domingo, dezembro 03, 2017

Sobre o Questionário aplicado no 2º aniversário do Governo, a palavra a um Leitor que participou no trabalho





Já vem tarde este meu post. Outras coisas se foram metendo, o meu tempo sempre escasseando, a actualidade, que é breve, fugindo.

Não é, pois, tema actual o que aqui me traz hoje. Ao ritmo a que o tempo é arrebatado pela vida, quase roubo por esticão, tudo parece ganhar uma relevância exagerada num instante para logo cair no esquecimento no instante seguinte.

Este ímpeto devorador a que se entregam as mentes mais limitadas e a que a comunicação social dá palco é um perigo. Perante iniciativas que as suas pobres mentes não alcançam, logo os seres mais limitados se prendem às migalhas e delas, e apenas delas, se alimentam. Tudo o mais, que não percebem, é triturado como se de resíduos se tratasse. Ora isto conduz, forçosamente, à estupidificação colectiva.

Por isso, tentando, na modestíssima medida das minhas fracas possibilidades, contrariar esta onda de mediocridade, aqui estou a repescar o assunto.

E o assunto é o que de seguida passo a expor.


Aquando do 2º aniversário do Governo e da sessão que decorreu na Universidade de Aveiro (UA), o tema ocupou como um fogacho a comunicação social descerebrada que nos calhou na rifa.


Como geralmente acontece com os idiotas que, ao verem apontar as estrelas, se focam na ponta do dedo que aponta, assim a Madame Cristas da Coxa Grossa & Cérebro de Galináceo. E assim os seus seguidores  que pululam no PSD e que, à falta de líder, se encostam a qualquer galinha que cacareje mais alto.


Não quiseram conhecer as perguntas, não quiseram saber das respostas, não quiseram conhecer os estudos subjacentes, não quiseram saber nada: apenas se focaram nas ajudas de custo que os participantes na sessão de perguntas e respostas receberam para ali estarem.

Gentinha descerebrada -- que acha que fazer política é andar a expelir sound bites, na ânsia de, com esses dejectos, conquistar o apoio suficiente para se alcandorar a lugares onde possa ter mais poder --, não sabe que fazer política é uma coisa séria, que deve apoiar-se em avaliações sistemáticas, em estudos bem fundamentados, que deve levar em conta o que as populações pensam (o que pensam mas não de forma superficial mas, sim, estruturada -- o que pensam os jovens das zonas mais desenvolvidas, o que pensam os das zonas mais carenciadas, o que pensam os desempregados de longa duração, o que pensam as mulheres trabalhadoras, o que pensam as reformadas, o que pensam os trabalhadores mais qualificados, o que pensam os funcionários públicos, etc, ec).


Infelizmente o rebotalho não vem ganhando terreno apenas na política (e veja-se, mas veja-se bem, o que são hoje o CDS e o PSD). O refugo inunda também a comunicação social. Já mal vejo os media portugueses, especialmente os malfadados espaços de comentário televisivo mas, se calha ver, é, salvo raras excepções, uma coisa miserável. Não acrescentam valor à reflexão -- pelo contrário, poluem-na.

Pois bem, no meio da agonia que senti ao ouvir a onda de comentários alarves que, na altura, se formou e que ignorou por completo o lado sério do trabalho, eis que recebo de um Leitor que é bolseiro na UA e que participou no estudo, um mail, e depois mais outro, falando no assunto.

O que abaixo transcrevo, em itálico, é parte do que me enviou e que, daqui, lhe agradeço.

Espero que, lendo, percebam como seria importante para todos que fosse dado o devido relevo a trabalhos desta natureza. Melhor: que fossem incentivados, que fossem postos ao serviço de um país melhor.


Ao contrário do que passou na comunicação social e do que sugeriram os Pafientos, o que aconteceu na UA foi um exercício bem mais interessante do que o show-off (que, claro... também fazia parte... senão o governo teria feito aquilo à porta fechada...).

Basicamente foi uma iniciativa que conjugou 3 elementos: 
  • um exercício de prospetiva (avaliação de quais devem ser as prioridades governativas nos próximos 2 anos), 
  • um exercício de participação pública (debate e partilha de opinião entre os cidadãos para formular um conjunto de perguntas ao governo e respetiva interação com o governo) 
  • e, por fim, um exercício de ciência política, com duas dimensões: a) avaliar se as percepções dos cidadãos se alteram com a interação direta com os governantes e b) avaliar as diferenças na avaliação de prioridades governativas entre o grupo de cidadãos representativo e os governantes. 
Para realizar este "mega empreendimento" foram mobilizados: a empresa Aximage, que forneceu cerca de 50 participantes, numa amostra que se exigia aleatória e o mais representativa possível da população (nós verificamos os dados sócio-demográficos das pessoas e o grupo cumpria esse requisito), o grupo de ciência política e, por fim, o grupo de sistemas de apoio à decisão.

