Trabalhei durante muitos anos num dos grandes edifícios de Lisboa, por sinal bem perto daquele outro onde viria a trabalhar nos últimos anos. O último piso desse tal edifício, um piso bastante alto de onde se tinha uma fabulosa vista, era, de um dos lados, dedicado a grandes reuniões e, do outro, a almoços de trabalho ou comemoração. Na altura não havia caterings pelo que, nesse piso, havia também uma cozinha. Dizia-se que era o lugar de Lisboa em que melhor se comia.
Não era só a extrema qualidade da comida, era também a excelência do serviço. E as entradas, os acepipes, tudo para além de bom. Grandes memórias tenho dessas belas refeições.
Entre um e outro espaço havia a zona de estar, onde iam dar os elevadores (que tinham permissão para tal). Nessa zona de estar, para além de vários e confortabilíssimos sofás e cadeirões forrados a macio veludo grená, de carrinhos com bebidas e entradinhas, de mesas de apoio com belos candeeiros de mesa, havia, ainda uma zona de estantaria até ao tecto carregados de volumes ricamente encadernados em pele também grená escuro e letras douradas. Eram sobretudo tratados académicos que versavam matérias relacionadas com o que se fazia e vendia nas empresas do grupo, e com as diversas vertentes da gestão. Eram também livros recebidos como presente, muitas vezes edições luxuosas.
Já aqui o contei e volto a contar: uma das estantes não era uma estante normal pois um dos livros não era exactamente um livro. Basculava e, ao recolher, deixava acessível o fecho de uma porta. Então a estante abria-se como uma porta e, passando por lá, ia dar-se a um recanto onde havia uma outra porta. E de lá havia uma escada por onde se podia sair do edifício sem se ser visto. Dizia-se que, de lá, se poderia ir também para uma outra zona secreta. Não sei, isso nunca vi.
Quando eu estava nesse andar, nomeadamente na zona de estar, tentava sempre descobrir qual era o livro a fingir e, a olho nu, nunca o consegui.
Mais tarde, recentemente, tive uma surpresa com uma outra coisa, numa outra dimensão, muito menor, nada a ver, mas, ainda assim, inesperada.
Quando visitámos a casa para onde nos mudámos há três anos e picos, sentimos de imediato uma tremenda afinidade com a arquitectura, com os acabamentos, com o jardim, com tudo. Como sou despistada e com uma péssima orientação espacial, saí de lá sem perceber como era a disposição das divisões ou exactamente como era o que tinha visto.
Depois disso voltámos lá mais uma vez e, vá lá saber porquê, fiquei na mesma. Já lá morava e parece que, em relação a algumas coisas, ainda não conseguia organizar-me mentalmente.
Tenho ideia que foi já depois de a casa ser nossa que lá descobri um compartimento que é quase secreto. A anterior proprietária se calhar já me tinha falado na biblioteca privativa do marido, livros ligados à sua profissão, em estantes feitas por ele. Mas devo ter pensado que era na cave onde estavam também várias estantes feitas por ele carregadas de livros e revistas.
Portanto, foi com agradável surpresa que um dia, ao estar num dos compartimentos do sótão, convencida que o compartimento se esgotava ali, descobri (descobri ou o meu marido chamou-me a atenção, que é o mais provável) um outro compartimento que nascia de um dos cantos, forrado a estantes. Achei fascinante.
Agora é ali que tenho malas, malinhas, carteiras e carteirinhas, clutches, bolsas, mochilas, sacos desportivos, sacos de pano, etc. Como geralmente uso sempre a mesma carteira e o mesmo saco com as coisas da piscina, raramente preciso de lá ir. Mas aquilo é quase uma graça. Claro que, se fosse para ser um compartimento secreto poderíamos arranjar-lhe uma porta dissimulada. Assim não tem porta. Só que como fica por trás de uma caldeira mal se vê.
Também na cave, apesar de ser, na prática um open space, há alguns recantos que só consegui assimilar ao fim de algum tempo. E isso, acho eu, dá um toque de graça suplementar à casa.
No campo, in heaven, também há um sótão mas tem um acesso complicado e, com as vertigens de que padeço, nunca lá fui. Nem sei o que por lá há. Presumo que apenas canos, cabos, coisas assim. Em casa dos meus pais, a casa em que cresci, há também um sótão e embora tenha uma escada fixa e supostamente ser de razoável acesso, das vezes em que lá fui, em miúda, subir era fácil mas descer era para mim um desatino. Estava lá em cima e parecia-me que corria o risco de, a todo o momento, me despenhar. Chegava a pensar que não ia ter coragem de me abeirar da escada e que temia não conseguir sair de lá. Depois de crescida nunca mais consegui ir, parece que fiquei traumatizada.
E estou a falar nisto pois há pouco, ao ver o youtube, dei com o vídeo abaixo a que achei um piadão: salas escondidas, mobílias que são a fingir, compartimentos secretos, coisas super engenhosas, criativas, incríveis.
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