Quando cai a noite, as árvores começam a cobrir-se de azul. O mistério envolve-as. Os vultos agigantam-se, os pássaros aquietam-se. Apenas leves rumores, aragens suaves fazendo ondular a folhagem, o lento ranger dos troncos como doces gemidos. O azul tomba sobre as árvores, sobre as almas.
E as montanhas também. Nas casas da minha vida há sempre, ao longe, uma montanha. Sei bem como a luz as desvenda e a noite as veste de veludo, sei como, então, os contornos se perdem, difusos. Por fim, apenas a nostalgia.
Olha-se o vulto feito de sombra e pensa-se: aconteceu? foi apenas um sonho?
Fecho os olhos, tento recordar. O fulgor da luz, as palavras, os sorrisos, as flores. Manhã luminosa e mil promessas.
Depois entardece. As saudades, a melancolia. Uma serra ao longe. Murmúrios que atravessam a distância. Laços intangíveis perdidos nas brumas.
Chegam os lobos, silenciosos, os olhos brilhando, o bafo azul ardendo na noite. Vultos súplices rondando os corações melancólicos, tingidos de blue.
Ou o mar. O mar a ficar galante ao cair do dia, os azuis mais profundos, os verdes rendidos, a encostarem o corpo, a pedirem uma quebra, um lânguido quebranto, um beijo de espuma macia, longo, infinito. A escuridão a pousar sobre as águas, o horizonte a perder-se na lonjura, os azuis a enegrecerem, tentadores, tentadores como a mágoa mais ardente.
O mar à noite é como uma serra. Um volume imenso, uma solidão distante, inumana, uma presença magnífica. Um abraço prometido. Ao longe, ao longe. Sempre presente. Um abraço quente, azul. O perfume de um corpo expectante.
E depois. Depois, lentamente. O despertar. Os primeiros raios, o amanhecer.
Musgos que antecipam o afago, cristais indefinidos que a aurora descobrirá, o azul a esvair-se, devagar, devagar. Limos, algas, fetos, heras, a seiva verde a despir-se da noite, os lobos a recolherem-se, os azuis a esconderem-se, inocentes como bichos sinuosos. O silêncio perde-se. O alvo frescor começa a chegar. As flores, inocentes, deixam escorrer o orvalho da madrugada. Os bluebirds que habitam os nossos corações sacodem os restos de noite. O azul nasce de novo, claro e inocente, vem quase branco.
Outro dia.
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Pinturas de Zao Wou-Ki
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Lá em cima é Harmen de Boer com a Nieuw Sinfonietta Amsterdam que interpretam o Adagio do Concerto para Clarinete de Mozart
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