Devo dizer que não conheço particularmente a actuação de Eduardo Cabrita pelo que não posso dizer que é alguém por quem nutra especial especial admiração ou simpatia. Contudo, tenho ideia que é um todo o terreno, pau para toda a obra, trabalhador, dedicado ao país e sem ambição pessoal -- e isso não é pouco.
Vejo toda a gente encarniçada contra ele mas eu, sou franca, não sei bem porquê.
É certo que aconteceu aquela vergonha com o assassinato de Igor às mãos do SEF. Mas não aconteceu seguramente por ordens dele; e desgraças e acidentes acontecem quando se lida com realidades nem sempre fáceis. Contudo, o SEF era coisa de seu pelouro e, portanto, responsabilidade política havia.
Ora, quando acontece uma desgraça ou acidente, a comunicação social, comentadores e redes sociais salivam e espumam exigindo a demissão.
Para mim, não é claro que essa seja a atitude mais responsável, mais digna ou mais corajosa. Pelo contrário, assumir a responsabilidade e continuar de pé, de cabeça erguida, zelar pela independência dos inquéritos, ficar a a enfrentar as críticas e a tentar resolver os problemas, isso, sim, parece-me corajoso e louvável.
Claro que se o problema acontecer por acção directa, negligência grosseira ou intenção comprovada, aí, a conversa seria outra. Se o próprio não se demitisse, quem estivesse acima dele deveria correr com ele a pontapé.
Mas se o não é, se as coisas acontecem por um azar dos távoras, força maior, acts of god, ou por mau funcionamento de serviços sobre os quais ainda não houve tempo de fazer a devida limpeza, então o responsável deve aguentar firme e resolver o problema.
Por exemplo, se acontecer uma desgraça ou acidente numa coisa sob minha responsabilidade não me passa pela cabeça, nesse momento de aperto ou angústia bater em retirada e deixar o problema nas mãos de quem não teve nada a ver com isso.
Além disso, acredito que Cabrita até deve ter posto o lugar à disposição e acredito que o Costa deve ter feito o que eu faria: deve tê-lo mandado bugiar, a ele mais a demissão, e que ficasse era a fazer limpeza radical no SEF, integrando-o noutra coisa qualquer para ver se acabava de vez com aquele regabofe de seguranças privados e escumalha a rebentar de testosterona e aditivos para ficarem com os músculos a bombar e a cabeça vazia de neurónios. E ele aguentou. Debaixo de apupos, debaixo dos insultos permanentes.
E agora esta pouca sorte do acidente na autoestrada...
Vou contar só para que, quem pouco conduz, melhor possa contextualizar.
Durante anos desloquei-me regularmente ao norte (e a outros locais mas, preponderantemente, ao norte). Como geralmente não ia sozinha e como nisto (e na dança) gosto mais de ser conduzida do que de conduzir, ia muitas vezes no lugar do morto.
Um dos mais assíduos conduzia cautelosamente e, por isso, saíamos de Lisboa bem cedo, bem mais cedo do que outros que, por vezes, também iam daqui. Acontecia irmos a meio de caminho e passar por nós algum dos nosso colegas, nas horas de estalar. Nem nos viam. Iam na faixa da esquerda como uma flecha.
Claro que fui muitas vezes com alguns desses. Detestava. Lembro-me que uma vez ia com um -- um daqueles que vai a abrir quase até passar por cima do carro da frente, desviando-se à última hora, o que me deixava com o estômago e o credo na boca -- e eu ia a dizer que na semana anterior tinha ido com um outro e que até tinha tido medo, que tinha ido quase sempre acima dos 180, que nunca tinha feito a viagem tão depressa. E ele riu-se e perguntou: 'Não é verdade. Consigo já fui várias vezes acima disso.' Como eu duvidasse, ele disse: 'Garanto-lhe. Mas, se duvida, olhe'. Eu nem queria acreditar. Íamos acima dos 190. Não sei como não apanhavam mais multas do que as que apanhavam.
Quando se tem uma reunião em Lisboa a uma hora, uma escritura ou uma cerimónia qualquer pouco depois noutro lado e uma reunião no Porto pouco depois e quando se tem um carro potente, carregar no pedal torna-se um hábito.
Está mal? Claro que está. Tem riscos? Porra, se os tem. Deviam ser apanhados e levar pela medida grossa? Pois, se calhar, sim.
