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Que fadiga. Olhas-me a medo, aproximas-te sem convicção. Que tibieza, meu amigo. Não percebeste ainda? Que falta de perspicácia.
Terei, portanto, que te olhar de forma a que percebas o que quero.
Já vi que tu, por ti, não arriscas, que te intimido, que temes, como o diabo da cruz, um não vindo da minha boca.
Vou, portanto, mudar de estratégia e, reconheço, é sem sacrifício que o faço.
A partir deste momento não vou ser discreta, não tenho paciência para disfarçar, não vou ser alusiva, não vou perder tempo. E, se ainda pensas que aqui o matador és tu, então, desde já te digo, que não podias estar mais enganado.
Passemos pois a coisas concretas. Caso não percebas nem tenhas coragem para vir verificar, informo: lingerie, zero. Uma bela lingerie é sexy, dá gosto ver, dá vontade de tirar, isso tudo, eu sei. Mas, neste momento, é um plus que me parece dispensável.
Vou mostrar-te quem é que, aqui, desafia, quem é que provoca, quem é que domina, quem é que derruba. Vou mostrar. Não vou ter qualquer dificuldade e, no fim, verás, cairás a meus pés sem que uma gota de sangue seja derramada.
Ris? Ris...?! Que sarcasmo encoberto é esse? Não dizes mas pensas, que convencida. Ah, ris de novo, ris porque adivinhei o que pensas. Não era difícil. E respondo-te: sou convencida, sim, tenho razão para o ser. Ris, ris agora ainda mais. Vais mostrar que não me vai ser assim tão fácil, é nisso que pensas, que me vais dificultar a vida, que me vais fazer provar a humilhação da incerteza, que me vais fazer sentir a vergonha da rejeição. Continuas a rir. Mas não rias porque não vais resistir. Veremos. Se quiseres, apostamos. Se me resistires, podes fotografar-me e fazer das fotografias o que quiseres. É isso, fotografa-me. Em contrapartida, se não me resistires, como troféu, faço de ti o que muito bem me apetecer.
Ris? Pensas que não tens nada a perder e que me vais dar uma lição. Gozas, conheço essa cara. Vais dobrar-me a espinha, fazer-me lamber o chão que pisas, é isso que pensas, não é?
Pensamentos de matador – tão fáceis de adivinhar.
O meu vestido é vermelho, vermelho bem vivo, cor de sangue fresco. E brilha. Nele me envolvo. Seda e folhos, uma capa de toureio. Decote generoso, claro. Saltos altos, claro. E, não te esqueças, nada por baixo.
Deito-me e olho-te, as pernas bem à vista e, se fosses inteligente, já te começavas a aproximar. É macia e perfumada a minha pele. O cabelo está apanhado, quero ser só pele, nada a distrair, nem o cabelo. Os meus lábios estão vermelhos e, se um beijo lhes tirar a cor, logo eles se incendiarão.
Então, toreador? Resistes, ainda?
Seja. És difícil, tu. Gostas da faena. O que te excita nem é tanto a sorte final mas a faena em si, é isso, não é? Seja, seja.
Então deixa que mude de traje. Não tenho traje de luces mas não interessa. Escolho algum manto que me cubra com elegância e me descubra com descaramento.
Olha. Vê. Gostas?
Anda à minha volta, volteia, rodeia-me, desvenda-me. Que salero o teu, toreador, que salero.
Mas desvias os olhos mal eu respondo ao teu desafio. Isto é uma brincadeira para ti? É? O que tenho eu que fazer para que deixes de estar em guarda? Não te vou ferir, não tenhas medo, não vou cornear-te à traição. Não tenhas medo, olha para mim, faz com que a minha pele se arrepie só de sentir o desejo no teu olhar. Olha.
Mas desvias os olhos mal eu respondo ao teu desafio. Isto é uma brincadeira para ti? É? O que tenho eu que fazer para que deixes de estar em guarda? Não te vou ferir, não tenhas medo, não vou cornear-te à traição. Não tenhas medo, olha para mim, faz com que a minha pele se arrepie só de sentir o desejo no teu olhar. Olha.
Ris. Mas desvias o olhar. Finges que não é medo. É o quê, então?
Porque te defendes? Eu deixo que o manto deslize pela minha pele, deixo que os meus seios se mostrem, deixo que os meus olhos mostrem o meu desejo, e tu desvias os olhos? Receias o quê, toreador?
Aproxima-te. Sem medo. Olha como eu me aquieto, aqui, à tua espera. Anda.
Toma a minha capa. Deita-a ao chão, que seja a nossa cama.
