quinta-feira, abril 10, 2025

A medicina está longe de ser uma ciência exacta. Eu que o diga...

 

Tenho o maior respeito por médicos. Neles depositamos a nossa vida. Tenho alguns na família e admiro a sua capacidade de processar informação, a sua memória, a sua resistência. É uma profissão nobre e, quando não é exercida por mercadores, é digna do nosso respeito.

Mas o tempo tem-me revelado que são falíveis e, quando falham, nós podemos passar de doentes a vítimas. 

Já aqui contei que, há uns anos, depois de muitos anos a carregar pedras gigantes, a fazer muros e murinhos, e de vários outros esforços do género, os meus joelhos ressentiram-se. O médico a que fui, conhecido por ser um especialista em joelhos, achou que a coisa só lá ia com artroscopia. Lembro-me bem que o meu pai na altura, já com o AVC, quando soube, ficou bem preocupado e recomendou fortemente que isso não acontecesse: 'Nos joelhos só se mexe em último caso', dizia ele. E um dos médicos da família torceu o nariz, não viu razões para isso, mostrou desconforto com essa opção. Nestas coisas levo tudo com tal leveza que chego a ser leviana. Por isso, pensei: 'não é ortopedista, muito menos especialista em joelho, pelo que, não deve saber tanto do assunto como o que diz que tem que ser.' E, maria descontraída como sou, lá fui para o Bloco, convencida que ia verificar-se o que o ortopedista me tinha dito, que ao fim de um ou dois dias, saía do hospital pelo meu pé.

De facto, foi uma estupidez: tendo intervencionado em simultâneo os dois joelhos, para andar tinha que sobrecarregar forçosamente ora um, ora outro. A recuperação foi péssima: longa, dolorosa, incapacitante.

Mas o pior veio depois. Intranquila com as conclusões do ortopedista-cirurgião (dizia que eu tinha ácido úrico, pois tinha encontrado muitos cristais) que eram desmentidas pelo médico de medicina interna (que dizia que aquilo não tinha literalmente nada a ver com ácido úrico) e tendo-me este segundo recomendado que procurasse uma terceira opinião, fui a um reumatologista de renome que, observando os exames anteriores às artroscopias, me perguntou porque as tinha feito. Concluiu peremptoriamente que não só não precisava como não devia, que tinham estragado mais do que tinham beneficiado. A mesma opinião foi mais tarde corroborada por um ortopedista muito conhecido na área desportiva e também especialista em joelho: categoricamente afirmou que o médico que me operou me deu cabo de coisas que antes não tinham problema nenhum. Disse, tal como anterior, que as indicações médicas para artroscopia eram zero.

Fiquei chocada. E escaldada. Mas o mal estava feito.

Mais recentemente aconteceu-me com o coração. Num episódio meio assustador, numa clínica privada, ao verem o ECG e ao repetirem-no e ao fazerem outros exames, concluíram que eu estava a ter um enfarte agudo de miocárdio, activaram o protocolo do INEM, fui levada de ambulância para um grande hospital público e lá passei a noite e a manhã, sendo depois encaminhada para cardiologia. Aparentemente não tinha sido um enfarte mas havia lesões e, para além de repouso, era preciso perceber urgentemente o que se passava.

Por facilidade e rapidez, fui a um cardiologista de renome num hospital privado. Receitou-me logo uma medicação que seria para o resto da vida. E foram desencadeados exames e mais exames, uma longa bateria que fui fazendo e repetindo regularmente. 

Já lá vão quase 4 anos. 

Quando, ao reformar-me, resolvi tornar-me utente do SNS, o médico de família quis saber o meu historial. Levei os últimos exames, descrevi o melhor que pude os meus antecedentes clínicos. Começou logo por ficar muito intrigado com a medicação que eu estava a tomar. Como admitiu que houvesse razões que eu não estava a saber transmitir, pediu para eu, quando fosse ao cardiologista, lhe pedir um relatório sobre a minha condição para ele poder compreender e poder acompanhar-me devidamente a nível de medicina geral.

Quando pedi o relatório ao cardiologista, ficou ofendido, não percebia o que é que um médico de família tinha que questionar o que ele, meu cardiologista há anos, me prescrevia. E, escamado de todo, disse que não ia passar relatório nenhum. E que se o médico de família tinha dúvidas, que lhe escrevesse a dizer o que pretendia.

Como seria de esperar, meses depois, quando voltei ao médico de família, este perguntou pelo relatório. Com diplomacia e sem referir o agastamento do cardiologista, disse apenas que este preferia que eu levasse um pedido dele por escrito. 

Naturalmente, mostrou algum incómodo mas lá escreveu o dito pedido.

Quando há cerca de um mês fui de novo ao cardiologista, entreguei-lhe o envelope. Ao ler, pelo semblante, vi que ficou furioso. Então pôs-se ao computador, viu e reviu exames, escreveu, voltou a ver exames e a escrever. Esteve ali bem mais de meia hora. Eu, calada, em frente. Depois imprimiu, meteu num envelope e, sem qualquer comentário, deu-me.

