidades, uma mulher inteligente, divertidíssima, por vezes descaradamente divertida. Mas é a vida: umas pessoas vão ficando para trás, outras aparecendo. Gostava de pensar que me vou manter em contacto com ela mas já sei que não, só esporadicamente. Aparecerão outras pessoas, o espaço vai sendo ocupado. O tempo e o nosso espaço são finitos. Apenas alguns amores conseguem ser infinitos.
.....................................................
Ainda não é hoje que consigo conversar um pouco com quem comentou. E tanto que haveria que dizer. Mas até quase me correm lágrimas pela cara de tanto bocejar. Sorry.
.....................................................
--------------------------------------
Isabel, desta vez, para me facilitar a vida, escolhi melancias de um único pintor: Rufino Tamayo para serem degustadas ao som de "Ah, je veux vivre dans ce rève" interpretada por Aida Garifullina
----------------
E um bom fim de semana a todos. Saúde e alegria.
----------------
E um bom fim de semana a todos. Saúde e alegria.
8 comentários:
Não é tão giro descobrir coisas em frente ao nariz mas que nunca vimos?
Ainda por cima coisas de comezaina!
Por falar em pássaros, anda por aqui uma sinfonia maravilhosa, com ritos de acasalamento e tudo!
Um rico fim-de-semana.
Há uma palmeira na avenida da liberdade da qual emana uma chilradeia que chega a mais de trinta metros. Devem ser dezenas de passarinhos aos guinchos por comidinha! Já tenho visto muito turista a parar e tentar fotografar as avezinha lá no alto. As árvores são lugares fantásticos, povoadas de vida. Há uma árvore num jardim da nossa cidade que é minha. Não por título de propriedade, mas porque quem gosta tanto de uma coisa deve considerá-la sua, sob pena de cometer uma injustiça. É uma propriedade que não é exclusiva, partilhada com quem lá está quando não estou eu. Mas não é menos minha. Quando estou debaixo dela ou empoleirada nela (eu ainda subo às árvores) é como se tivesse entrado num mundo que parece ser todo meu. Mesmo num dia de fim de semana, uma tarde de sol radioso, com o jardim cheio de gente, o recanto onde aquela árvore fica é um espacinho isolado com uma vista desafogada lá do alto onde não se avista vivalma. Fora desse recanto, pessoas a tropeçar umas nas outras, velhos, crianças, namorados, solitários, amigos, um sem fim de gente. Tenho fotos de uma tarde dessas em que parece que estou imersa numa floresta sem ninguém.
Abraço
JV
Rufino Tamayo...
Interessantes.
Obrigada pelo cuidado...
Beijinhos.
Esqueci-me de dizer, há pouco, que belas fotos in Heaven...aquele tronco rosa, maravilha!
Ainda sobre pintura...se um dia puder, mostre algumas das suas pinturas, por favor. Tenho ideia de ver uma ou outra, mas gostava de ver mais. Tenho andado a aprender técnicas de pintura, em videos. Já há mais de um ano que ando a aprender. Já experimentei uma ou outra coisa, mas como não tenho um espaço próprio, torna-se difícil andar com a tralha para lá e para cá. Em breve, espero ter o meu pequeno atelier (soa pretensioso...) e começar a experimentar coisas. Estou ansiosa! É a concretização de um sonho de adolescência, acredita?
Beijinhos:))
Olá Francisco,
É giro mas, ao mesmo tempo, bizarro. Então uma pessoa passa e passa e tormna a passar numa rua e não vê uma coisa que está tão à vista? Como pode uma pessoa não ser tão ignorante quando não vê o que está debaixo dos olhos?
E tanto que eles cantam, os passarinhos. Hoje estou no campo e é uma tal cantoria, coisa tão boa. Será mesmo coisa de jogos de sedução? Se calhar. Um enamoramento musical.
Um bom domingo, Francisco.
JV,
Um texto como o que escreveu tinha mesmo que saltar para o corpo principal do blog.
Beijinho.
Isabel, olá,
Amanhã fotografo algumas das 'pinturas' que estão aqui no campo. Eu não estudei, não quis, quis apenas dar largas a uma vontade também antiga.
Achava que não tinha jeito, que não ia sair nada de jeito. E apenas comecei porque o meu filho uma vez me ofereceu um estojo com tintas e pincéis e um cavalete. Na altura, achei um desperdício.
Mas primeiro que ganhasse desenvoltura, sabe lá. Ficava a querer fazer coisinhas perfeitinhas e acabava frustrada. Até que me desinibi.
Agora não tenho a preocupação de fazer bem. Quando pinto quero apenas fazê-lo em liberdade, sem a preocupação de ficar 'parecido' com alguma coisa, ficar bonito ou bem feito. A coisa melhor é fazer coisas sem propósito e sem receio de más avaliações. O que me desarma é quanto me perguntam o que é. Não é nada. É apenas aquilo que me apeteceu pintar. Se ficamos amarrados a medos não fazemos as coisas com prazer.
Aqui tenho espaço mas, na cidade, num canto mais escondido da sala tenho um rolo de plástico fininho daquele que se usa nas obras, para não sujar os móveis, as tintas e as telas. Quando pinto, ponho o plástico no chão, o cavalete, e pinto. Outras vezes não uso cavalete. Ponho a tela no chão, em cima do plástico e ando ali de gatas às voltas, a pintar.
Depois, quando a tela seca, deito o plástico fora, arrumo a tralha.
Ouse, Isabel. As telas nas lojas chinesas são baratas. Mesmo que ao princípio não sai a seu gosto, o prejuízo não será dramático. E pode sempre pintar por cima.
Não espere pelo atelier (embora compreenda muito bem o seu sonho... também o tenho)
Beijinho, Isabel, e um bom domingo!
É um atelier pequeno, a divisão mais pequena da casa, e não vou comprar nada de novo para o mobilar. Tenho mesas velhas e móveis pequenos, mas para mim é perfeito!
Já tenho muitos materiais de pintura que tenho comprado principalmente no Lidl. Tem bons materiais. E tenho mandado vir de lojas on line (acho que até já por lá há-de haver coisas secas...), Também já comprei coisas nas lojas chinesas, mas para outros trabalhos. Estou ansiosa por começar. Vai ser bom, até, e principalmente para descontrair.
Entusiasmo-me com o tema...
E fico então à espera que mostre as suas pinturas...obrigada:))
Beijinhos:))
Olá Isabel,
Já tirei algumas fotografias mas o meu tempo falta-me sempre para o que quero fazer. Pus-me a escrever sobre o campo e andar no meio das árvores e agora já é tarde para coeçar um post com as pintalguices. A ver se amanhã o faço.
eu sabe o que gostava de ter: um espaço também vazio, onde pudesse pendurar telas grandes para pintar em total liberdade. Pintar superfícies grandes é um prazer enorme, é quase como se não tivessemos restrições, nem sequer de espaço.
E o que eu gosto de ler entrevistas com pintores? É gente livre.
Comece a pintar, Isabel. Só pelo prazer de pintar.
Uma boa semana, Isabel.
Enviar um comentário