Há muitos assuntos relevantes, cada um em seu patamar. E eu não sei bem em que patamar hoje quero estar. E este 'querer' não tem a ver com afinidade mas com capacidade. Poderia até ter vontade de me abeirar de vários. Mas sei que não iria conseguir.
Longe vão os tempos em que ficava bem com meia dúzia de horas de sono e, se falo em meia dúzia, até estou a pecar por excesso. Não há muito ia pelo menos uma vez por mês passar o dia em reuniões nas instalações da empresa a norte. Levantava-me às cinco e tal, saía de casa às seis depois de me ter deitado à uma ou duas. E, muitas vezes, com receio de não acordar com o despertador, quase não conseguia pregar olho nas escassas horas de cama. E, no entanto, estava fresca e aguentava um dia inteiro de reuniões, coffee breaks, almoço, viagens. Chegava a casa tarde, voltava a deitar-me tarde e no dia seguinte já estava fresca e a pé às sete e tal e pronta para outro dia.
Agora já não é bem assim. Nos últimos meses passei duas noites no hospital com a minha mãe (felizmente, saindo ela de lá bem) e, em ambos os casos, longas horas a pé (prefiro estar cá fora a andar de um lado para o outro do que estar no meio da apinhada sala de espera). E fiquei francamente cansada. Comparando com a minha resistência dos tempos dos esticões aquando das idas do meu pai às urgências não há comparação. Agora o meu corpo vai-se mais abaixo. Fico a sentir-me quase de gatas.
Ou seja, sinto necessidade de descansar, tenho vontade de ficar a dormir até mais tarde.
E, por isso, chego a esta hora ou ao fim da semana e sinto que me falta a energia para falar de muitos assuntos.
- As alterações climáticas e a nossa cultura e a nossa organização enquanto sociedade que nos leva a fazer uma vida assente no consumo de produtos produzidos a milhas, em viagens de avião a preço de uva mijona, em espaços industriais ou de serviços que se situam longe das zonas residenciais, em hábitos que são pouco saudáveis -- seria um dos temas em que hoje gostaria de falar sobretudo porque não vejo que estejamos colectivamente conscientes da inflexão que tem que ser feita, sobretudo porque não estou a perceber bem o rumo que isto está a levar.
- O Twitter, essa plataforma que meio mundo utiliza, nomeadamente políticos, empresários e tutti quanti foi tomada de assalto por um maluco encartado que despediu uns milhares e depois disse que os ia readmitir, depois que ia cobrar a certificação das contas verdadeiras e que ia fazer e depois desfazer, montes de ideias ideias peregrinas, agora, perante a debandada geral, está nas bocas do mundo pelo risco de falência -- e esse seria outro dos temas sobre o qual também gostaria de falar.
[A day of chaos brings Twitter closer to the brink]
[Two weeks after Elon Musk completed his acquisition of Twitter, the future of the company has never looked less certain. In the past week alone, one of the world’s most influential social networks has laid off half its workforce; alienated powerful advertisers; blown up key aspects of its product, then repeatedly launched and un-launched other features aimed at compensating for it; and witnessed an exodus of senior executives]
Sobretudo porque há em tudo isto muita coisa que não percebo, a começar naquilo que, pelos vistos, não oferece dúvidas aos milhões que tuitam.
- Marcelo e as gaffes diárias (ou será horárias?) e a sua compulsiva necessidade de comentar tudo, seja de que natureza for, a qualquer hora, em qualquer contexto levando aos seus cada vez mais frequentes excessos, enganos, tons inapropriados, palavras deslocadas e/ou escusadas, tiradas infelizes, ideias trocadas e gatadas -- seria outro tema a que gostaria de deitar mão, em especial num dia em que, uma vez mais, se saiu com uma que logo mereceu reparos, correcções e sorrisos. Sobretudo não percebo se o senhor não está bem de vez ou se é achaque passageiro.
- Ou Matt Hancock, o bacano ex-ministro da Saúde inglês, demitido depois de ser apanhado abraçado e a apalpar o rabo a uma colega numa altura em que o distanciamento era obrigatório, e agora deputado, que está agora a participar num reality show, deixando os ingleses divertidíssimos e os conservadores em estado de rebuçado -- e disso eu apetecia-me mesmo falar. Sobretudo porque não percebo bem qual a dele e porque, para dizer a verdade, gostava de ver como reagiríamos se um qualquer nosso ex ministro e ainda deputado se metesse numa destas, a comer insectos e a conviver com cobras.
- E tantos mais temas...
Mas não dá. O corpo está a pedir-me caminha.
Contudo, ainda assim, para que a vossa visita a esta vossa casa não seja completamente em vão, vou tentar falar de Kherson. Um bocadinho, que não dá para mais. E falo contente, claro. Como não...? Claro que fico contente. As imagens de felicidade dos ucranianos, a jovem a tocar violino na curva da estrada... Claro que tenho que me sentir contente. São momentos épicos.
Desde o dia um, quando -- petrificada e revoltada -- caí na real e constatei que a Rússia tinha mesmo invadido a Ucrânia, tive para mim que Putin não estava apenas a assassinar muitos inocentes e a arrasar um país, estava também a cavar a sua própria sepultura.
Putin manda destruir prédios, pontes, escolas, teatros, hospitais, manda chacinar uma população e eu olho para o que a comunicação social mostra e o que vejo é a derrocada do regime corrupto e ditatorial de Putin, o que vejo é um perdedor, um desgraçado. E vejo também a incrível força anímica do povo ucraniano, um povo necessariamente vitorioso.
Contudo, o que se passou com Kherson é qualquer coisa que não entendo bem. É uma vitória ucraniana, certamente. Mas se isso corresponder ao que parece, uma pesada e humilhante derrota russa, a situação será ainda mais caricata. Custa-me a crer que as forças do Kremlin sejam tão nabas e estejam tão desgovernadas como parece porque, se o que está a acontecer é mesmo o que se vê, então tudo isto será mesmo fruto de um delírio absurdo de um homem maluco e de uns quantos cobardes que vivem à sua sombra. No terreno, no dito teatro de guerra, o que parece é que tudo não passa de bandos de patifes deixados à solta, de bandidos descomandados, violadores, ladrões, esfomeados, ou simplesmente jovens espantados e desnorteados, sem uma estratégia que os guie. E, se assim é, como se explica que o mundo assista estarrecido a este circo bárbaro sem ser capaz de impedir o assassino de prosseguir?
A partir daqui, será que é a isto que se vai assistir: debandada geral dos russos, deixando tudo para trás, maquinaria, munições (para além de rastos de barbaridade)? Um dia, mais cedo do que pensamos, acordaremos com a notícia do fim do regime de Putin? Acordaremos, em breve, felizes com a notícia de paz na Ucrânia?
Ou isto não é exactamente o que parece...? Poderemos ainda ser surpreendidos com alguma outra cartada de violência e destruição?
Que Putin vai ser apeado e que a Ucrânia sairá vitoriosa e será reconstruída e será um dos mais felizes países europeus disso não tenho dúvida. O que não sei é se será em breve ou se, até lá, ainda muito mais sofrimento vai acontecer. Isto de Khersen deixa-me um bocado confundida.
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Ilustrações, de novo, de Pawel Kuczynski na companhia de Nicolas Altstaedt que interpreta Bach/ Cello Suite nr. 1 in G – Sarabande
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Um bom sábado
Saúde. Tudo de bom. Paz.
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