Eu tinha levado umas análises e um exame que ele tinha pedido e em cujos relatórios eu tinha visto que estava tudo bem. Mas, aliás, ao longo deste tempo, do que eu lia, parecia-me sempre que estava tudo bem com a excepção da dita condição que, se bem percebo, é coisa com a qual se pode viver sem problemas, desde que haja apenas alguns cuidados elementares e algum acompanhamento regular.

Nessa consulta, no fim, perguntei-lhe se continuava com a medicação. Disse-me que sim. Referi aquilo de que já antes me tinha queixado, que, com qualquer pancadinha, fico com nódoas negras. Por exemplo, o cão, para brincar, põe-se de pé, com as patas na minha barriga, para eu lhe fazer festas. Ando sempre com a barriga cheia de nódoas negras. E disse-lhe que receio que, se caio, tenha alguma hemorragia mais séria, em especial se for na cabeça. Respondeu-me que riscos há sempre, que esse risco existe, sim, mas que não vale a pena estarmos a pensar no que pode acontecer, pode acontecer tanta coisa, mas que intervalasse a medicação, por exemplo, dia sim, dia não. Depois rematou: até se quiser pode deixar de tomar, já que o exame mostra que está bem. Estava já de pé, a apertar-me a mão, a despachar-me. E eu, de tão perplexa, nem fui capaz de bater o pé: então mas isso é assim? eu é que decido se tomo ou não tomo o raio dos comprimidos?

Hoje fui ao médico de família e levei o relatório elaborado pelo cardiologista e os ditos últimos exames. À medida que ia lendo, vi logo, pela sua expressão, o que se passava. Parecia-lhe óbvio que não havia qualquer necessidade de eu tomar aqueles medicamentos, em especial o que envolve riscos de hemorragias. Mas, ainda assim, pela responsabilidade da situação, quis ir conferenciar com uma colega. Estiveram não sei quanto tempo. Depois falaram os dois comigo. Disseram-me que os médicos, às vezes, quando têm alguma dúvida, pelo sim, pelo não, agem por excesso. Que lhes parece ter sido o caso. Que na opinião deles, não há razão, ou seja, não há indicação médica, para eu tomar aqueles medicamentos. Que, em última análise, a decisão deve ser minha pois um médico, especialista, que me acompanha há cerca de 4 anos, os prescreve. Mas que, na opinião deles, não há justificação para tal. Concordei. Vou deixar de tomar.

De qualquer forma, prescreveram análises e um exame cardiológico para, lá mais para o fim do ano, se avaliar se continua tudo bem.

Mas vim de lá um bocado desconfortável. Ando há anos a tomar dois medicamentos, ambos com contraindicações e um deles que envolve riscos que podem ser severos... e, afinal, não são necessários?

Em quem é que a gente pode confiar? 

Caraças.

Escusado será dizer que descrevi tudo, o relatório do cardiologista, relatórios de exames e análises e questionei o ChatGPT. Foi categórico: não vê razão para tomar os medicamentos. De qualquer forma, politicamente correcto como é, aconselhou que eu fale com os médicos antes de suspender a medicação.

Hoje, quando os dois médicos falavam comigo, expondo-me o que o cardiologista pode ter temido, as eventuais razões que o levaram a medicar-me assim, e, ao mesmo tempo, a explicarem-me os exames que demonstram que essas razões, a terem sido essas, eram infundadas, e os riscos de um dos medicamentos, ocorreu-me dizer-lhes aquilo que tantas vezes digo: ao contrário do que gostamos de pensar, a medicina não é uma ciência exacta. Concordaram ambos. "Nada, nada mesmo, há tantas variáveis, há tantas interpretações, suposições, receios, cautelas. Perante a mesma situação, médicos diferentes podem tomar decisões diferentes. De facto, não é matemática.", disse o meu médico de família.

Tal e qual.

Mas, para nós, seres indefesos, não é muito tranquilizador...

9 comentários:

Anónimo disse...

Diria que o seu cardiologista teve dificuldade em dar o braço a torcer. Mude para outro.
Diz-me a experiência que difícil, difícil mesmo, é encontrar um médico de clínica geral.

António disse...

Gosto muito, quase sempre, do que aqui nos diz. E este seu "post" interessou-me. Só fiquei curioso até ao fim se não iria elogiar o cuidado do médico de família, pelo bom senso, competência e persistência que a intervenção que teve revela. E ainda que, mesmo que com os atrasos conhecidos, o SNS, vertente USF, CS, ou lá o que seja, tem ao nosso dispor, a troco apenas dos nossos impostos, bons profissionais que não são dos despacham à pressa o doente. Infelizmente, não o fez. E sabe bem o risco de hemorragias comporta, sobretudo em quem já é jovem. Mas continuarei a lê-la com o mesmo interesse e frequência do costumo. Saúde e felicidades.

Um Jeito Manso disse...

Vou esperar para ver o que mostrarão os exames que farei lá para o fim do ano, dando tempo a que se veja o que a ausência de medicação produz. Depois avaliarei se faz sentido continuar a ser seguida em cardiologia. Aliás, o próprio médico de família o recomendará, estou certa. E concordo: um bom médico de clínica geral (tal como de medicina interna) não é fácil de encontrar. Por isso, se encontramos um que nos inspira confiança, temos que nos dar por agradecidos...