Dentro das várias coisas que fazemos, uma em que temos tido mais trabalho externo é precisamente os estudos estratégicos e prospectivos (fazemos essencialmente no apoio à decisão em políticas públicas locais - por exemplo, construção de planos estratégicos), bem como no contexto de empresas e sectores económicos. São métodos de apoio à decisão muito interessantes! 



Portanto, fiz parte da equipa de apoio técnico na última semana e, especialmente, durante o dia de ontem e de hoje, para a aplicação do questionário (realizado através de um mecanismo de avaliação par a par das opções governativas, controlado por um sistema de avaliação / detecção de incoerências (para detectar pessoas que hajam de forma incoerente / aleatório).

O menos engraçado nestes dias foi a pressão da comunicação social (uma coisa assustadora), a quantidade de informação errada que fizeram circular no espaço público e... claro... o combate político com danos colaterais.

Permita-me algumas considerações adicionais: o objectivo central do exercício de domingo era a possibilidade de confrontar as prioridades de um grupo de pessoas com as prioridades dos governantes. Este confronto de perspectivas prospectivas tinha duas dimensões de análise: 
i) se as prioridades das pessoas mudavam após a interacção com os governantes e  
ii) se as prioridades das pessoas coincidiam com as prioridades dos governantes. 

Em termos técnicos, cingindo-me ao exercício de avaliação prospectiva (escolha de prioridades governativas) - aquele em que participei - efectivamente colocou-se a questão da representatividade. Ao contrário do que sugere a senhora prof da Universidade Católica (nos Prós e Contras na RTP 1) não é fácil reunir as condições ideais de realização destes métodos: reunir 200 pessoas, numa amostra aleatória representativa, é complexo em termos logísticos (recrutamento aleatório, custos, etc) e metodológicos (apesar de o inquérito ser desenvolvido num suporte informático, deve incluir a interacção dos participantes, por forma a produzir consensos - a análise estratégica prospectiva não é só escolher as prioridades mais votadas mas também potenciar a formação de consensos. Ora, acções de debate entre 50 pessoas já foram um desafio. Ainda assim, a solução de compromisso que encontramos foi dividir as pessoas em grupos de 5/6 elementos, tendo como critério o facto de terem dado respostas semelhantes no inquérito - ou seja, em grupos homogéneos. Assim, numa primeira fase, estes grupos procuraram chegar a um consenso, sobre qual a questão a colocar ao governo e depois apresentaram-na aos restantes participantes, recebendo críticas e/ou sugestões sobre a questão que pretendiam ver esclarecida pelo governo. É óbvio que realizar isto com 200 pessoas é muito mais complexo. Obrigava a muitas mais rondas e, a certa altura, é questionável se as pessoas mantém o foco no estudo... (notemos que todo o exercício durou cerca de 8h - com mais pessoas teria de durar ainda mais!).


Não vou ser chato a descrever todos os prós e contras, dificuldades, desafios, deste tipo de trabalhos. O meu ponto essencial é: a representatividade para extrapolação estatística é um elemento central num inquérito de opinião usual (como uma sondagem). A natureza deste exercício (um exercício predominantemente prospectivo!) tinha um objectivo diferente (aliás, as questões colocadas ao governo, transmitem claramente isso: não são questões sobre o que fizeram até aqui mas sobre o que pensa o governo fazer, no futuro, em certas áreas!). No entanto, é de realçar que o trabalho incluirá ainda uma componente de sondagem típica: o inquérito será disponibilizado online de forma livre e aberta, estando todos os cidadãos convidados a responder ao mesmo. Os dados recolhidos serão depois tratados por forma a desenhar uma amostra aleatória representativa da população - caso os dados o permitam - e serem assim tratados e apresentados. Volto a frisar que esta componente inquérito é distinta da anterior (exercício de prospectiva), que requeria o tal painel.

Para terminar, gostava de referir que a universidade católica tem também um centro de investigação financiado com dinheiro público (aliás, apesar de ser uma universidade privada, por via da concordata, tem um estatuto especial no acesso a fundos públicos para o ensino superior e ciência, que a aproxima bem mais de uma instituição pública que privada). Portanto, quer pelo facto de a actividade da universidade católica ser financiada com dinheiro público, quer pelo facto de que este exercício não foi uma sondagem mas um exercício de prospectiva - coisa que a senhora da universidade católica parece que não percebeu - acho extremamente injustas as acusações que são feitas à falta de credibilidade do exercício (e a comentários que já li pela blogosfera e redes sociais - de "prostituição intelectual").



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Mais informação sobre este trabalho no espaço que a Unidade de Investigação da Governança, Competitividade e Políticas Públicas (GOVCOPP) da Universidade de Aveiro dedicou ao assunto e cuja leitura recomendo.


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As fotografias que usei não vêm a propósito do texto, estão aqui apenas porque sim. Fi-las in heaven.

Lá em cima, Ludovico Einaudi interpreta Experience

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Caso estejam mais numa de passeios à beira-mar, pois então recomendo-vos que desçam até ao post seguinte onde o sol da Caparica em noite de lua cheia vos espera. 

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