Mas... o que fazes? Revolteias, giras sobre ela, volteias, andas em minha volta, tentas confundir-me, tentas que a minha vontade se entorpeça. Uma chicuelina perfeita, reconheço. És bom, toreador. És bom.
Mas julgarás tu que, com isso, vou desistir? Não, toreador, uma mulher que tem o corpo em chamas como eu tenho o meu, não se aquieta assim tão facilmente.
Olha como eu agora me deito, olha para mim, olha. Tirei os sapatos, abandono-me. Pousa na minha pele o teu olhar. Pousa. Deixa-o ficar assim pousado. Que o teu olhar se detenha e o teu corpo se incendeie.
Ah, finalmente. O que sentes, agora, toreador?
Finges, finges que acreditas que me dominaste, finges que acreditas que eu estou por terra e tu aí, vencedor.
Não me importo. Gosto de te ver assim.
Olhas-me agora, superior, dominador, belo, um belo corpo de homem e um olhar como eu gosto, húmido, fixo. Gosto. Mas gostarei ainda mais se desapertares a camisa. Gosto de ver esse corpo liso, moreno. Deixa-te ficar agora assim que eu finjo que estou vencida. E estou, não oferecerei qualquer resistência. Vem.
E, vais ver, quando desferires o golpe final, tal como te disse, não haverá uma gota de sangue. E não saberás se és tu que enterras a espada, se sou eu que te trespasso o coração.
E que interessará isso? Ganhámos os dois, tu tens as fotografias e eu tenho-te a ti.
Meu matador, meu amor.
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As fotografias aparecerão na Vogue espanhola de Dezembro de 2012 e, uma vez mais, temos Mario Testino a fotografar a sua musa, Kate Moss.
O acompanhamento musical dispensa apresentações mas, ainda assim, aqui vai: Carmen de Bizet, aqui interpretado pela vibrante e sensual Anna Caterina Antonacci.
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E, por hoje, é isto.
Que o vosso fim de semana seja bom, emocionante.
Ou, então, que seja bom, calmo.
Ou, melhor ainda, que seja bom, emocionante e, a seguir, bom, calmo.
Passe o cursor ao de leve, por favor, sobre a imagem
(Peace and love, my friends. And enjoy!)
10 comentários:
Olá,
Já são 2 da manhã, vim espreitar o seu Blogue e não resisti a deixar-lhe um pequeno comentário: FANTÁSTICO! QUE GRANDE IMAGINAÇÃO E CRIATIVIDADE! NUNCA VI TANTA BELEZA, TANTA SUBTILEZA E TANTA RIQUEZA DE PORMENORES, NUM SÓ POST.
Um grande beijinho, bom fim de semana e obrigada por esta maravilha.
ME
"E, por hoje..."
Por hoje é muito.
O jogo de sedução descrito da forma magistral.
Não, o adjectivo não é, nem exagerado nem pretende ser lisonjeiro.
O homem desafiado, e a temer, inseguro.
Ele não sabe que a mulher nunca desiste, ele não sabe.
Abraço, bom Domingo.
Amiga:
Que texto fabuloso!
Tão real, tão arrepiante, tão... Carmen.
Vou procurar a Vogue España de Dezembro. Tenho que ver as fotos.
Carmen, a Ópera que sei de cor, serviu de fundo, à leitura do texto.
As imagens cruzavam-me a cabeça, à medida que lia.
Gostei muito.
Abraço grande
Mary
Um texto que é um espanto!
Vou deixar cair a ideia de que a mulher só comanda o processo de sedução até aos 2/3.
Depois do que li aqui, não duvido que comanda mesmo para lá do "fim"...
Abraço
Olá Maria Eduardo,
Que madrugadora, Maria Eduardo... Somos as duas umas noctívagas.
Eu ando, ando, e mesmo cheia de sono, gosto de me deitar tarde. Gostava de me poder levantar lá para as 11 ou meio dia para poder estar a escrever pela noite dentro.
É que parece que as palavras só se soltam mesmo, à larga, à rédea solta, quando a noite já vai entrada.
Muito obrigada pelas suas palavras.
Um beijinho, Maria Eduardo.
Olá GL,
Nem sempre é assim como eu descrevo. Há casos em que as mulheres se intimidam ou são passivas e há casos em que, independentemente de como é a mulher, o homem também é um sedutor. Nem sempre o homem é fraco, tal como, nem sempre é o 'dono do jogo'.
O bom é quando são ambos uns sedutores, e há um jogo, um desafio.
Mas, nisto da sedução, há que saber dosear, há que perceber até que ponto se pode ir.
Mas, enfim, cada um sabe do que gosta, não é?
