No post abaixo falei-vos do filme 3 Corações que fui ver este domingo, um bom filme que não encaixa nos filmes saison, apalermados e banais.
Mais abaixo ainda, encontrarão dois post de humor, de um humor tristemente actual.
Mas tudo isto é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.
Se ontem falei de livros que li em 2014 e os fiz acompanhar por magníficas bibliotecas, hoje continuo com leituras deste ano que está prestes a findar, mas mudo de cenário. Saio do labirinto infinito das bibliotecas para me entregar a outros tipos de prazeres: vou procurar locais onde eu gostaria de estar tranquilamente, vendo a paisagem, degustando o conforto, lendo um livro.
[Deixo informação de ordem prática para os happy few que se possam dar ao desfrute da verdadeira qualidade de vida (telefone, preços, etc) e poderão reparar que há para quase todas as bolsas - excepto, claro, para quem vive honestamente em Portugal mas, enfim, deixemos isso para lá, que isso é uma pieguice e estamos mais do que avisados de que devemos deixar de ser piegas].
[Deixo informação de ordem prática para os happy few que se possam dar ao desfrute da verdadeira qualidade de vida (telefone, preços, etc) e poderão reparar que há para quase todas as bolsas - excepto, claro, para quem vive honestamente em Portugal mas, enfim, deixemos isso para lá, que isso é uma pieguice e estamos mais do que avisados de que devemos deixar de ser piegas].
Adiante, pois.
Mas, para começar, se não se importam, vamos com música.
Acompanhar-nos-á o Peter Erskine Trio (John Taylor no piano) com Amber Waves
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Apesar dos amigos, vivo isolada. Não estou feliz nem em paz, antes envolta numa dormência melhor do que todas as alternativas. É então que começo a aperceber-me das tentativas dos outros para se aproximarem, mas não posso corresponder-lhes sem trair o desfasamento brutal em que vivo. Não obstante, avançam. Vejo-os como inimigos que tentam acostar de todas as formas possíveis para me expor e sugar. Quando afugento os barcos aterram os helicópteros, quando despisto os aviões emergem os submarinos, numa marcação cerrada. Por fim, na impossibilidade de me livrar de todas as ameaças, cedo e sucumbo, oferecendo aos outros o espectáculo desta minha dificuldade. As ameaças são caricatas: é um filho a pedir apoio ou uma editora a lembrar-me um prazo ou alguém a desafiar-me para um cinema. Na minha mente alucinada, tudo é dramatizado como uma perseguição. Quando, finalmente, conseguem vencer a minha resistência, encontram-me bem, e há até quem se deixe contagiar pela minha energia arrebatadora. Na verdade, tenho tanto medo que descubram esta lama em que vivo que passo ao outro extremo.
Rita Ferro in Veneza pode esperar, Diário I
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Castello Di Santa Santa Eurasia, Italia Collonatta- exterior __________________ |
Só se sentia liberta quando ficava sozinha,
sem o destino, a desgraça, o abismo dos outros pesando nos seus ombros de menina vulnerável, pequena sibila contra quem se volta sempre a lâmina afiada do próprio dom de adivinhar o impossível.
E eram as noites em claro que passava escutando os astros e as demoradas tardes de mar ou à beira do rio que a salvavam. Sentada nas suas pedras duras e escorregadias, quentes, lisas e macias, que lhe reequilibravam o corpo frágil de menina arredia, pés descalços que mergulhava até aos tornezelos fininhos, a molhar a bainha da saia e em seguida a ponta do bibe apertado na cintura,
por um laço de borboleta,
duro de goma seca pelo ferro de passar, que as mulheres abriam levantando a parte de cima, a fim de soprar as brasas que refulgiam como rubis por entre o cinzento vulcânico das cinzas.
Maria Teresa Horta in Meninas
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Tive de passar seguramente várias vezes a borracha sobre as linhas suaves so seu rosto de mulher de vinte anos antes de redescobrir o rosto ácido, anguloso, ainda infantil de Carla, a adolescente que estivera na origem da nossa crise conjugal de havia uns anos. E decerto também, foi só depois de a reconhecer que, fulminada, reconheci os brincos que ela usava, os brincos da avó de Mario, os meus brincos.
Pendendo-lhe dos lobos das orelhas, realçavam-lhe a graça do pescoço, iluminavam-lhe o sorriso tornando-o mais brilhante ainda, enquanto o meu marido, diante da montra, a abraçava pela cintura com um gesto de proprietário feliz, ao mesmo tempo que ela lhe pousava nas costas um braço nu.
O tempo pareceu dilatar-se. Atravessei a rua com grandes passadas firmes, sem sentir a mais pequena vontade de chorar, de gritar ou de exigir explicações, mas apenas um desejo negro de destruição.
Elena Ferrante in Crónicas do Mal de Amor
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"De acordo, as nossas cidades e os seus princípios estão a tornar-se famosas no mundo - comentou o irmão - mais que não seja pelas orgias, os escândalos, as obscenidades,"
"Ah, há um pormenor de que me estava a esquecer", disse Lucrécia. "Na obra a que assistimos, quase no proscénio actuavam crianças que, no culminar das pantomimas grotescas mais grosseiras, se limitavam a olhar perturbadas. Depois puxavam, fazendo-a deslizar, a longa tela que fazia de pano de boca, quase a apagar aquele mundo obsceno e cruel que os actores tinham mostrado até então. Erguia-se de imediato um canto, quase de história infantil, e as crianças começavam a dançar, a abraçar-se e a fazer gestos afectuosos e puríssimos na sua ternura. E foi ali que nos revi a nós, em pequenos, quando vivíamos todos na mesma casa e brincávamos à família."
Dario Fo in A Filha do Papa
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Uma noite com Kylián
COMPAÑÍA NACIONAL DE DANZA
Director Artístico: José Carlos Martínez
COREOGRAFÍA: Jiri Kylián
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Director Artístico: José Carlos Martínez
COREOGRAFÍA: Jiri Kylián
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Permitam que relembre: para saberem sobre o filme 3 Corações que vi este domingo e que recomendo, e para se rirem com duas piadas muito oportunas, deverão percorrer os três posts seguintes.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.
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1 comentário:
"Aí está outra coisa: a idade. Tanto como o nome, ainda menos que o nome, também a idade não deveria ter grande importância. Mas tem. Oh, se tem!" Um Amor Feliz, David Mourão Ferreira.
As grandes coisas "materiais" têm importância com a idade? - Aqui deixo a pergunta.
Beijinho.
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