Da mesma forma que considero que aceitar um convite por parte do patrocinador de um espectáculo está longe, longíssimo, de ser corrupção, sendo antes um acto mais do que normal (leia-se: "Normal: Usual" in Priberam) e que um sponsor oferecer bilhetes para o espectáculo que patrocinou é o b-a-ba do marketing e da comunicação no mundo das empresas -- e não haveria prisões à superfície da terra que chegassem se oferecer ou aceitar bilhetes fosse corrupção ("Corrupção: Comportamento desonesto, fraudulento ou ilegal que implica a troca de dinheiro, valores ou serviços em proveito próprio" in Priberam) -- também me incomoda o coro de virgens ofendidas que saltou para a praça pública exigindo a decapitação do velho médico que se pronunciou a propósito da homossexualidade como sendo uma anomalia.
A maioria da população é heterossexual e felizmente que o é, a bem da propagação da espécie. Claro que a ciência, entretanto, já arranjou maneira de ultrapassar a necessidade da cópula como acto essencial para a fecundação. Mas a espécie não teria chegado até aqui se cada humano, desde a sua origem, fosse avesso ao sexo oposto.
Ora sendo a maioria hetero, por definição, os homo são uma minoria e, portanto, fora da norma.
Não quero com isto dizer que são uma aberração ou candidatos à proscrição -- apenas que não são conformes à maioria.
Portanto, fazer um caso de histeria por uma pessoa dizer verdades de La Palice parece-me um absurdo.
O que já me parece preocupante é quando Gentil Martins diz que não aceita promover uma pessoa por ser homossexual. Isso aí já me parece grave. Uma orientação sexual não define aptidões para o trabalho e, se ele seguiu essa regra, o que espero é que ele estivesse em minoria ou seja, que as suas opções, nos lugares onde trabalhou, não fossem as normais, isto é, não fossem seguidas pela maioria dos decisores.
No entanto, a posição de Gentil Martins já eu a encontrei em ambiente profissional e já aqui a referi. Uma pessoa com quem trabalhei, inteligente, liberal nos costumes e no pensamento, um dia disse que não queria um homossexual a trabalhar com ele. Chocada, manifestei o meu desagrado. Explicou-me que, em geral, os homossexuais dissimulam a sua orientação sexual e, tanto o fazem, que se tornam dissimulados. E mais: que sempre no receio de serem confrontados com algum facto comprometedor, costumam coleccionar factos que podem comprometer outros, apenas para um just in case. E que, portanto, não são, em regra, as pessoas despreocupadas, frontais e francas que ele prefere ter nas suas equipas.
E se isso foi há uns anos, ainda há dias, numa reunião em que participei, seríamos cerca de dez pessoas, antes da ordem dos trabalhos, naquele período em que nos cumprimentamos e uns contam larachas, dizem piadas, etc, assisti a uma galhofa que nem sei como começou sobre os que não saem do armário, e quando é que alguns que todos nós muito bem sabemos quem são saem do armário e etc, etc, -- tudo na parvoíce. E até admito que estavam a falar de um colega que, por acaso (e felizmente), não estava ali. Portanto, o preconceito ainda impera mesmo nos meios supostamente mais evoluídos. Imagine-se nos meios mais fechados.
Ou seja, apesar de Gentil Martins ter demonstrado ser conservador e retrógrado, não é diferente da grande maioria das pessoas e, naquilo da anomalia, não disse nada de mais.
Quanto ao que ele disse do Cristiano Ronaldo e à sua opção de recorrer a barrigas de aluguer para ter filhos também não fico chocada já que, como aqui já o referi, também eu acho isso uma opção estranhíssima, uma coisa contranatura. Dá ideia que se as crianças pudessem ser feitas numa impressora 3D era o que ele preferia. Mas é opção lá dele e só me pronuncio a esse propósito por, sendo ele um ídolo para a miudagem, recear o mau exemplo que, com isso, esteja a dar.
Contudo, nisto das afirmações de Gentil Martins, podendo concordar numas coisas, ficar indiferente ou discordar de outras, o meu estado emocional não se altera nem me passa pela cabeça fazer precipitados julgamentos de carácter ou exigir punição para Gentil Martins. O senhor disse o que pensava e era o que faltava se o não pudesse fazer.
O que se passa neste país é que, por cada pessoa que abre a boca para exprimir a sua opinião, parece haver sempre um coro de virgens, um duplo coro de viúvas perpétuas, um triplo coro de beatas e um quadrúplo coro de mariazinhas de ambos os sexos que, se pudessem, degolavam na hora aqueles que ousam abrir a boca e dizer coisas fora do politicamente correcto.
E eu, que também me estou nas tintas para alinhar com a carneirada, que não gosto de falar em coro ou rezar por cartilha alheia, acho que este país precisa é de uma boa polémica, de opiniões fortes, de saudáveis discussões, de uma boa agitação das acomodadas consciências. Disso e de falar e/ou fazer amor em vez de não fazer outra coisa senão julgamentos e declarações de guerra a torto e a direito.
____________