quarta-feira, abril 04, 2018

Vintage violets




Há coisas que se fixam na nossa memória como se tivessem sido tocadas pela graça da eternidade. No largo espaço do tempo -- onde se albergam várias geografias, muitas pessoas ao longo das suas múltiplas idades e memórias fragmentadas de acontecimentos ocasonais -- essas coisas permanecem incólumes, como se o tempo se tivesse detido para as conservar, frescas e belas, dentro de nós.


Essas coisas (ou pessoas) especiais preservam-se no ambiente em que um dia tocaram o nosso coração. Pode ser, por exemplo, um sorriso avistado numa varanda suspensa, entre flores e sobressaltos. Pode ser o canto do mar saltitando nas rochas, rompendo por entre uma gruta numa longínqua tarde de verão ou o nosso nome descoberto entre ruínas, tempos depois de lá termos estado com alguém que escondia o seu amor.

Ou uma luxuriante avenca no fundo parapeito interior de uma larga janela ocultada por espessa cortina. De um verde secreto e sereno, a terra sempre húmida, o vaso dentro de um prato alto sempre molhado. Na sala dos meus avós. O cadeirão onde o meu avô se sentava, ali sob esse largo parapeito. A minha avó com uma tesourinha, cortando as folhinhas secas, passando a mão pela frescura viçosa das hastes repletas de folhinhas pequeninas e perfeitas como um denso bordado.

Depois disso já houve outras avencas. Mas nenhuma bela e farta como a daquela janela por onde a luz não era autorizada a entrar. Sempre que me lembro de avencas, é daquele vaso ali que me lembro Eternamente ali. 

Como o perfume fresco, subtil, delicado, que ofereci à minha mãe. A essência da violeta. Um frasquinho pequenino, muito bonito. Como o vasinho de violetas que tive na minha primeira casa, aquele ninho de amor no alto de uma torre de onde se via o mundo a toda a volta. 

E agora -- contei-o aqui -- recebi um inesperado vasinho de violetas pelo Natal. Estamos em Abril e estão ainda vivas as florzinhas e aveludadas as macias folhas.

Penso no largo parapeito da minha avó. Não tenho nenhum parapeito assim nem as violetas são parecidas com a grandiosa avenca do vaso da minha avó. 

Está na bancada de pedra da minha cozinha, junto ao tabuleiro da fruta. As cores luminosas das laranjas, das maçãs, das bananas, a luz coada passando pela cortina de renda, e o vasinho de violetas. Olho e penso que gostaria de guardar na minha memória o sentimento de harmonia que dali me vem. Mesmo quando as laranjas doces e sumarentas tiverem sido comidas e as florzinhas definhado, mesmo então eu gostava de ver ali as cores e a suavidade destes momentos.

Em vão tenho procurado um perfume tão suave e intangível como o daquele que, quando era ainda menina, ofereci à minha mãe. Mas todos os que encontro não são tão eternos e elegantes como aquele. Ontem, ao passar os olhos pelo Bois de Jasmin dei com um texto sobre violetas, Vintage Violets. Encantei-me a lê-lo.
Swan-down puffs, lace camisoles, ivory fans, tulle skirts, satin shoes… If these words evoke an appealing vision for you, then you’re the right candidate for a Victorian violet perfume. While the 19th century under the reign of Queen Victoria is often described as conventional and stuffy, the favourite aromas are anything but. 
Despite its reputation for being dainty and demure, violet has a complex scent with a fascinating history.
The Victorian era was a period of great change in society, and the simple example of a violet cologne is a good illustration of the dynamics of the time. 
Violet waters became popular long before Victoria was crowned, highly sought after for their sweet scent with nuances of raspberry and rose. At first, fragrances based on this flower were derived from Parma violets via the painstaking process of collecting tiny blossoms and extracting their essence. It made violet a costly and luxurious perfume available only to a select few.
Violets and other floral notes were usually blended with musk and amber to give them depth and character. 
Guides to contemporary etiquette urged women to select light and delicate perfumes, but fragrances rich with sandalwood, balsams and ambergris were much loved. 
Queen Victoria herself favoured Ess Bouquet, a bold choice that during her 1855 trip to France confounded Parisian mavens. A perfume “with a detectable hint of musk” on a royal persona seemed surprising, risqué and yet intriguing. (...) 
It might make you understand why Napoleon Bonaparte, a character far from demure and retiring, selected the violet as his signature flower.
Victoria Frolova refere os perfumes de violeta que mais aprecia. Infelizmente, que eu saiba, nenhum se vende em Portugal.

Mas não faz mal. Vive ainda dentro de mim a eterna fragância da mais perfeita essência, aquela que guardo desde a minha meninice e que agora sinto colorida pela doçura da minha memória.


The Passion of the Saintpaulias, Lou Bermingham

................................................................................................................................

PS: Desaconselho a descida até ao post abaixo. O cheiro a galinha (e ainda por cima a galinha pouco séria e pouco inteligente) estragaria a qualidade olfactiva do ambiente que se vive no post que acabaram de ler.

................................................................