quarta-feira, dezembro 20, 2017

Não, não é uma história de Natal





Não é só que estes meus dias estejam complicados. É capaz de ser também a falta de descanso. Frequentemente sinto que a impaciência me toma. Esforço-me por chegar ao fim do dia sem que se perceba que estou em esforço. E a cidade está com mais trânsito do que habitualmente, o que também não ajuda nada. Está tudo cheio. Tento encaixar tudo dentro de tudo mas não é fácil. Ao fim do dia ainda quis ir à fisioterapia. Um trânsito danado. Cheguei tarde. Intrigada por a fisioterapia não estar a resultar como esperado, a terapeuta resolveu trocar a componente do frio pelo quente. Calor nas cervicais até aos ombros. Maravilha. Pelo menos, enquanto ali estive com o calor soube-me mesmo bem. Depois mais trânsito. E mais coisas que fazer cá em casa. Passa da meia-noite e só agora consegui aqui chegar.

Esta quarta-feira espera-me um dia também cheio de cenas e vai ser até à noite. Não está fácil.

Gostava de ter tempo para responder aos mails e às sms que começam a chegar. Mas não tenho conseguido. Alguns são mails profissionais mas há outros que são de leitores. Tenho-os lido a todos mas ainda não é hoje que vou conseguir responder. Não levem a mal, por favor.


Por tudo, sinto que ando sem capacidade para acomodar mais contratempos ou situações emocionalmente mais puxadas. No entanto, não se pode controlar o que nos é exterior.

Hoje, por exemplo, uma situação que me deixou numa inquietação. Ainda estou. Até pensei: hoje não vou escrever nada no blog, não quero falar no que se passou e não consigo falar de outra coisa.

Mas, tendo ligado o computador, resolvi escrever.

Conto. Quando estamos a admitir alguém para alguma das minhas áreas nem sempre intervenho directamente. Consoante a função ou a responsabilidade, assim delego total ou parcialmente. No caso presente, como quero perceber se encontro alguém dentro de uma determinada via para, caso não encontre, enveredar por outra e porque quero despachar isto rapidamente, resolvi participar, estando também a minha colaboradora que vai chefiar a nova pessoa e o colega responsável pelas admissões. Tinha recebido antes um dossier com inúmeros candidatos. Dali, seguindo o método rápido que geralmente sigo, pus de parte a maior parte deixando cerca de meia dúzia. Meia dúzia com um grande esforço porque tive vontade de desistir de imediato. Nenhum me pareceu ter o cv adequado ao que se precisa. Mas resolvi dar uma hipótese. Pedi ao meu colaborador que fizesse o mesmo: uma pré-selecção. Depois, desconsolados, comparámos e reduzimos os pré-seleccionados a três. Com muitas, muitas reticências...

Tenho que confessar que cada vez mais me custa assistir a situações que antevejo complicadas e relativamente às quais penso que as pessoas envolvidas precisam de uma mão mas em que me sinto impotente para fazer o que quer que seja. Não trabalhasse eu para um empresa mas sim para uma instituição de apoio social, proporcionar-lhes-ia o suporte que sinto que precisam. Mas trabalho numa empresa e não faz sentido necessitar de uma pessoa para uma função e admitir uma pessoa notoriamente incapaz.

Hoje duas pessoas. Como disse, pelos CVs antevi que não seriam bons candidatos. De facto, nada bons. Mas, por vezes, os CVs são fracos e, nas entrevistas, temos surpresas. Apareceram ambos a cheirar imenso a tabaco. Ambos desempregados há bastante tempo. Devem consumir as horas livres a fumar. E só isso me encheu de pena, imaginando-os desanimados, sem nada que fazer senão fumar. Mas, enfim, pormenor isso do intenso cheiro a tabaco.  Não quero entrar em pormenores mas tudo neles os atira para os braços do infortúnio. Não quero que me interpretem mal. Se há coisa que me custa tolerar são os betinhos, auto-convencidos, cheios de frases feitas, todos sapientes e focados. E estes eram o oposto. Mas coitados. E acreditem que o digo com uma pena imensa: coitados. Um deles, então, deixou-me de coração partido. Profissionalmente um nulidade mas de uma tal humildade, de uma tal sinceridade, de uma tal fragilidade... Mesmo fisicamente todo ele insegurança, vulnerabilidade, todo ele disponível para tudo e qualquer coisa. Com 40 anos. E eu ouvindo-o e com vontade de abreviar a conversa porque nada nele deixava antever qualquer mínima probabilidade de vir um dia a estar capacitado para as funções em causa... mas incapaz de atalhar, como se não quisesse logo matar-lhe a esperança. Deixei prolongar a conversa, quase aflita, sem saber se estava a fazer bem. Não procuro gente com muita experiência pois a experiência adquire-se. Mas, se não tiver experiência, tem que ter bases ou, se não tiver nem grande experiência nem umas bases extraordinárias, tem que ter umas luzes mas umas luzes que se vejam e que a gente perceba que vai lá. Não era o caso destes dois, em especial deste que, coitado, notoriamente não encontrou ainda o seu lugar no mundo nem tem sabido adequar as suas expectativas às suas reais capacidades. Não pode aparecer a dizer que determinada área sempre foi a sua paixão e a gente, ao fim de um minuto, peceber que ele não tem sequer a noção do que é essa área, limitando-se apenas a ter algum conhecimentos de uma ínfima parcela dessa área. Mas tudo de uma forma inocente, ingénua, humilde. Talvez daqui por uns tempos eu relate a conversa para que possam perceber. 

Acabou a conversa, agradeci, despedimo-nos. E os três concluímos que nem pensar mas os três estávamos um pouco comovidos e eu disse que tinha era pena de não poder encaminhá-lo para algum lugar onde ele pudesse ser ajudado. Deveria fazer testes vocacionais ou coisa do género, deveria receber formação consentânea, depois deveria ser encaminhado para um trabalho onde fosse acolhido apesar de já não ser especialmente novo face ao grau de experiência que teria nessa altura. Assim, por aí vai continuar a enviar CVs a eito, nem sabendo já qual a empresa que o chamou, tantos os CVs que tem enviado.


Desde que me despedi dele que tenho estado com este sentimento de amargura. Custa-me deixá-lo ao deus dará mas não tenho mesmo qualquer hipótese de admiti-lo. Só que o seu corpo frágil, o seu rosto infeliz, a sua voz humilde, as suas mãos finas, brancas e magras não me saem da cabeça.

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Fotografias feitas no sábado

O vídeo mostra um sem abrigo vive numa cadeira de rodas que, em Leeds, na véspera de Ano Novo do ano passado, se aproximou de um músico de rua e lhe pediu para cantar e o resultado é a maravilha que puderam ouvir.

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