'As três Marias', como eram conhecidas à data |
Pouco tempo antes do 25 de Abril, em 1972, o meio cultural português foi fortemente agitado: três mulheres juntaram-se e, para seu prazer, escreveram uma das obras marcantes do período que antecedeu a revolução.
Eram três experiências díspares as suas mas, de forma destemida, estas três mulheres articularam-se num puro exercício de empatia e escreveram um livro inovador, as Novas Cartas Portuguesas, mostrando que ninguém pode calar a voz de mulheres livres. Foi outra mulher corajosa que o publicou, a poetisa Natália Correia.
Apesar da censura social, da acusação de imoralidade e pornografia e do processo que lhes foi movido, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, três mulheres superiores, nunca vergaram e conquistaram forte apoio internacional.
Maria Teresa Horta, no vídeo abaixo, descreve o processo de escrita e publicação do livro e o calvário que se seguiu. Refere também que o livro está de novo à venda, em nova edição. Eu, pela parte que me toca, já o comecei a oferecer às jovens mulheres da minha família (embora o livro não seja um livro só para mulheres!).
A edição que eu tenho é antiga, da Moraes Editores, com prefácio de Maria de Lurdes Pintasilgo. Fui buscá-lo à estante e neste momento é com carinho que volto a pegar neste livro que foi uma autêntica pedrada no charco que era a sociedade fechada da altura.
Para quem ainda não o leu, aqui deixo o início e o fim deste livro extraordinário.
"Pois que toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente, possível ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos. E já foi dito que não interessa tanto o objecto, apenas pretexto, mas antes a paixão; e eu acrescento que não interessa tanto a paixão, apenas pretexto, mas antes o seu exercício.
[...]
Agarro com as minhas mãos as tuas mãos que já me desprendem para o vácuo.
Nas ancas tenho ainda a marca dos teus dedos; a marca da tua boca, o traço molhado da tua língua, dos teus dentes.
Desço:
macio deve ser o chão que as árvores conservam com a sua seiva.
Não necessariamente meu amor sem ti a liberdade ou a pressa de morte no meu corpo."
Este livro inspira-se nas Lettres Portugaises, livro anónimo publicado em França em 1669 e composto por cinco cartas supostamente escritas por Mariana Alcoforado, freira em Beja, apaixonada e abandonada pelo seu amante, Chevalier de Chamilly.
A monja portuguesa, Max Ernst in heaven |
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