quinta-feira, abril 05, 2018

Sexo, mentiras e chamadas telefónicas





Há profissões que desconheço. Quando constato que existem fico admirada por nunca antes me ter apercebido da sua existência.

Isto do sexo por telefone agora deixou-me assim. Estava a ver o The Guardian e vi uma série de fotografias sobre profissionais do sexo por telefone e fiquei a modos que espantada. Não que, na verdade, não soubesse, de todo, da sua existência mas sobretudo porque pensei que fosse coisa que tivesse caído em desuso. E, a bem dizer, também parece que estava convencida que eram gravações. Ou melhor, nunca tinha pensado que havia gente de verdade a falar, ali, em tempo real, com os passados (ou solitários) que ligam para esses números.

E, agora que escrevo isto, até me lembrei de uma vez para aí há uns vinte anos. (Céus, parece que foi numa minha outra vida). 

Tínhamo-nos mudado para um edifício lindíssimo no qual, antes, tínhamos feito umas obras invulgares. Eu tinha acompanhado a escolha do local, o projecto, as obras, a mudança, a estabilização da estrutura no novo local. Por razões que agora não vêm ao caso, tínhamos aproveitado a ocasião para levar a cabo uma reestruturação de fundo. Tudo ali era novo: os directores, as pessoas nas suas funções, os processos. Tudo. Na altura, liberalizado que estava o mercado das comunicações, eu tinha sugerido também aí mudanças, e uma modernização considerável tinha sido posta no terreno.

O presidente da empresa, pessoa que, então, já era mediática (e que, agora, ainda mais o é), era a pessoa a quem eu reportava e com quem tinha (e tenho) uma excelente relação. Lembro-me bem do seu gabinete. Teria, no mínimo, uns 40 m2, com enormes janelas, com uma decoração interessantíssma, com um óleo imenso que enchia de azul uma parede pintada de encarnado. Entre o corredor daquele piso e o gabinete  dele havia um corredor interior, depois uma salinha de espera e o gabinete da secretária. Dali é que se entrava para o gabinete dele. A privacidade estava garantida, sobretudo depois da secretária ter saído. Como ele era (e é) pessoa de múltiplas ocupações, punha o trabalho em dia ficando até tarde. Era normal falarmos ao fim do dia e ele ainda lá ficar a despachar o expediente do dia, a ler reatórios, a deixar memos para a equipa. 

Sendo o operador de comunicações novo no mercado e sendo tudo aquilo novo para nós, eu acompanhava de perto o funcionamento da coisa. E eis, então, que um belo dia começam a surgir facturas com valores excessivos e incompreensíveis.

Resolvi perceber o que se passava. Pedi informação. A questão estava relaconada com chamadas de voz. Pensei que era inexperiência do operador, que não atinavam com a facturação, que aquilo estava tudo gatado. Protestei. Pedi detalhe.

Informei o presidente. Disse que tomara que não tivessemos dissabores com o operador. Que as facturas estavam com valores escandalosos, que eu estava numa de não pagar e já tinha avisado que ai deles que cortassem o serviço. Mas que sabia lá eu. Ele secundou-me, que percebesse eu o que se passava e agisse como melhor entendesse.

Recebo, então, informação de que se tratava de chamadas de valor acrescentado -- mas que informação mais detalhada só com um pedido por escrito, autorizações formais. Falei com ele e decidimos avançar.

Por essa altura interrogava-me eu: Chamadas de valor acrescentado...? Mas o que poderá ser...? Comentava com os meus colaboradores mais directos que só podia ser barracada na facturação, que não haveria chamadas, por caras que fossem, que somassem tão escandalosos montantes. E dizia: 'Impossível. A malta trabalha quase toda em open space; quem é que ia pôr-se com gaitas dessas à frente dos outros? Impossível'. E todos estavamos nesse comprimento de onda.

Eu ia mantendo o presidente ao corrente. Com a PT nunca aconteceria uma barracada daquelas, que tínhamos mudado para poupar e, afinal, estavamos metidos numa fantasia de mau gosto e possíveis chatices. Ele apoiava-me, que, se eu achasse que era caso disso, pois que avaliasse a razoabilidade de uma rescisão.

Até que o impensável aconteceu. Recebemos o relatório detalhado: ligações para linhas de sexo e tudo do gabinete dele, tudo a partir do início da noite. Lembro-me bem. Eu de pé com os papéis na mão, parva, parva com aquilo, sem saber o que pensar.