Um Jeito Manso disse...

Olá António. Agradeço o seu comentário. Talvez, entretanto, já tenha visto que escrevi um post em resposta. O que é devido, é devido.

VXYZ disse...

Até que enfim,a UJM traduz o mundo das tristes realidades.O mundo dos CEOS e afins traduzem mundos de irrealidade pura. Mas continua-se a ignorar o nome desses mundos burlescos, e quiçá de muitos ignorantes ,arrogantes e opressivos que por esses meios circulam.Há gente do mundo real que também sabe tratar desses personagens.Muitas das azias são tratadas com saber de experiência vivida, e entre o mundo real e o imaginário,existem leis e argumentos complexos,tal como na matemática.Mndos desfazados.Boa alegria,em tempos religiosos.

Um Jeito Manso disse...

Pronto, está bem. Não sei bem onde é que quer chegar... mas enfim.
Uma coisa tenho que dizer: sempre que aqui escrevo sou genuína. E não consigo dividir o mundo da forma que o faz. O mundo para mim não está reduzido ao branco e ao preto. Por isso, se calhar tenho dificuldade em fazer-me entender por quem desconhece as mil nuances de cinzento e as mil outras cores e nuances de que o mundo está pintado. Alegria e paz.

VXYZ disse...

Hesito,em responder.De forma sintética,o mundo dos ceo’s é do seu guru Musk é totalmente diferente do comum dos mortais.Se quiser,dois mundos extremos.Pronto,está bem.Fui explícito.as motivações sociais,são diferenciadas.Não há mundo a preto e branco,mas várias tonalidades de mundos,tal como na pintura,na pintura,nas cores da internet e nas várias tonalidades de cinzento.Tudo começou em alô,alô onde a simplicidade da argumentação pode ser e é fonte de concepções erróneos.Ou não foram os alvos,a inspiração para partir e dissecar outros argumentos? .Registo a característica de genuína e acrescento generosidade para com os seus leitores.Haveria pano para mangas e tratados.

O meu mundo não é a preto e branco. O preto é a ausência de cor.As cores do gingal são diferentes das cores,que conjuntamente com um careto de podence e duma cruz revestida a cor púrpura, observo daqui, duma serrania pedregosa e antiga ,de tempos bíblicos, mergulhado numa intempérie medonha,de água gélida.Só faltaram trovões e coriscos para reviver gentes antigas,homens de barba rija ,suponha,que por aqui vagueou no seu tempo.Replico, alegria e paz, para a perspicácia de olho acastanhado e lince ibérico errante.Tudo de bom.

Um Jeito Manso disse...

Ai VXYZ, tantos equívocos... Tantos, tantos. E tanta confusão que vai nessa cabeça... O Musk é o meu guru? Nem sei que lhe diga... Olhe, no meio do que disse, o que gostei foi a descrição da cruz revestida a púrpura, da serrania, da intempérie. Se mora num sítio assim é afortunado. Aproveite bem a sorte que tem. O nosso país é lindo. Não falou em como se degustam bons pitéus por aí mas admito que sim e os cheirinhos que saem das chaminés ainda devem tornar os ares mais saudáveis. Um belo dia de domingo para si!

VXYZ disse...

Olhe que não ,sff.De facto há um acento a mais no ‘é’, e ,portanto, o significado substantivo deve interpretar-se como sendo deles’ ceo’s’ e não obviamente sua pertença. Ai Uxy, ao que parece, ego desmedido, sem escala. Como se vê, o “é “ é resultado de maquineta teimosa mas que agora rectifico.Embora ,próximo de terras de Mente.Negro nunca me pautei por equívocos, e nos instantes da observação a que aludi, traduz,genuinamente, o que os meus sensores de olho humano me permitiram captar, sem filtros, e sem equívocos.A escrita é, de facto matreira. Aqui por terras de demónios errantes, à falta de gps, fui guiado por informação de pastor antigo. Ainda por aqui não chegaram odores de desenvolvimento, nem vapores de Chanel. A A4 do Sócrates funciona em pleno, bem como as suas obras de arte e a bocarra do inferno do Marão, mas o humor neutralizante da capital do império me diz, que serve apenas para saídas eternas destas paragens. Repovoamento , que é feito dele? País encalhado, como refere, metaforicamente, em certos comentários, mas tomar as nuvens por Juno, nem sempre é resultado aceitável. Se os Ipmas e os aemet’s me permitirem, irei visitar montes de Terra arredondados que até Unamuno confundiam. E fiquem cientes as trotinetes que circulam pelas bandas do Ritz e das avenidas ,que por estas bandas, a música de fundo e do controlo da gravidade é muito mais severa e exigente. Não há, nem poderá haver equívocos, embora admita que há vítimas deles próprios. C’ est la vie! Registo, que a maquineta, quanto a acentos, entra em roda livre e não devia. Para bom entendedor,1/2 palavra basta.Por aqui,em noites claras, o céu é um espectáculo.Como não poderia deixar de ser, bom dia,mesmo sendo 13 de calendário.