terça-feira, junho 26, 2018

Ilusões




Isto para dizer que, agora que já tentei não dormir a sesta e que não consigo discernimento para acabar a noite com o Miguel Carapau, a comer cebola crua com sal em cima de broa, pus-me a fazer zapping mas nada do que para aqui passa me assiste.

O meu marido, depois de, em vão, ter desesperado a ver se conseguia ser canalizador, acabou por desistir e agora adormeceu mas não sem antes me pedir que telefone a ver se alguém sabe de um a sério que venha compor o que ele descompôs debaixo do lava-louça. Amanhã de manhã vou ter que lavar a fruta e a louça do pequeno-almoço no lavatório da casa de banho.

Adiante que, se ele ler isto, ainda fica com o ego ferido por eu estar aqui a pôr em causa os seus extraordinários dotes de bom bricoleur.

O dia, na parte da manhã, foi dose de cavalo e, na parte de tarde, foi passado a aturar os ditos mas do tipo 'mulas', éguas' e 'burras' de ambos os sexos. O calor e o apetite pelo verão não me fazem lá muito bem à cabeça. Ainda se pudesse ter aqui um jardim a precisar de rega para despejar água em cima de mim, ainda ia que não ia. Agora assim...


Estava aqui a ouvir um barulho muito suspeito e pensei que a televisão estivesse a preparar-se para levantar voo. Intrigada, desliguei-a e o barulho continuou. Olhei. Na SIC, um homem acaba de dar uma valente bofetada a uma mulher. Assim vamos: a violência é banalizada de todas as maneiras possíveis e imaginárias nas telenovelas portuguesas. Agridem-se, roubam-se, matam-se. Não consigo ver, é canalhagem a mais para o meu gosto de brandos costumes feito. 

Fui à janela ver o que se passa. Como estou cheia de calor fui como a mademoiselle abaixo mas dispensei o lençol pelas costas. A casa dela deve ser mais fresca que a minha. Olha, afinal é um carro do lixo que estranhamente veio hoje a horas pouco madrugadoras mas faz tal barulho que não me admira que daqui a nada levante voo e me apareça aqui à janela. 

Pronto foi-se embora e a sala voltou a ficar silenciosa. Isto é o que dá estar de janelas abertas. Tenho aqui ao meu lado uma ventoinha que faz um ventinho bom mas também é um bocado barulhenta. Vou ligar e fechar a janela porque não percebo o que é isto. Dá ideia que chegou outro camião. Na volta estão a sugar o prédio pelas bases. Que coisa estranha, esta. Um chinfrim de garrafas, agora. Se calhar isto acontece frequentemente mas, estando habitualmente com os vidros das janelas fechadas à noite, não se ouve.


Pronto. Adiante que este tema não é lá muito histórico-filosófico e eu acho que os meus Leitores são mais dados a isso do que a divagações vadias. Ou a isso ou a metafísica arraçada de semântica ou de pornografia travestida de poesia ou a geografia urbanística ou a farmacologia pré quelque chose ou a engenharia financeira ou jornalística ou a advocacia diversa ou a turismo ou a antiguidades ou a whatever. Coisas sérias, portanto, não a maluqueiras encartadas como as que ultimamente por aqui estou numa de plantar sem parar.

A propósito: dantes, há mil anos, eu achava o Carlos Queirós giro e o meu marido achava-o parvo. Eu pensava que ele dizia isso por ter ciúmes. Ele dizia que ciúmes o tanas, que o outro é que era mesmo parvo. Com os anos, fui achando que o Queirós foi ficando com os olhos encovados e o que perdia em graça ganhava em estupidez. Hoje, finalmente, dei o braço a  torcer: estúpido todos os dias. O meu marido disse: há muitos anos que digo isso.

Não sei se é do calor ou se é que estou a ficar velha do Restelo mas a verdade é que cada vez mais constato que há malucos, parvos, estúpidos e atrasados mentais a pulular por aí em cargos em que apenas devia estar gente boa da cabeça. Mas é que é por todo o lado. Parece que dantes não era tanto. Eu eu não dava tanto por eles. Não sei. Parece que se multiplicam.

