sábado, junho 02, 2018

A sumptuosa casa marroquina de dois homens que muito se amaram





Em tempos que já lá vão, da mesma maneira que hoje qualquer coisa me dá vontade de escrever, antes isso era o que acontecia quando pintava. A visão de um casario trepando colina acima, a visão de varandas floridas, a visão da obra de Barragán, aqueles muros em cores quentes, aquelas escadas que vão dar a pátios serenos onde um cavalo passeia, a visão de duas monjas ajoelhadas numa capela, a visão de uma balairina, a visão de uma sobreposição de cores numa parede abandonada, flores escandalosas, mulheres nuas entregues à doçura do sono -- tudo me dava vontade de me atirar a uma tela e desatar a pintar.

Lembro-me do entusiasmo que senti quando vi fotografias da casa de Yves Saint Laurent em Marrocos.

E Majorelle? Ah, que espanto. Que vontade de estar por perto. os jardins exuberantes onde os verdes cintilantes de vida conviviam com os azuis mais intensos, a jarra amarela, as flores abstractas, o exotismo da beleza excessiva.


Que vontade me dava de pintar... e pintava casas assim, iluminadas por uma luz meridional, quente e onírica, com apontamentos azul e turquesa, com a luz e a sombra a desenharem arabescos que só eu decifrava mas escondia.


Mas a última casa... A Casa da Sorte. Elegância e requinte em estado puro. A casa, de todas a mais tranquila. Os tons aqui são predominantemente os verdes, sejam os profundos, sejam os verde-água, os turquesa muito esbatidos, os marinhos suaves e pacificados.


Decorada pelo companheiro de Yves, Pierre Bergé, um esteta, a casa é uma maravilha. Em tudo há aquela simplicidade despojada que, por artes mágicas, resulta depurada e harmoniosa. Não há bibelots a mais, não há peças dispensáveis. Tudo se ajusta de uma forma perfeita.
Tenho ideia que os homens homossexuais têm um gosto refinado no que respeita a decoração mas, se calhar, também aqui se aplica o absurdo de fazer generalizações. Mas lembro uma loja de móveis que havia na minha rua. Poucas coisas lá comprei porque aquilo eram peças extraordinárias, peças de design, assinadas. Cómodas grandes, de uma madeira rara, sofás largos, com tecidos líndissimos, aparaores que eram obra de arte. Uns preços de estalo. No entanto, sempre que lá espreitava, via móveis diferentes, como se houvesse uma boa rotação. Uma vez, falando eu com a gerente, e referindo eu que peças daquela dimensão só em casas de dimensões muito generosas e com donos com carteiras bem recheadas, ela disse-me que a procura até era grande e que os clientes eram geralmente homossexuais e que a cidade é conhecida por ter uma significativa de homossexuais e que, do que lhe tinha dado conhecer, é gente com excelente bom gosto e cm elevado poder de compra. Pasmei. Não fazia ideia. Mas têm casas assim tão grandes? É que este género de móveis não fica bem em divisões com dimensões normais. Disse-me ela: como geralmente não têm filhos, deitam abaixo paredes, juntam divisões, ficam com a casa mais espaçosa.

Foi a última casa do casal em Marrocos. Chamada Villa Mabrouka (Mabrouka significa Sorte) esta casa era diferente de outras onde imperavam as obras de arte, os azuis cobalto bem afirmativos, os dourados, os bronzes e as peças de luxo. Aqui não, aqui há apenas simplicidade, ar fresco e bom gosto. Claro que quando os donos eram Yves Saint-Laurent e Pierre Bergé, a simplicidade é relativa. É uma simplicidade que encerra em si uma estética decantada e elegante.


Yves Saint- Laurent viveu até 1 de Junho de 2008. Pierre Bergé viveu até 2017. Viveram juntos um amor louco que durou cinquenta anos e que superou as dependências e as depressões maníacas de Yves, que conviveu com a sociedade a nível profissional, YSL, que começou por dar que falar mas que acabou por ser bem aceite na sociedade cosmopolita parisiense. O casal refugiava-se frequentemente em Marrocos. A serenidade da casa inspirava o criador. 
Life at Mabrouka was quiet and private. Saint Laurent read, listened to opera and the birds, and watched movies and fishing boats. He went on walks and shared simple meals with close friends, including his muses Betty Catroux and Loulou de la Falaise, the interior designer Alberto Pinto and the garden designer Madison Cox*
[Nota: Madison Cox viria a casar-se com Pierre Bergé. ]