Quando o meu colaborador mais próximo me perguntou se eu já tinha alguma conclusão fiquei sem saber o que dizer. Mas, confiando eu tanto nele como em mim própria, contei-lhe. Ele ficou tão espantado como eu. E disse-me: Diga-lhe que já se sabe de que gabinete foram feitas, que são chamadas para linhas de sexo por telefone, mas que do operador não informam qual a extensão, invente que só com ordem judicial, qualquer coisa assim'. Aconselhou-me: Não lhe diga que sabe. Não se meta nisso.

Mas eu estava tão escandalizada que resolvi dizer-lhe. Levei-lhe o relatório. Sentados na mesa de reuniões do gabinete dele, eu de frente para ele. Pousei o relatório à frente dele e disse: 'Está aqui. Sexo. Tudo do seu gabinete'.

Ele ficou branco, atirou-se para trás na cadeira: 'O quê?!? O quê?!'. E eu, seca: 'Veja'.

Ele branco a olhar-me nos olhos: 'E passa-lhe pela cabeça que possa ser eu?. E eu, incomodada: 'Não passa nem deixa de passar. Limito-me a ver o que aqui está'.

Ficámos assim, ele revirando-se na cadeira, as longas mãos mexendo nos papéis, constatando o que eu acabara de dizer, eu desejando não estar a passar por aquilo. Perguntei-lhe: 'E agora fazemos o quê?. E ele: 'Faça o que lhe parecer melhor'.

Saíu-me: 'Vou escrever uma nota geral a dizer que, dado estar a verificar-se consumos exagerados, vamos bloquear as chamadas de valor acrescentado e vamos passar a monitorizar os custos das chamadas por extensão'. Ele respondeu: 'Acho bem'.

Saí do gabinete e nunca mais trocámos uma palavra sobre o assunto. E nunca mais se verificaram consumos abusivos.

O meu colaborador disse-me na altura: 'Não devemos fazer juízos precipitados. Há o guarda do edifício que fica aqui sozinho toda a noite. Nada nos garante que, mal sai a última pessoa, não se instale bem e não lhe dê para se entreter'.

Não sei.

De resto, entre mim e esse presidente passaram-se outras situações igualmente melindrosas. Em todos os casos trocávamos umas palavras sobre elas e a coisa morria ali.

Uma vez fui eu que fiz uma coisa muito pouco recomendável. Sempre fui leal em primeiro lugar à minha consciência e em segundo à empresa. Quem está à frente da empresa, seja accionista ou administrador, é, para mim, conjuntural. Por isso, numa altura em que achei que um dos accionistas estava a lesar a empresa e que os administradores que os representavam estavam a agir mal, usei da minha influência e capacidade para me movimentar nos bastidores para obter informação supostamente reservada e fazer chegá-la ao outro accionista. Quando esses administradores-meliantes (e um deles é um conhecido e poderoso meliante-mor)  foram chamados à pedra e confrontados com a evidência dos factos, não só foram forçados a arrepiar caminho como, furibundos, desconfiaram que era obra minha. Reuniu-se de emergência o conselho de administração para decidir o meu despedimento com justa causa. Valeu-me o presidente.

Nesse dia, ao fim do dia, contou-me o sucedido e contou-me como tinha argumentado e demonstrado aos outros como o que eles diziam era impossível. Olhava-me nos olhos e eu percebia que ele sabia que tinha sido eu. Acrescentou: 'Até porque você é inteligente, saberia que seria a principal suspeita e que, provando-se, seria despedida'. Mantive-me inalterável. Comentei apenas: 'Claro'. Mas depois, aquela velha driving force, puxou por mim e desafiei: 'Mas eles que provem o que dizem'. E olhei-o também nos olhos. Ele acrescentou, definitivo: 'O assunto está encerrado'. E ficámos assim. Assunto morto e enterrado.

E outras vezes. Coisas melindrosas mesmo, das quais não posso aqui falar.

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Diz a mulher da primeira fotografia:

‘I’m 60 years old, have a BA in cultural anthropology from Columbia University and have been married for 25 years. Men call me for an infinity of reasons. Of course, they call to masturbate. I call it “executive stress relief”. It’s not sex; it’s a cocktail of testosterone, fuelled by addiction to pornography, loneliness and the need to hear a woman’s voice. I make twice the money I used to make in corporate finance. I work from home, and the money transfers into my bank account daily.’

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O vídeo lá em cima mostra um excerto de Sex, Lies and videotapes

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