sexta-feira, junho 22, 2018

Um dia ligeiramente diferente dos dias normais







Se o amanhecer foi madrugador, o anoitecer foi tão tardio que daqui a nada tenho que me levantar quase sem me ter deitado.

A semana estava mesmo fadada para ser assim. Olho no telemóvel para esta sexta-feira e vejo vários riscos, um por cada compromisso, um a seguir ao outro. O que me anima em semanas iguais a esta é que dia, após dia, a semana vai caminhando para o fim de semana. Não é que seja boa coisa, essa. Ver o tempo a caminhar nesse sufoco irreversível não é o melhor que uma pessoa possa ambicionar -- mas, optimista como sou, agarro-me a qualquer coisa, por mais perversa que seja.

Hoje o dia foi longo e, a intervalos, com emoções e receios pelo meio e, logo depois, suspiros de alívio e ternuras.

Entre reuniões, consegui estar perto de quem acho que devo estar e isso, para mim, é o que interessa. Pode o céu cair em cima da cabeça da cidade que eu, se acho que devo é estar noutro lado, me marimbo para o céu e vou para onde o meu coração puxa.

À hora de almoço com o mais crescidinho. Ainda há tão pouco fui vê-lo na sua primeira festinha quando entrou para a primária e, de repente, estou a assistir à festa do último ano. Vejo-o a cantar, a representar, a olhar para nós, contente por ver os pais, os avós. Não há nada que ajude mais a crescer e a ser feliz do que sentir o afecto daqueles que nos são próximos. Não tarda fará dez anos, o meu menino querido, e entrará num outro ciclo da sua vida. Emocionou-se ao despedir-se da sua professora. Tão bonito, tão alegre, tão inteligente o meu menino mais querido. Não me canso de receber os seus abraços bons.

O tempo passa a correr, a correr. Os meninos pequenos fazem-se meninos crescidos, e os jovens vão-se fazendo adultos e os adultos vão envelhecendo e, pelo meio, nascem novas crianças, e assim mesmo é a vida.

No fim, um filme com as fotografias dos meninos, ele pequenino e agora tão crescido, tão bonito, cada vez mais bonito.


Antes tínhamos ido ao outro recreio para darmos um beijinho ao seu mano, o meu irrequieto ex-bebé. Esse agora já tem seis anos, está enorme. Lá veio, a rir, ter connosco. Um abraço molhado. Pingava de alto a baixo: a roupa, o rosto, o cabelo. Devia ter andado a jogar futebol, estava naquele lindo estado. Ficou contente de nos ver. Ninguém percebia se ia ser bom aluno tão descontraído e 'amalucado' é, todo ele virado para o desporto. Afinal, para surpresa de toda a gente, é excelente, especialmente a matemática. Quem diria? Nunca o deu a perceber. A minha mãe dizia: 'vamos lá a ver como será na escola'. Sendo professora, não via nele aquela atenção ou 'apuro' que se costuma perceber nos bons alunos. Agora espanta-se tal como nos espantamos todos. Ele continua a não ligar patavina.

No fim, a minha filha deu-me boleia até ao meu carro porque tinha dois sacos cheios de roupa para o primo dos meninos, para eu levar já que ia estar com eles antes dela. Lá fiz o transbordo e lá segui viagem para o hospital. A minha menina mais linda ia sofrer uma cirurgia e o meu coração estava apertado, apertado. Quando fui ligar para o meu filho para saber onde encontrá-los, percebi que não tinha o telemóvel, devia ter ficado no carro da minha filha.

A sensação de uma pessoa estar incomunicável é horrível. E logo numa situação daquelas.

Lá fui para o hospital. Sem fazer a mínima ideia onde estavam, sem saber o nome da médica, lá consegui que me dessem indicação de que sim, tinha sido internada. E indicaram-me o bloco em que seria operada e o piso e corredor. Lá fui. Achei estranho que estivesse em quartos onde jaziam idosos magros, de boca aberta, aquele fim de linha que, infelizmente, tão bem conheço. Quando encontrei alguém que me ajudasse, logo se percebeu que me tinham enganado. Resumindo: ao fim de umas voltas, lá consegui dar com o quarto e lá dei com a minha bonequinha mais linda, com os seus pais. Tal como eu que, quando estou enervada, não falo, não me apetece falar, assim ela. Silenciosa.

Com o coração ansioso, lá dei beijinhos e beijinhos e desejei boa sorte e lá fui trabalhar, para reuniões a que não podia, de todo, furtar-me, pedindo que me enviassem um mail quando a operação acabasse já que sem telemóvel não haveria outra forma de me comunicar com quem quer que fosse.

E reuniões, reuniões e reuniões. Pelo meio, um mail da minha nora e depois um do meu marido. Tudo bem, a menina mais linda já no recobro. E, com uma notícia boa destas, até as reuniões seguintes me souberam a bombonzinhos.

E no fim das reuniões, falei do telefone fixo para a minha filha que estava com o meu telemóvel e lá fui a casa dela, trânsito e mais trânsito, e dali de novo para o hospital, trânsito e mais trânsito mas, ao chegar, vendo a minha menina linda já sentadinha na cama, logo me senti feliz e tranquila.

Cansada, coitadinha, à medida que o sono avançava, cada vez com mais sono, ainda com agulhas enfiadas e ligaduras -- mas bem. Silenciosa. Tinham avisado que ia dormir ferradamente mas manteve-se acordada. Já noite avançada, teve alta e já foi a andar para o carro, com o seus shortinhos, as suas sandalinhas, com o bracinho no ar. Mais fofinha, mais linda, a minha bonequinha querida.

E sendo já aquelas horas, o melhor era jantar mesmo por ali e assim eu e o meu marido fizemos.

O que eu hoje já andei a pé, ruelas acimas, avenidas abaixo, tudo em pedra de calçada e eu de saltinho bem alto, não se imagina. 

Chegando a casa, já depois das onze, já pus os pés de molho mas ainda chiam. E os meus miolos não chiam menos. E depois destes desabafos, ainda tenho que ir ver uma apresentação que me enviaram pois a reunião que tenho mal chegar é tão cedo que duvido que tenha tempo para ligar o computador.

Portanto, não dá para escrever nada. Estou cansada e, sobretudo, desinformada. Não sei se o Bruno de Carvalho já roeu os ossinhos ao Marta, se o Marta já mandou avançar os bombeiros para o Altice, se o Trump já fez uma declaração de amor à Merkel ou se já arranjou maneira de correrem com ela, não sei se a Alexandra Lencastre já repuxou mais a beiça ou se a mãe do Ronaldo já faz anúncio também à Sagres, à Super Bock e ao Licor Beirão. Estive fora do mundo mediático e, ainda por cima, parte do dia sem telemóvel. Portanto, não levem a mal mas hoje não consigo escrever uma única palavra.

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Paul Signac por nenhuma razão especial. 
Katie Melua interpreta 'I will be there'