Aquela conversa do Carlos Queirós, no fim do jogo, é coisa de gente boa da cabeça? Fiquei incomodada. Há gente simplesmente parva mas há outra que abusa.

Mas é que não é só no futebol: é na política, é nas empresas, é all over. Uma cambadilha sinistra alapada a lugares onde pode exercer o seu pequeno e nauseabundo poder. Não há pachorra.


Desisto. Hoje não consigo falar de nada. Tretas e mais tretas. Ou então é do sono. Ou do calor.

Olho à minha volta e vejo livros por todo o lado. Devia pôr o móvel pequeno que está na zona larga do corredor que dá acesso a esta sala no hall que dá acesso aos quartos para, no lugar dele, pôr uma estante um pouco mais larga e alta. Mas o meu marido não quer, recusa-se a ir ao IKEA e nem quer pensar em chegar a casa com caixas e pôr-se com montagens. Também não quer pôr o móvel no hall dos quartos, diz que quer movimentar-se sem ter que se desviar de nada. Portanto, temos aqui um círculo que precisa de se transformar num quadrado. Coisa bicuda, esta. Qualquer dia os livros tomam conta desta casa. Se ao menos os personagens saíssem das páginas e viessem fazer uma farrinha aqui ao pé de mim, andar às cavalitas uns dos outros, apanhar gatinhos a fingir em cima dos móveis, brincadeirinhas gozudas e cabeludas assim. 


E lá em baixo continua o camião, o mesmo ou outro -- já nem sei, o que sei é que rugem como um aeroplano. Na volta estão a testar se a minha rua serve para o famigerado novo aeroporto: qual Ota, qual Montijo. Aqui mesmo, debaixo da minha janela. Pois que seja. Há tantos anos que, a propósito de fazerem um novo aeroporto, por aí andam nessa coisa de mastigar sem engolir que acho que é de se topar qualquer parada. Antes isso que andar o pessoal já todo ao estalo no saturado e a rebentar pelas costuras aeroporto da Portela.

Bem. 

Esta minha conversa é silly talk. Silly talk na silly season. Os meus Leitores não merecem isto. Mas fazer o quê? Deitar-me em pelota à sombra da bananeira a ver se algum marmanjão aparece para me fazer companhia?


Ah, só mais uma coisa. Ainda não comentei. Sabem?

Os insectos estão a desaparecer do Reino Unido e de muitos outros lugares e isso pode causar uma catástrofe de dimensões incalculáveis.

E outra: o Facebook está a vender espaço político e, com isso, caminha(mos) a passos largos para a total subversão da democracia.

E uma ou outra coiseca. Tudo minudências sem importância.

E nem falo dos barcos cheios de imigrantes que ninguém quer ou das crianças, aos montes, lá na fronteira da propriedade gerida pelo Trump, enjauladas num calvário burocrático para voltarem aos pais.

Ou de outras frioleiras que tais.

A questão é que o calor derrete-me os miolos e o que fica a funcionar não dá para tanto. Que se ocupem disso as mulas, as éguas, as burras -- de todos os sexos -- que tomam conta deste mundo.


Eu, pelo lado qu eme toca, vou continuar aqui, nesta minha vidinha toda recheada de ilusões. Por exemplo, para ver se durmo mais fresca, vou sonhar que vou para a beira de um lago, que vou toda nuazinha, que vou olhar para vocês com uma carinha laroca a fazer de conta que qual é o mal? Nunca viram uma barriguinha branca e umas maminhas mais branquinhas ainda?

E, quando sair do banho, para não arrefecer, vou vestir um impermeável a dizer I really don't care. Do u?



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As imagens, com excepção da fotografia da Melania Trump feita quando foi visitar os miúdos retidos na fronteira (obra do maridinho), mostram o trabalho do brasileiro Gabriel Nardelli Araújo para  o Canvas Project, no qual ele mistura personagens de pinturas clássicas com fotografias do ambiente actual, retocando-as com photoshop.


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