Do centro da terra, do alto dos montes, da curva dos rios, escorrendo da haste das flores, escondido no rasgão do tronco das árvores, no alto da cúpula mais altaneira, no ventre macio de uma mulher, no nome que se esconde de alguém que se esconde, na voz de quem, em silêncio, escreve ou diz um poema, no uivo do lobo na dobra da noite mais fria, no abraço quente de um homem apaixonado, nas palavras nascidas de lugar nenhum, no sussurro insano dos amantes, nas mais pequenas coisas, em tudo, se esconde o sentido do que somos.
Não estendas a invisível linha do tempo sobre o solo nem a imagines sobre um céu azul e liso, não queiras decifrar a melodia que desponta entre palavras nem o obscuro segredo que se oculta na sombra das palavras. Não há significado ou solução ou, se há, são irrelevantes. O que importa não tem nome, não tem dimensão, não tem matéria. Tudo o que importa é efémero, misterioso, indizível. Tudo o que é importante pousa devagarinho sobre o teu coração e aninha-se na concha da tua mão e procura o amparo do teu abraço e procura o teu sorriso contido e lambe como um bicho sedento e louco o sal das lágrimas que escondes. Pode parecer o sopro do vento, a música da chuva, o som da tua ou da minha respiração, pode parecer a espuma de uma onda, um tronco deslizando sobre as águas, uma palavra deixada por aí, um passo de dança apenas imaginado, o rasto de um sonho, a carícia pela qual eu e o tu ansiamos.
E se tudo nasce de um acaso e é feito de nada e se tudo acaba tornando-se em nada, então não estranhes que festeje o breve instante entre o nada de antes e o nada de depois e respeite o eterno mistério do breve arco e de tudo.
Nem estranhes que me emocione com a elegância, a gentileza e a indescritível beleza de cada momento. Nem estranhes que me deslumbre com as sementes de infinito que se desvendam em vozes que nos chegam dos tempos da infinita luz.
E se tudo nasce de um acaso e é feito de nada e se tudo acaba tornando-se em nada, então não estranhes que festeje o breve instante entre o nada de antes e o nada de depois e respeite o eterno mistério do breve arco e de tudo.
Nem estranhes que me emocione com a elegância, a gentileza e a indescritível beleza de cada momento. Nem estranhes que me deslumbre com as sementes de infinito que se desvendam em vozes que nos chegam dos tempos da infinita luz.
12 comentários:
Ah! Ecdisia!
Agora, somos de uma perfeição paralela | | vemo-nos e ouvimo-nos, equidistantes; no infinito confluímos;
faça-se disso condição suficiente.
A revelação da Alma Insubmissa é o propósito da Revolução que reduz o ego a escombros; os revolucionários inatos são proto-estóicos: não é a vitória, não é o Ideal, é o sacrifício que os impele, capítulo incontornável da ascese possível.
Bem-haja
Ecdisia - neologismo, baseado no anglicismo ecdysiast; derivação da forma lexical Portuguesa ecdise.
Maravilhosa UJM e maravilhoso Leonard Cohen.
Um fim-de-semana com a graciosidade da mais bela das danças.
E,entretanto,soltando-se desse nada breve e inquieto, este belíssimo poema sob a pele da prosa.
Obrigada
LS
Está bem de ver: Um tolo armado com um dicionário de 1945, pronto a disparar, é no que dá.
Ecdisia
1. Aquela que se desnuda (sentido estrito.)
2. Aquela que se revela (sentido lato.)
3. A que eclode (sentido figurado.)
"Por suposto, perdi rasto da ortografia e sintaxe, estultas alimárias de chistosas fauces; embrenhei-me então, a solo e resoluto, na estridente, obscura selva dos fonemas, indisposto com tudo e disposto a tudo causticar..."
"Cultura é o que fica após esquecer tudo o que se aprendeu."
(Ou algo do género, não sei: não estava lá, e quem registou pode ter interpretado mal ou transcrito às três pancadas.)
Origem incerta
Olá ambíguo bicho muito mau (não consigo tratá-lo por lacrau, não gosto de lacraus),
E gracias pela palavra nova do dia. É prática que aprecio: despir a pele, mudar, estar pronta para o que aparecer.
E gostei de ler o que escreveu. Há em si uma maneira especial de dizer as coisas que, em si, são frequentemente especiais.
E gostei também dos presentinhos escondidos debaixo das palavras. São também sempre presentes especiais.
Obrigada, Bicho Ambíguo.
Olá Francisco,
Lindíssima a música de Cohen, lindo o tributo dos que se reuniram para lhe darem vida. Gostei que tivesse gostado.
Felicidades para os seus múltiplos afazeres.
E um domingo feliz, Francisco. E obrigada pela sempre presente simpatia.