Mas as solicitações são inúmeras, as pessoas que estão fora da capital querem ter a presença de quem está a Sede, querem sentir que o seu trabalho é reconhecido. Vir alguém de Lisboa para o testemunhar é importante. E, portanto, muitas vezes debaixo de cansaço, há quem voe para atender todos os pedidos. Voa-se já sem se dar conta que se está a voar.
Que o carro do ministro fosse a 163 km/h não me parece escandaloso. Está fora de lei, é certo. Mas quem faça a A1 sabe que, com carros que andam bem, o difícil é ir abaixo disso.
O ministro deveria ter imposto os 120? Claro que podia e se calhar, de vez em quando, alertou o motorista para não se alargar.
Ainda hoje alertei várias vezes o meu 'motorista' para ir mais devagar. Respondeu o que sempre responde: 'Porque é que não conduzes tu? Conduz. Não me importo... Conduz tu para ires à tua vontade'
Mas o ministro, no carro, deve ir a ler papéis ou notícias ou mails, não deve ir a olhar para o conta-quilómetros. E, num carro bom, nem se dá pelos cento e sessenta e tal.
E depois um peão a atravessar uma autoestrada é daqueles riscos em que escapar é como escapar à roleta russa. A minha filha no outro dia perguntava se, caso o carro fosse a 120 e um peão atravessasse a autoestrada no momento em que o carro ia passar, o peão escapava incólume. Obviamente a pergunta era retórica pois claro que dificilmente escaparia com vida.
Portanto, uma vez mais, o que aconteceu a Eduardo Cabrita é daquelas coisas que não se desejam a ninguém. Claro que desgraça maior foi a do trabalhador que atravessou a autoestrada quando um carro estava a passar. Mas alguém estar num carro que atropela mortalmente uma pessoa é cruz que se carregará para o resto da vida.
Uma vez mais, claro que o mais óbvio seria que apresentasse a demissão não porque a morte da pessoa resultasse da velocidade a que o carro ia mas porque, mesmo que não tivesse havido acidente algum, ia em excesso de velocidade.
E acredito que o tenha feito mas provavelmente Costa pediu-lhe que se aguentasse à bronca, esperasse pelos resultados do inquérito e continuasse a trabalhar.
E, uma vez mais, falo por mim: imagino o stress, a angústia, a dificuldade em continuar a enfrentar o fogo contínuo por parte da comunicação social e das redes sociais e a incompreensão por parte de quem nem sonha com as ameaças diárias, as crises e as múltiplas dificuldades com que um ministro da Administração Interna tem que enfrentar, imagino a vontade de largar tudo e ter uma vida simples e descansada.
Aguentou até onde conseguiu aguentar e Costa pediu-lhe que continuasse até ao ponto em que percebeu que estava a pedir demais.
Sai Eduardo Cabrita, um homem que se sacrificou pelo país, incompreendido e mal amado, um homem que acredito ser corajoso e digno e que teve a pouca sorte de ter que enfrentar por duas vezes dois casos de morte que se cravaram na sua reputação como certamente na sua mente e coração.
Demitiu-se -- e todos batem palmas. Eu não. Acho que quem bate palmas perante o infortúnio alheio e salta em cima de quem está no chão é gente cobarde.
Mas a comunicação social está cheia de jornalistas e comentadores cobardes e que fazem da crueldade e da maledicência o seu modo de vida. E as redes socias, salvo uma ou outra excepção, são o palco onde desfilam rebanhos de gente que vai atrás de tudo o que os raivosos desta vida atiram para a rua, enlameando-a.
Caminhamos lentamente para uma sociedade lamacenta, conduzida por gente medíocre e cobarde, a única que a populaça tolera. Todos os outros, os que exibem orgulhosamente alguma inteligência, valentia ou dignidade são carne para canhão e alvo da sistemática tentativa de neutralização através de públicos enforcamentos, apedrejamentos, injúrias e difamação.
Seja como for, daqui envio votos de boa sorte a Eduardo Cabrita nesta nova fase da sua vida. E obrigada pelo que deu de si tendo recebido tão pouco em troca.
11 comentários:
Como sempre, uma análise lúcida e corajosa!
Continuação dum ótimo fim de semana.
Filo
Estou consigo!
A UJM sempre fora da caixa, tão dificil e corajoso dize-lo, tão importante que o faça, que bom lê-la. Obrigada. Luisa B.