O tema da sedução é um tema que me agrada. (Deve ser porque também gosto de negociar).
:)
Um abraço, GL, e tenha um bom domingo.
Olá Mary,
E eu tenho andado o dia todo com o 'Toreador' na cabeça...
Quando vi estas fotografias fui logo arranjar um filme com a Carmen e, depois, foi ir ouvindo, guiar-me pelas fotografias e deixar que as palavras se arrumassem à sua vontade.
Há dias em que pode a execução orçamental ser um desastre, pode o Relvas fazer muitas das dele, pode o Cavaco baralhar toda a gente que eu não quero saber saber, farta, farta de tanta mediocridade. Em dias assim, só me apetece escrever coisas 'ao calhas', palavras à solta, coisas assim.
Fico muito contente que tenha gostado.
Muito obrigada e um abraço, Mary. E um belo domingo!
Olá jrd,
Não sei se é bem como diz. Dois terços? Não sei.
A coisa tem mais graça se der luta e, aí, quando há luta e a coisa avança mano a mano, será difícil perceber quem é que comanda. A coisa bem feita terá gentileza de parte a parte, de forma a que nenhum se sinta comandado e, portanto, se algum dos dois comanda, deve fazê-lo como se não o fizesse. Alguma dissimulação deve, portanto, também fazer parte do jogo.
Mas, enfim, isto sou eu para aqui a dizer coisas.
Porque, no fundo, o que quero dizer é outra coisa: achei graça (como de costume) ao que escreveu e fiquei com vontade de escrever já uma outra aula prática, a nº 2, para dar seguimento ou para rebater o que disse. Mas não vou fazê-lo porque já passa da 1:30 e estou cheia de sono.
Obrigada.
Um abraço, jrd, e um bom domingo.
Belo texto! Estou um pouco como “jrd”.
Seduzir e ser-se seduzido. Dois processos, duas situações. Há homens que não sabem como reagir perante um acto de sedução da iniciativa de uma mulher. E mulheres que não sabem seduzir, preferem deixar-se seduzir. E há, naturalmente, o oposto.
É agradável ser-se seduzido. Assim como seduzir. Tudo depende quem nos seduz e quem queremos seduzir.
Marco António e Dido (ou Elissa) pertenceram ao primeiro grupo (os seduzidos). Listz e Prhryne pertenceram ao segundo (os sedutores).
Muitos de nós aqui já se calhar passámos por ambas as situações. Quem sabe!
Que grande Post, cara UJM!
Você está sempre a surpreender-nos!
Cordialidade e boa semana...sem chuva!
P.Rufino
Olá P. Rufino,
Não sei se não vai chover. Tomara que não, que já choveu bem este fim de semana. Gosto de chuva mas que ela venha com alguma moderação.
Como sabe, gosto do tema da sedução. Lembro-me sempre que, do ponto de vista teórico, sei pouco, especialmente se me comparar consigo que tem vasto conhecimento na matéria.
Seja como for, acho que tem muita razão. É bom ser-se seduzido e seduzir. Gosto de ambas as situações mas é agradável quando quem nos quer seduzir nos agrada. Se for alguém sem qualquer hipótese pode até tornar-se incomodativo.
Lembro-me, por exemplo, de uma situação muito desagradável. Uma vez tive uma reunião com um argelino, um empresário que nos apareceu enviado por uma figura pública muito nossa conhecida. Recebi-o no meu gabinete que tinha um espaço para reuniões. Nem lhe conto a situação. O sujeito era doido. Vi-me aflita para correr com ele. Às tantas, telefonei à minha secretária para me vir salvar. Ela entrou no gabinete mas o sujeito nem se enxergou. Ela já estava até assustada, 'ai credo, doutora, que o homem parace possuído...' e queria ir-se embora mas eu não a deixei. Eu de pé, ela atrapalhada junto à porta e o argelino à mesa, armado em conquistador. Um horror. Mas aquilo nem era sedução. Começou por ser uma espécie de sedução mas, no fim, já era assédio puro e duro.
A partir daí, se era gente dessas bandas, arranjava sempre maneira de estar algum colega comigo, coisa que eles cavalheirescamente aceitavam.
Mas, enfim, resumindo: a sedução é um exercício agradável mas tem que ser entre pessoas do mesmo calibre, digamos assim, pessoas que se estimem, respeitem, e que estejam à altura uma da outra.
Fiquei contente que tenha gostado de ler. Eu também gostei de escrever (mas, claro, isso não é sinónimo de se obter uma coisa agradável de ler).
Uma boa semana também para si, P. Rufino, e muito obrigada pelas suas palavras.
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