Em 1962, para a Paris Review, em Londres, George Wickes entrevistou Henry Miller que tinha, então, setenta anos. (Viveria até 1980).
Sobre ele escreveu, na altura, o entrevistador:
Aos setenta anos, Henry Miller lembra um monge budista que engoliu um canário. Transmite imediatamente a sensação de ser uma pessoa calorosa e bem disposta. Apesar da cabeça careca, rodeada de um halo de cabelos brancos, não há nada de velho nele. O seu corpo, surpreendentemente ligeiro, é o de um jovem; todos os seus gestos e movimentos são jovens.
A sua voz é magicamente cativante, um baixo sonoro mas calmo, com grande alcance evariedade de modulação; Miller não pode ser tão inconsciente como parece do seu fascínio musical. Para perceber todo o sabor e honestidade do homem é preciso ouvir as gravações da sua voz.
Numa daquelas minhas coisas que não se explicam mas que estão comigo desde que nasci, teria eu uns catorze ou quinze anos, resolvi oferecer um livro aos meus pais, presumo que pelo Natal.
Promenando por entre as estantes, o Sexus chamou a minha atenção. Folheei como sempre o fiz (e faço) e devo ter achado que era mesmo aquilo que era adequado para uma jovem púbere oferecer aos seus pais. Imagino a perplexidade deles ao receberem um presentão daqueles. Mas nunca se deram por achados, nem com isso nem com nada. O que sei é que o esconderam. Lá o descobri e li às escondidas.
E o que também sei é que tudo o que lia me parecia natural. Tanta coisa tão cedo li que nunca nada me pareceu impróprio. Hoje posso dizer que muito do que sou, resulta, sem dúvida, de toda a incrível mescla que papei em menina e moça.
Depois desse livro, ainda li mais um ou outro dele mas, de repente, aqueles livros já não me traziam nada de novo. Talvez fosse jovem demais para perceber algumas subtilezas. Um destes dias hei-de tentar retomar o pulso àquela escrita.
Há pouco, preguiçando aqui no meu sofá e continuando a leitura das entrevistas da Paris Review -- e lendo, em particular, a que acima referi -- apeteceu-me ir ouvir a voz de Henry Miller.
Sou muito sensível ao timbre e a tonalidade das vozes, em especial das masculinas. Acontece-me desiludir-me de um homem apenas pela sua voz. Não sei se há explicação racional mas é assim mesmo. Exemplifico com um caso muito recente: há uma pessoa de quem tenho ouvido incontáveis e encomiásticas referências -- que é um furacão, que é super inteligente, que é corajoso, mesmo fisicamente corajoso. Pois bem: ouvi-o no outro dia e a minha expectativa, de imediato, caíu por terra. Uma voz frágil, uma voz que quer agradar. Um desapontamento
Portanto, Youtube com ela, à procura da voz de Henry Miller. Estou aqui há que tempos a ouvi-lo, há numerosas entrevistas, algumas conversas entre ele e Anaïs Nin.
O texto seguinte refere-se ao vídeo que escolhi para aqui partilhar convosco:
Filmed when Henry Miller was 81 years old, Henry Miller: Asleep & Awake is an intimate documentary in which the author speaks about writing, sex, spirituality, and New York.
The film opens in Miller's bathroom, a shrine covered with photos and drawings, where Miller graciously points out the highlights of his "gallery."
His voice is raspy as he talks about philosophers, writers, painters, and friends. The unique and prolific life of a singular American artist are beautifully captured in this film.
Henry Miller: "Asleep and Awake" (aka. Bathroom Monologue) 1975
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