Olá LS,
Muito obrigada. E a si, em especial, obrigada não apenas pelo comentário mas por tudo (e penso que sabe do que falo). Ainda há pouco, no post que acabei de escrever, pensei em si.
Um abraço, LS. E um belo domingo.
El mucho bad,
Ficou a pensar naquilo da ecdisia, não foi? As coisas que desencanta...
Posso então concluir que ecdise é largar a pele e ecdísia é aquela que larga a pele? Sou uma ecdísia? Ou, pensando nos três significados, não é coisa que se possa dizer de mim?
E quem é o autor da confissão entre aspas (... "indisposto com tudo e disposto a tudo causticar")
E, já que estou em maré de perguntas, permita que me estique: porque é que se traveste com tantos nomes diferentes? Ainda não se sentiu confortável com nenhum e anda a tentar descobrir qual lhe assenta melhor? Quer que eu ouse tentar descobrir um que lhe fique que nem uma luva?
E um domingo feliz para si.
Prostrado à sombra do Grande Rapsodo, à míngua de talento, procuro consolo na vanglória da emulação heteronímia e na diluição d'A Mágoa em múltiplos e flagrantes delitros.
Genericamente, e com o o mínimo de excepções possível, as frases que não se encontrem associadas de forma explícita aos respectivos autores são parte do Logos, do qual constituo um mero instrumento de indagação e transmissão (até sinal em contrário consubstanciado por acusação de plágio).
Nada me assenta porque estou sempre de partida de mim mesmo - isto dito, não só não enjeitarei a sua opinião (ou opiniões) como lhe fico reconhecido pela generosidade que me outorga, da qual não me sinto merecedor.
Agradeço e retribuo os seus votos e cordialidade.
Olá El Mucho,
Pescando por cumprimentos...? 'Prostrado à sombra', 'míngua de talento', 'procuro consolo na vanglória de...'? Ora, ora... Que é isso? Quer que eu o contradiga, certo? Que diga que o seu brilho repele a sombra, que o seu talento é exuberante, que não precisa de procurar consolos (muito menos flagrantes)?
Mas não vou fazê-lo. De resto, até acho que tudo o que escreveu foi mera figura de estilo (e, confirmo, saíu uma frase bem interessante) já que, estou certa, está bem ciente dos seus méritos. E tomara que não pense que o facto de os ter lhe outorga superioridade intelectual sobre os restantes mortais.
E tem graça essa de aqui trazer Pessoa à colação. Claro que é a referência mais óbvia a propósito da sua heteronímia -- mas tem graça na mesma. O que eu gostava de perceber é se isso é compulsão à qual não consegue furtar-se ou se é exercício de diversão, tentando confundir os que observam a sua máscara sempre em evolução.
E afinal recuo: ainda não é hoje que vou sugerir-lhe um nome que talvez lhe assente como uma segunda pele. Fica para outro dia.
Uma noite descansada, El.
Quem não precisa de um mimo de vez em quando que atire a primeira pedra.
De qualquer modo, beleza, talento e outros predicados estão sempre do lado de quem avalia, não necessariamente em quem é avaliado.
Mas se, porventura, tenho algum mérito intelectual, então tenho certamente superioridade intelectual que me proporciona, acima de tudo, deveres acrescidos, dos quais a mais valiosa contrapartida é um acréscimo na sensibilidade, o que no meu caso constitui estuporada maldição.
No meu modesto entender, a civilização hodierna é uma sobredimensionada aeronave de passageiros em queda livre na direcção de uma megalópole; uma das poucas coisas que um não-conformista como eu pode fazer é aprender a distanciar-se da histeria que há-de vir - se as palavras que alinhavo aqui e ali forem de alguma utilidade para alguém, tal merecerá um brinde.
Para Si, desejos de rápido restabelecimento.
El,
Sempre esse doloroso fatalismo nas palavras. A constatação pode ser realista mas a crueza das palavras retira aquele filtro de que precisamos para sermos minimamente felizes.
E não venha com a conversa de que só os estúpidos são felizes. Olhe os bichos, livres, despreocupados e felizes. Não são mais inteligentes que nós que desperdiçamos a nossa breve e efémera vida com antevisões apocalíticas?
E, sim, a sua cultura e inteligência intelectual parecem ser consideráveis. Mas, como sabe, devem ser complementadas com inteligência emocional para que o ramalhete fique perfeito. E essa componente, não sei bem porquê mas parece que não será o seu forte, em especial no que toca a empatia. Mas posso estar enganada.
Mas, seja como for, gosto do que escreve. Sabe disso. E gosto dos presentinhos que, quais ovinhos escondidos na caça ao tesouro, deixa sob as palavras.
Uma noite descansada, El.
Enviar um comentário