Angela Dorothea fez em Julho 59 anos. É física de formação académica, foi investigadora, estudiosa de química quântica, aluna brilhante. Alguma coisa das metodologias de trabalho, do rigor científico, do gosto pela inovação e pelo conhecimento ainda deve existir dentro de si. Acaba de ganhar, uma vez mais, as eleições alemãs e agora de forma inequívoca, folgada. A sua vitória veio, pois, reforçar o seu papel decisivo na União Europeia.
Não sei se os resultados foram bons ou maus para os países intervencionados que estão a soçobrar aos pés de uma Alemanha que se vem impondo, de forma hegemónica, à Europa. Por um lado, não tem que se coligar com nenhum partido mais à direita (direita que saíu derrotada), por outro está mais livre para fazer o que quiser.
Do que sei, o que Angela Dorothea tem defendido para a Alemanha passa por aliviar a carga fiscal, apostar no desenvolvimento, sustentar o Estado Social. Os alemães agradeceram.
E, claro, e como não os compreender?, abastados, tudo fazem para defender o perímetro da sua riqueza, mesmo que, por vezes, mostrem não estar excepcionalmente bem informados sobre a natureza e as causas do que se passa nos outros países.
Quanto ao resto, pode muito bem acontecer que a hegemonia alemã passe pelo facto de grande parte dos outros países da União Europeia estar entregue a um bando de fracos, incompetentes, rameiras, vendidos, cobardes, burocratas sem mandato. Encontrassem os alemães pela frente gente com coluna vertebral, cabeça arrumada e determinação e talvez as eleições na Alemanha não fossem o alfa e o ómega da política nacional desses outros países.
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Os alemães já deram aos outros, por mais que uma vez, razões para grandes preocupações e justificados ódios.
Sabemos que ainda há franjas da população que continuam a perfilhar perigosos ideais - mas há lá como há por todo o lado. Há ainda muita gente que não aprende com a história nem com coisa nenhuma, há gente que é arraçada de pitbull ou de qualquer outra dessas raças perigosas. No entanto, não sejamos injustos. Não são todos.
Já aqui o referi algumas vezes. Ao longo da minha profissional tenho trabalhado ou lidado com gente de várias nacionalidades: espanhóis, franceses, belgas, ingleses, holandeses, alemães, noruegueses, marroquinos, japoneses, australianos, israelitas, etc. E, de todos, aqueles com quem melhor me tenho relacionado - mas de longe - é com os alemães.
Ainda a semana passada tive uma reunião de horas com um alemão e foi, como sempre, uma reunião produtiva, que decorreu num ambiente construtivo, de compreensão mútua, muito bom, perfeitamente de igual para igual. Esta semana vou ter outra reunião com alemães que vêm a Portugal expressamente para essa reunião, e estou certa que vai, uma vez mais, correr bem, e digo isto com absoluta confiança apesar de serem pessoas que eu não conheço,
Já com espanhóis é o oposto: a coisa nunca corre bem até ao fim. Ao princípio é uma animação, tudo facilidades e, no fim, desatam a ser uns troca-tintas, a desdizerem o que tinham dito, a atirarem as culpas para os outros - ou seja: gente em que não se pode fiar, nem bons ventos nem bons casamentos.
Poderia agora falar da minha experiência profissional com pessoas de outras nacionalidades mas, não só já aqui uma vez o fiz, como não é o tema de hoje.
O tema é o de afastar a diabolização alemã. Aqueles com quem tenho trabalhado são de várias zonas da Alemanha e não é de hoje, muito pelo contrário, que tenho apreciado a consistência do fácil relacionamento com pessoas alemãs.
Por isso, nada do que se passa na Alemanha me preocupa ou assusta.
Assusta-me e preocupa-me, isso sim, a indigência dos governantes do meu país, gente sem rei nem roque, sem cultura, sem princípios éticos ou morais, sem competência, gente servil, gente com vocação para concierge ou nem isso.
Não é Angela Merkel que eu temo. Angela Merkel é um papão que, para mim, nunca existiu.
Não nos iludamos. É cá que votamos, é cá que fazemos o nosso futuro. Claro que é também na UE, no BCE e por aí que as coisas que decidem - e, por isso, não empurremos para lá o entulho de que nos queremos livrar. Sempre que formos chamados a escolher, saibamos fazê-lo bem, saibamos escolher gente capaz de nos saber defender, de nos saber governar.
Lili Marleen também nunca existiu. A sua fama atravessou fronteiras, uniu trincheiras, atravessou os tempos. E, no entanto, nunca existiu.
Transcrevo o que, logo nos primeiros dias do Um Jeito Manso, aqui escrevi:
A letra foi escrita em 1915, durante a 1ª Guerra Mundial, e a música apenas em 1938.
Depois da ocupação de Belgrado em 1941, a Rádio Belgrado passou esta canção, que quase não era conhecida, e, por não terem muito mais músicas para passar, Lili Marleen passava frequentemente.
Goebbels, na altura Ministro da Propaganda Nazi, proibiu-a mas a rádio recebeu tantas cartas pedindo que a passassem de novo que, ainda que com relutância, acedeu, mandando que fosse colocada no fim da emissão, perto das 10 da noite.
