quinta-feira, novembro 02, 2017

Wild rose


Beny deixa-se estar. Mêninha pinta-lhe os olhos com todos os cuidados, esfuma-os, ajeita-lhe as sobrancelhas, aplica um brilho na pálpebra superior, disfarça-lhe as olheiras. Vai falando enquanto opera os pincéis, uma tagarelice em contínuo, e tanto fala das cores de outono, como passa para os lábios inchados da apresentadora ou para as rosetas salientes da outra, saltando daí para a falta de chuva, e logo para a simpatia do Marcelo (ainda hei-de ter selfie com ele, vai ver --- assegura), depois para o outro que é um mal jeitoso. Beny vai sorrindo, muitas vezes sem saber onde é que perdeu o fio da conversa porque já não está a acompanhar. De vez em quando entreabre os olhos para se ver no espelho, de vez em quando diz que sim ou pois apenas para que Meninha não pense que não está a ligar.

Desde que acordou que anda com a expressão where the wild roses grow. Não sabia se tinha inventado ou se existia. Enquanto Meninha lhe retoca os lábios, Beny pesquisa no telemóvel. Afinal é nome de canção. Ouve-a para perceber se é daí. Não. Acha que nunca tinha ouvido. Meninha gosta, espreita para ver o que é. O filme é estranho. Beny não gosta. Fecha-o. Mas a frase não lhe sai da cabeça. Where the wild roses grow.


Quando a maquilhagem está pronta, Beny pede a Meninha que verifique se o cabelo está bem. Meninha ri-se: 'Perfeito. Mas haverá alguma coisa em si que não seja perfeito...?'. Beny responde: 'Há. A minha cabeça. Parece que nunca estou de corpo e alma no que estou'. Meninha ri-se de novo: 'Preocupações de quem tem tudo... Olhe, bobagens...Não quer estar de corpo e alma...? Não tem mal. Esteja só de corpo ou só de alma... Não tem mal, não.' Meninha parece só conhecer o lado prático da vida.

Beny levanta-se, olha-se ao espelho. Pede a Meninha: 'Venha comigo, venha ajudar-me na sessão. Venha ajudar-me com a roupa, com o cabelo, a ver se estou bem. Não gosto da assistente do Filipe'. Meninha faz um ar sofredor: 'Ai... Ia sair agora... tenho o namoradinho novo à espera....'. Mas depois resolve: 'Deixe. Já percebi que hoje está jururu. Vou ajudar, sim. Já ligo a Zezinho para que só me espere lá mais para a noite'.

Deslocam-se então para o estúdio. Numa cabine, Beny muda de roupa. O seu corpo fica nu em frente a Meninha mas Beny não se importa. É como se o corpo não fosse seu ou como se o olhar de Meninha fosse tão inocente que não houvesse risco de beliscadura. Meninha olha e diz com ar de espanto: 'Corpo mais lindo, apetece até mexer. Um dia ainda vou ter um corpo quase assim...' Beny não presta atenção. Não quer saber do que dizem do seu corpo. Desde que o seu corpo se formou que o ouve elogiar, já se habituou. 

Tem as peças para vestir penduradas. Veste. Olha-se ao espelho. Meninha ajeita-lhe o cabelo, os adereços, acaricia as sedas, apalpa as rendas. 'Que luxo... Quem dera eu... Ai... será que não emprestam não...? O que eu dava para experimentar...'

Do estúdio, chega uma voz: 'Então Beny, quando é que começamos?'

E então Beny sai da cabine e, com ar indiferente, coloca-se à disposição. Filipe olha-a deslumbrado. Durante uns instantes não diz nada, apenas a olha.

Depois pede-lhe que se sente em cima da bola. A assistente liga a ventoinha. Os cabelos de Beny esvoaçam. E, como sempre acontece, Beny transforma-se na fêmea bela e sedutora que todos conhecem.


Num canto, Meninha observa a sua diva e sonha com o dia em que alguém também a olhará assim. E pensa que vai pedir a Zezinho para logo mais a fotografar. Fará poses iguais, olhará pelo canto do olho, boquinha carente, cabelo solto, salto agulha, bunda tentadora.


Depois Beny vai trocar de roupa. Faz sinal a Meninha. Já na cabine, Beny pede: 'Ajuda-me, Meninha?' Meninha ajuda de bom grado. Sente a pele macia de Beny. Gostava que a sua fosse igual.

Beny pede mais: 'Meninha, gostava de apanhar o cabelo. Ajuda?'. Está nua. Meninha penteia-a, retoca-lhe os lábios. Depois ajuda-a a vestir as transparências pretas que tão tentadoramente contrastam com a pele de leite.


Quando Beny, de novo no estúdio, se deita na cama que Filipe colocou à sua disposição, olha para Meninha como se procurasse uma âncora. Where the wild roses grow. Pensa. Como se de um segredo ou de um mistério se tratasse, em silêncio ouve-se a dizer where the wild roses grow. Meninha não se apercebe dos pensamentos perdidos de Beny, nem tenta percebê-los, já sabe que mulher bonita é assim mesmo, cheia de bobagens. Limita-se a estudar as suas poses. À noite vai pôr-se assim para que Zezinho a veja tão linda quanto Beny.

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