Eu gostaria de ter conhecimentos para poder escrever este comentário que a Senhora hoje faz.
Quero agradecer-lhe sinceramente. Obrigado.
Muito bem opinado!! Naturalmente subscrevo.
Só opina diferentemente quem nunca conduziu ou foi conduzido em autoestrada!
Que nojo de comentário!
Cabrita, do ponto de vista jurídico, quando se olha para aquela situação e as circunstâncias, era o “mandante”, segundo o quadro Penal português. Nesse sentido, deveria ter sido igualmente acusado pelo MP.
Mas, o escabroso disto tudo é a falta de ética de Eduardo Cabrita (que já tinha revelado por ocasião do caso do SEF, reagindo apenas meses depois!), que deveria ter-se demitido, se tivesse um pingo de vergonha e respeito pela vítima mortal.
Um caso destes noutros países europeus, implicaria a demissão imediata do Ministro. Como Ministro, ou seja, um alto representante do Estado, Cabrita tinha a obrigação de dizer ao seu motorista para cumprir as regras de boa e responsável condução, o que significa obrigar o motorista a não ultrapassar os limites impostos pela Lei, numa auto-estrada, ou numa outra qualquer via rodoviária. Um governante deve – sublinho – deve, dar o exemplo.
As comparações e exemplificações que faz, consigo, são, no mínimo, ridículas e infantis. É por estas e outras razões semelhantes que os governos, seus governantes e, por último, o Estado não se fazem respeitar.
Defender Eduardo Cabrita neste incidente, gravíssimo, é absolutamente lamentável. Não há desculpa possível. Pior ainda, Cabrita e o governo não só não se fizeram representar, como nem sequer se preocuparam com a situação financeira e pessoal da família da vítima. Escabroso!
Defender o indefensável, como fez, neste seu Post, é escandaloso!
E, volto a sublinhar, Cabrita, do ponto de vista jurídico, era o mandante, daí dever ter sido acusado igualmente, pelo MP.
Pasmo, como é possível escrever-se o que escreveu. E, espantoso, ainda ter apoio ao que debitou. Enfim!
Sintonizo com a argumentação apresentada. Não conhecendo o despacho do MP, penso que ao demitir-se, o ministro não quiz deixar sozinho o motorista.
P. Rufino,
O que a mim me parece espantoso é que continue a frequentar este meu espaço sabendo, de antemão, que não se revê no que escrevo.
O seu fundamentalismo bloquista que, como mandam as manas Mortáguas, o leva a eleger tudo o que lhe cheire a PS como o grande inimigo a abater, tolda-lhe a sensatez e, até, o decoro. O curioso é que, quando era para ser simpático, assinava o que escrevia. Quando vem para soltar adjectivos e discordar de forma acesa e até desagradável, aparece anónimo.
Portanto, aqui fica registado o que penso do que escreveu: lamentável, P. Rufino, lamentável.
UJM,
Quando comecei a seguir este seu Blogue, fi-lo porque vi em si alguém com uma mente aberta, uma pessoa informada, culta, divertida, articulada, bem disposta e com personalidade.