A popularidade da canção aumentou rapidamente quer entre os Aliados quer entre os Nazis que se habituaram a que, houvesse o que houvesse, às 10 da noite, Lili Marleen apareceria para lhes fazer companhia, trazendo-lhes doçura e nostalgia. Dos dois lados da guerra, às 10 horas, os soldados aquietavam os corações para ouvir a balada que os fazia sonhar com o regresso, alguns fantasiando que, com a paz, viria a possibilidade de irem procurar a Lili Marleen.
Os soldados italianos em Itália adaptaram a canção com uma letra própria para criarem uma espécie de hino. Sucederam-se adaptações, numerosas, um pouco por todo o lado. Uma muito conhecida é a alemã, interpretada por Marlene Dietrich.
In 1980, Rainer Werner Fassbinder dirigiu o filme Lili Marleen, no qual, de forma envolvente, contou a história de Lale Andersen e da sua versão da canção. Hanna Schygulla foi tocante na interpretação.
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Mais de dois anos de sacrifícios infligidos à população para estarmos hoje muito pior do que estávamos antes de Passos Coelho e Paulo Portas deitarem as suas mãos gulosas ao País. Não há saída possível que não passe pelo afastamento total da gente que, sem saber o que está a fazer, limitando-se a ser joguetes úteis nas mãos de quem quer que os saiba manipular, está a destruir o pouco que este País tinha para oferecer e sobreviver.
Não é Angela Merkel que eu temo. Angela Merkel é um papão que, para mim, nunca existiu.
Não nos iludamos. É cá que votamos, é cá que fazemos o nosso futuro. Claro que é também na UE, no BCE e por aí que as coisas que decidem - e, por isso, não empurremos para lá o entulho de que nos queremos livrar. Sempre que formos chamados a escolher, saibamos fazê-lo bem, saibamos escolher gente capaz de nos saber defender, de nos saber governar.
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Mudança de tercio
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Lili Marleen também nunca existiu. A sua fama atravessou fronteiras, uniu trincheiras, atravessou os tempos. E, no entanto, nunca existiu.
Transcrevo o que, logo nos primeiros dias do Um Jeito Manso, aqui escrevi:
"Lili Marleen" é uma canção alemã, que teve a 1ª gravação em 1939, interpretada por Lale Andersen (1905-1972) e que se tornou popular durante a 2ª Guerra Mundial.
A letra foi escrita em 1915, durante a 1ª Guerra Mundial, e a música apenas em 1938.
Depois da ocupação de Belgrado em 1941, a Rádio Belgrado passou esta canção, que quase não era conhecida, e, por não terem muito mais músicas para passar, Lili Marleen passava frequentemente.
Goebbels, na altura Ministro da Propaganda Nazi, proibiu-a mas a rádio recebeu tantas cartas pedindo que a passassem de novo que, ainda que com relutância, acedeu, mandando que fosse colocada no fim da emissão, perto das 10 da noite.
A popularidade da canção aumentou rapidamente quer entre os Aliados quer entre os Nazis que se habituaram a que, houvesse o que houvesse, às 10 da noite, Lili Marleen apareceria para lhes fazer companhia, trazendo-lhes doçura e nostalgia. Dos dois lados da guerra, às 10 horas, os soldados aquietavam os corações para ouvir a balada que os fazia sonhar com o regresso, alguns fantasiando que, com a paz, viria a possibilidade de irem procurar a Lili Marleen.
Os soldados italianos em Itália adaptaram a canção com uma letra própria para criarem uma espécie de hino. Sucederam-se adaptações, numerosas, um pouco por todo o lado. Uma muito conhecida é a alemã, interpretada por Marlene Dietrich.
In 1980, Rainer Werner Fassbinder dirigiu o filme Lili Marleen, no qual, de forma envolvente, contou a história de Lale Andersen e da sua versão da canção. Hanna Schygulla foi tocante na interpretação.
No entanto, de todas, a versão que mais me impressiona, que me toca, que me toca mesmo, mesmo, é a de June Tabor.
Também já aqui esteve no Um Jeito Manso pois ela é, de todas, talvez aquela mulher cujas interpretações mais me impressionam (e não me estou a referir apenas à interpretação de Lili Marleen).
Sobre June Tabor escreveu João Lisboa no Actual do Expresso deste sábado. E escreve com devoção de amante:
Durante os quase dois minutos iniciais (no concerto 'Daughters of Albion, da BBC4) June conta a história dessa canção. Provavelmente, não repararão de imediato, mas, já aí, na articulação das palavras, nas pausas, acentuações, respirações, é de música que se trata. E, logo a seguir, desde o instante em que pronuncia 'Vor der Kaserne, vor dem grossen Tor...', por um milhão de vezes que tenhamos escutado o texto de Hans Leip musicado por Norbert Schultze, a voz que, agora, o interpreta apossa-se dele e fá-lo como se fosse a primeira.
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Deixemos, pois, que o encantamento das palavras desta canção singular e da voz desta mulher faça o seu caminho dentro de nós. Deixemos que o sonho nos guie. E que o amor para sempre aqueça os nossos corações. (E, faz favor, nada de risinhos sarcásticos, não pensem que isto é piroso porque não é - parece, aceito, mas não é: isto é a verdadeira essência da vida)
Uma maravilha. Apesar de ser uma canção alemã.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda feira.
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