Leio que o Instagram eo Facebook não permitem a divulgação de fotografias de nascimento (The Childbirth Photos Instagram Didn't Want You to See). Toleram imagens que instigam toda a espécie de crimes e taras mas não as de um dos momentos mais extraordinários da vida.
Se há coisa de que tenho alguma pena é de não ter visto os meus filhos saindo de dentro de mim. Já contei algumas vezes que, menininha como era e inconsciente como sempre fui, tinha metido na cabeça que parir é um acto natural e que, se qualquer bicho o suporta sem dramas, porque não haveria eu de enfrentar o momento na total descontração e, sobretudo, sem ajudas? Assim, avisei desde logo que não queria anestesias ou máscaras ou o que fosse. E que cesariana só mesmo in extremis. Quando me perguntavam se já tinha começado a ter dores, eu insurgia-me: qual dores, qual carapuça? Contracções não era sinónimo de dores. Assim pensava eu. E o tempo passava e eu nada, as crianças no bem bom, sem darem mostras de quererem nascer. Até que o prazo passou e o parto teve que ser induzido. E as contracções vieram, vieram mesmo, e, com elas, as dores. Dores, dores, cada vez mais fortes. E eu para o médico e para as enfermeiras: anestesias nenhumas, eu aguento. Tinha medo que mais tarde se viesse a descobrir que as anestesias faziam mal. Depois, as crianças não desciam. Dores, dores de rachar, a dilatação a fazer-se e nada deles descerem. Transpirava em bica, toda dilacerada e teimosamente a achar que aguentava. Teve que ser fórceps. A sangue frio. Naquele momento, em qualquer dos casos, pensei que não aguentava. Não que fosse morrer mas que humanamente estava no limite do sofrimento. Tive que ser cortada, claro. Pormenor, tantas as outras dores. E, no caso do meu filho que era enorme, o primeiro par de ferros não tinha as pás suficientemente grandes. Teve que ser tirado e enfiado outro par. No caso da minha filha, tanta a força que o médico e as enfermeiras tiveram que fazer para a puxar que o meu marido teve que me agarrar pelos ombros para eu não ser arrastada da marquesa abaixo. Portanto, o momento em que eles saíram não apenas não foi filmado, fotografado nem eu tinha um espelho em frente. Só me lembro deles, ensanguentados, em cima de mim. Não dei por me coserem, não senti mais qualquer dor. Senti, sim, uma felicidade tão imensa, tão plena, tão doce, tão, tão, agradecida que, até hoje, tantos anos depois, tenho esses momentos absolutamente vivos dentro de mim.
E de tal ordem essa boa sensação que, depois de ter passado por isto quando nasceu a minha filha, parti exactamente com a mesma determinação para o nascimento do meu filho, esquecida do que tinha sido e achando que as dores durariam umas horas enquanto a consciência em paz por não tomar medicamentos me acompanharia para sempre.
Por essa altura ainda se ouvia falar duma desgraça que tinha acontecido nos anos 50 com as mulheres que tinham tomado talidomida durante a gravidez, achando que era um medicamento inócuo, e cujas crianças nasceram com graves deformações. Por isso, nem que me tivessem que rasgar a sangue frio, eu acharia que mais valia não arriscar do que não sofrer. Mas não era só isso: achava mesmo que não ia sofrer. Achava, isso sim, que quereria conhecer a sensação íntegra de dar à luz, queria estar de corpo acordado e de alma bem desperta para sentir cada pequena sensação do que é ter um filho a sair de dentro de mim. Essa magia luminosa eu conheço-a porque, no momento em que os senti a descerem e, no fim, a saírem para o mundo, para além da infinita alegria de os ir conhecer foi o alívio físico, um alívio imediato e muito bom.
E, sendo assim, sendo um momento tão especial, tão divino, a um tempo tão espiritual e, a outro, tão maravilhosamente carnal, julgaria eu que ninguém veria qualquer mal em mostrar imagens desses instantes sublimes. E, no entanto, os moralistas bacocos dos Instas e dos Faces desta vida proíbem-nas. Contêm imagens de nudez ou de genitais e isso, aos olhos da equipa de censores ou de robots que procuram pele exposta, não é admissível. Assim vamos. E, apesar de tudo, milhões e milhões de pessoas continuam inalteravelmente a pactuar, continuando airosamente a utilizar aquelas redes sociais.
Termino. Já no outro dia aqui o disse: acho que uma mulher que, por alguma razão, não tenha filhos não é menos mulher por isso. Mas as que tiveram a bênção de serem mães saberão que não há no mundo nada que se compare.
Aliás, há. Há uma felicidade que supera a graça e a magia da maternidade: a de vermos os nossos filhos com os seus próprios filhos nos braços.
O caminho da afirmação das mulheres passa, certamente, pelo orgulho no acto de darem à luz. Não deveriam ter que o afirmar mas, para os broncos ou atrasados que ainda acham que as mulheres são seres frágeis ou inferiores, é bom que imagens poderosas como estas não sejam tabu. Elas são a prova da infinita capacidade de amar, de lutar e de sofrer das mulheres. Imagens como estas são um glorioso hino à vida.