Acontece que não chega...sobretudo quando você se veio a revelar, afinal, pouco aberta a opiniões opostas, até fazendo confusões (como essa do fundamentismo bloquista da minha parte, o que é, no mínimo, cómico), mas, acima de tudo, incapaz de aceitar o contrário das suas posições políticas. Olhando para os seus comentários sobre as restantes formações políticas, que têm vindo a fazer, ninguém escapa ou se aproveita. Já a ouvi elogiar Jerónimo de Sousa, mas agora ataca-o ferozmente, após o chumbo do OE. Só o PS é imaculado e merece o seu apoio. Você, no fundo, não difere muito de um adepto de futebol, daqueles que defendem fanaticamente o seu Clube. Desculpabilizar um traste humano e político como é Eduardo Cabrita, um tipo arrogante, insensível, prepotente e inábil, é algo que não faz sentido. Cabrita é um “activo tóxico político” que o PM andou a carregar ao colo, sem razão, e que seguramente o irá prejudicar na campanha eleitoral. Desnecessariamente. Curiosamente, à Esquerda do PS não se ouviu muito “ruído” sobre o assunto - ao contrário dos Partidos de Direita - não sei se se deu conta disso. Sabe, UJM, a opinião que acabei por construir a seu respeito, ao fim deste tempo, é de que você, afinal, não é mais do que uma burguesinha de Lisboa (nada tem de pejorativo), que leva uma vidinha muito confortável e faz o favor de, diletantemente, ser vagamente de esquerda. Em resumo, uma "menina bem" (enfim, que já tomou a terceira vacina) que vive no conforto de uma vida que a sua profissão lhe permite (e ainda bem, antes burguesa que pobre, convenhamos), e que não se apercebe, em boa verdade, das reais dificuldades de quem padece e vive, anos a fio, com o cinto apertado à volta do estômago. Com pensões de miséria, com baixos salários, com uma situação contratual precária, etc. Você, UJM, olha para esta vida do alto do seu conforto burguês sem, verdadeiramente, se impressionar, com o que muitos e muitas destas nossas gentes, que constituem o Portugal que é o nosso actual, sofrem, a pensar como conseguirão pagar as suas contas, as suas rendas, a sua alimentação, os seus medicamentos, os estudos dos filhos, a prestação/ou renda da casa, etc, ao fim do mês. O seu “esquerdismo”, versão PS, afinal é o mesmo de um Eduardo Cabrita, que se está nas tintas para o motorista e para a vítima mortal e respectiva família, a passarem por uma situação extrema. Pelo menos é o que se depreende, quando o defende. Em comum, UJM, temos o facto de sermos ambos burgueses e, sorte da vida, não termos problemas financeiros. Todavia, separa-nos uma muralha: eu nunca esqueço quem vive mal, com salários baixos, com vidas precárias, com dificuldades económicas e defendo, quer ideologicamente, quer de outra forma, esses mesmos, de forma convicta. As opções políticas têm a ver com convicções e valores, mas, acima de tudo, com a solidariedade (como dizia o saudoso Jorge Sampaio). O que distingue alguém de Esquerda de outrem de Direita são as preocupações de carácter social e económico para com os mais fracos. Eu prefiro almoçar com um sem-abrigo do que um banqueiro, por exemplo. Em resumo, UJM, divirta-se, com este seu Blogue, mas, se um dia suceder, não se esqueça que há muitas pessoas neste extraordinário País que é o nosso que vive com imenso sacrifício - alguns uma vida inteira! Finalizando, UJM, você é uma pessoa divertida, com sentido de humor, culta, uma mulher com fibra e personalidade, feminina q.b, mas com uma ausência de sensibilidade social típica de quem vive numa bolha económica confortável. Vou deixá-la em paz, doravante. Prometo. Entretanto, como lixei o meu código da conta de e-mail, desde há meses que não a consigo abrir, deixei por isso e poder entrar a partir daí neste seu Blogue. Não tenho nenhum azedume contra si. Apenas uma certa desilusão. Nada mais. Acontece. Provavelmente, você sentirá o mesmo cansaço a meu respeito. Au Revoir!
P.Rufino
P. Rufino.
Uma correcção: não levei a terceira vacina, levei a segunda. A Janssenn era toma única e veio a provar-se que a imunidade é de curta duração. Portanto, quem levou a Janssenn e tem mais de 50 anos está a ser convidado a levar a vacina da Pfizer. Não é relevante mas gosto de ser precisa.
Quanto ao que temos de diferente entre nós há um aspecto considerável: eu não tresleio nem sou demagoga.
Se o tema é falar de um acidente de viação com atropelamento mortal eu não falo da simpatia do ministro nem das dificuldades de quem vive com poucos rendimentos. Limito-me a falar do acidente. Um demagogo faz o que você faz. Desvia o foco da conversa para demagogicamente levar a atenção dos factos para o terreno da maledicência disfarçada de politicamente correcto.
Acusa-me de não ser sensível às dificuldades pelas quais passam os mais pobres e, como sempre, erra completamente. Concluo que nunca leu o que eu escrevi. Limitou-se a tresler. E aproveita qualquer ocasião para me fazer acusações falsas e infundamentadas e, pelo caminho, auto elogiar-se ou dizer coisas despropositadas como que prefere almoçar com um sem-abrigo do que com um banqueiro. A que propósito vem isso? Alguém quer saber disso? Acaso o tema é com quem eu prefiro almoçar? Se alguma coisa já eu disse aqui sobre o assunto é que fujo de almoçar com chatos.
Tirando isso, nada.
Passe bem, P. Rufino.
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