sábado, junho 15, 2019

Com a Callas à mesa


Há aniversários todo o ano mas, quando começa a chegar o verão, eles começam a apertar. Hoje foi um.

No fim do dia de trabalho, que hoje aconteceu um pouco mais cedo, fui buscar um pequeno bando ao pé do rio. Viémos cá para casa e os meninos, depois de lancharem, estiveram a jogar à bola com a big bola azul. Eu a dizer que bola pelo ar não, pontapés com força não, na direcção de portas de vidro não e, mal as costas viradas, já uma barulheira de futebol a sério. Não vale a pena querer que se portem bem. A avozinha consegue isso que lá em casa dela ninguém salta ou corre ou joga à bola. Nem sequer falam alto. Há pessoas que impõem respeito. Eu não.

Depois fomos para casa da aniversariante.

Estiveram todos a jogar à bola no relvado, grandes disparos de bola com o bebé a passar por entre eles e eu a temer que uma bolada o deitasse ao chão. Até a menina, à falta de outras meninas, jogou à bola.

Depois foram chegando mais pessoas, incluindo mais primos e incluindo um primo para a futebolada e uma prima bebé que não quis misturas, preferindo sentar-se ao piano e cantar com microfone, o que, mais tarde, viria a dar confusão pois o primo bebé fez de tudo para tirar-lhe o microfone. Isto no intervalo de comer folhado de salsicha, massa com carne, tigelas de arroz doce e carradas de melancia e, no fim, bolo de anos -- um bebé devorador, com boa boca.

E quando a mesa grande toda aberta se revelou insuficiente para os grandes -- porque os sete pequenos estavam numa mesa redonda à parte (a bebé menina ficou ao colo da mãe, senão seriam oito) -- teve que ser aberta uma outra mesa para juntar à grande.

E toda a gente conversou em várias conversas cruzadas, eu com a minha parceira do lado, o meu parceiro do lado conversando com o vizinho da frente, os do fundo conversando uns com os outros, outra brincando com um e outro e etc e tal e as crianças chilreando e rindo -- porque toda a gente tem coisas para dizer e piadas para contar e o meu filho esteve a contar coisas de mim, uma coisa muito recente, e pôs toda a gente a gozar e a rir. E depois o bebé quis sair da cadeirinha e os outros meninos também se levantaram e foram cirandar para a outra sala e eis senão quando uma música imprevista ecoa pela casa.

Ficámos todos parados, em silêncio, a olharmos uns para os outros. Perplexos.

E, então, o bebé  apareceu à porta da sala de jantar como se a ver se aprovávamos a escolha. Perguntámos se tinha sido ele. Disse que sim. E tinha mesmo sido. O pai, que estava sentado na direcção da coluna, disse: 'Tirou o CD que lá estava e pôs este'. 

E a música que se ouviu foi esta:


Perguntei-lhe: Gostas desta música? E ele, com ar de quem responde a uma pergunta parva, diz: 'Sim...!' e o tom foi o mesmo que se dissesse  'óbvio...!' ou 'dahhh...'.

E até ao final do jantar estivemos a ouvir a Callas, alto e bom som. E os outros meninos, ao contrário do que se poderia esperar, também não protestaram. E todos, espantados, ficámos de gosto na conversa, a Callas ali connosco à mesa.

Tão bom. Tão inesperado e tão bom.



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O primeiro bolo é de Elena Gnut e o segundo de Ksenia Penkina

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Um belo fim de semana a todos

2 comentários:

P. disse...

Pelos vistos temos netos com bom gosto. O meu (nosso) gosta bastante de ouvir música Clássica. Vá lá saber-se porquê! E até já sabe escolher um ou outro CD dos muitos que por cá temos sobre esse tipo de registo musical.
Bom, ainda bem. Para ambos.

Um Jeito Manso disse...

Olá P. Rufino,

Embora me surpreenda com o que ele sabe, não sei se ele o escolheu deliberadamente, afinal fez há pouco dois anos. Mas a verdade é que gosta de andar a pôr e a tirar CD's e neste caso parece que andou à procura, pôs aquele e deixou-o ficar até ao fim.

É o meu quinto neto e a verdade é que não deixo de me surpreender com o que aquelas crianças sabem.

No mesmo dia, lá em minha casa, enquanto lanchavam, dois manos discutiam sobre produtos naturais. Um dizia que o chocolate não era um produto natural, outro dizia que sim, que derivava do cacau, o outro dizia que o cacau era apenas a matéria prima e que havia o processo de transformação e ali estavam e eu om a conversa, um com dez, outro com oito acabados de fazer.

Enfim, uma alegria para nós que os vemos a desenvolverem-se, felizes da vida, ainda tão inocentes.

Felicidades para o seu menino pequeno e para os seus meninos grandes.

E um bom domingo para si, P. Rufino.