sábado, dezembro 02, 2017

Cinemas NOS
-- uma antevisão do que seria um mundo governado por porcos.
[O filme 'A montanha no meio de nós' é bom mas ter-me-ia sabido melhor se o tivesse visto numa sala de cinema decente]


De manhã, fiz fotografias que me agradaram fazer mas que ainda não vi. O prazer está em captar o momento, não em revê-lo. A praia muito bonita, o sol banhando de luz a superfície do mar, as pessoas passeando, os vultos em contra-luz ao longe, a alegria do pescador a descer as rochas para ir resgatar o peixe tão grande, as crianças brincando. Podia ir buscá-las à máquina para as passar para o computador, mas não me apetece.

Também fiz muitas fotografias cá em casa, a alegria e confusão do costume. O bebé tão bonito e feliz, os outros rapazes já tão crescidos e sempre tão cheios de vitalidade, a menina sempre linda, muito  feminina e coquette, os crescidos todos na boa, bem dispostos, tranquilos. Mas essas fotografias eu não mostro aqui, ficam para mim e para a família.

Depois de todos saírem, saímos também.

Andava com vontade de ir ao cinema mas sem encontrar filmes que me seduzissem. Mas hoje um chamou-me a atenção e lá consegui arrastar o meu marido para fora de casa quando lhe apetecia era ir estender-se no sofá. Eu própria tive que vencer o apelo do corpo que, ao fim de um dia bem preenchido, pedia também algum descanso. Mas lá fomos.

Na bilheteira, toda a gente com baldes de pipocas e bebidas. Depois, a escada rolante parada, com os degraus pejados de pipocas.

Entrámos. A sala cheia. Quando ia sentar-se, o meu marido viu que o braço da sua cadeira e o chão por debaixo estavam cheios de coca-cola (ou pepsi, sei lá). Ficou furioso. Saíu e regressou com uma jovem de balde, esfregona e pano. Limpezas feitas, lá se sentou. Furioso. 'Nem ao menos fazem a limpeza da sala, entre sessões'. 

Ao lado dele um casal de gordos -- mas ponham gordura em cima deles. Gordos e gigantes. Nem conseguiam sentar-se bem. O gordo segurava num balde de pipocas e comiam-nas freneticamente. Felizmente o casal ao meu lado era silencioso. À nossa frente uma fiada de gordas, gordas, gordas, cada qual com seu balde pipocas. Riam-se e falavam umas com as outras. O meu marido continuava furioso e dizia que não aguentava estar no meio de mandibulantes desenfreados. Eu também estava incomodada mas não dei muita corda não fosse ele resolver levantar-se e desistir do filme. É menino para reacções dessas.

O cinema é da NOS. Antes do filme começar, publicidade com o som numa intensidade insuportável. Um chinfrim que, diria eu, nem deve ser saudável.

Finalmente lá começou o filme.

Um bom filme. Um daqueles filmes bom de ver, uma história de sobrevivência e de amor. 

Para mim, ir ao cinema é também a magia da sala escura, um certo culto que talvez seja já apenas ficção mas que, para mim, teima em persistir -- como se, num ambiente quase mágico, um grupo de pessoas ali estivesse a partilhar emoções. Contudo, ali isso é impossível. As gordas da frente riam alto, em momentos de maior emoção saíam-se com apartes completamente absurdos, descarados ou ridículos. O gordo do lado, saía-se com piadas brejeiras e inconvenientes. A sua parceira gorda partia-se a rir. Mas não eram os únicos. 'Bocas', risos, brejeirices. E o barulho das pipocas. Sempre o barulho das pipocas. E o enjoativo cheiro das pipocas. 

No intervalo, reparei que o corredor central do cinema estava sujo, bocados de pipocas polvilhavam a alcatifa. Cá fora, o chão também sujo e mais gente a abastecer-se de pipocas e de bebidas. Perguntei ao meu marido: 'Mas isto é tudo gente porca e estúpida?'. O meu marido já estava mais tolerante: 'Para estes gajos [referia-se à NOS], o negócio principal parece que é vender pipocas. E enchem os baldes daquela maneira. Transbordam, caem no chão, nas escadas, por todo o lado [referia-se às pipocas]'.  E eu: 'E reparaste que quanto mais gordos, maiores os baldes?' E ele: 'Não deve ser por acaso'

Um nojo.

Acho que tão cedo não voltaremos a um cinema NOS. 

Se quisermos imaginar o que seria o mundo se fosse governado por porcos, acho que poderemos visualizar uma sala de cinema NOS.

Para ajudar à festa, no intervalo vi uma troca de mails profissionais em que fui posta em conhecimento e que acentuou ainda mais a sensação de estar a viver num mundo em que falta de qualificações de toda a ordem começa a imperar. Que mails mais miseráveis. Ideias mal apresentadas, frases mal construídas, pontuação errática e erros ortográficos insuportáveis. Fiquei, uma vez mais, petrificada. A minha vontade foi enviar um mail a pedir que regressem à escola primária, que aprendam a escrever, que arrumem as ideias e que me poupem a lástimas como as que me tinham dado a ler.

Contudo, não fiz nada. Mas fiquei agastada. 

Por delicadeza, deixamo-nos morrer. Neste caso, talvez não morrer mas vencer. Vamo-nos calando e aceitando tudo. Lemos textos que são autênticas alarvidades, estamos em salas de cinema que são pocilgas e em que ao nosso lado se sentam porcos que nem tentam comportar-se como gente civilizada. E tudo aceitamos. 

Não deveria também eu ter-me levantado e pedido, alto e bom som, que parassem de mastigar, de fazer barulho, de ser inconvenientes? Que soubessem respeitar o filme e as pessoas que ali estavam a assistir? Que soubessem portar-se de forma civilizada?

E não deveria eu escrever uma reclamação dirigida à NOS a dizer que me incomoda que não respeitem a arte do cinema e que não garantam o asseio das suas instalações?

Claro que deveria. 

Já passa das duas da manhã e estou com sono e já sei que, mal entre o dia, vou à minha luta e vai faltar-me a paciência e o tempo para me insurgir de forma mais consequente mas, de qualquer forma, aqui fica lavrado o meu protesto.

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As fotografias que usei a despropósito no meio do texto, referem-se ao filme.

A montanha entre nós com Idris Elba e Kate Winslet, aqui ´num trailer legendado em brasileiro



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A si que está aí desse lado desejo um sábado feliz.
Saúde e alegria.

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