domingo, dezembro 09, 2018

Eu não uso colete amarelo



Meio afastada que, pela força das circunstâncias, tenho andado da actualidade, apenas sei do que se passa pelo que apanho aqui e ali e do que vou cruzando nos escassos momentos em que consigo pensar. Dos coletes amarelos em França sei dos impostos, sei da fúria, sei das rajadas de água sobre os que se juntam nas ruas e tentam atingir as chamadas forças da ordem. Atiram objectos e, de telemóvel em riste, filmam o que fazem, falam para as câmaras enquanto se auto filmam. As redes sociais como motivo e destino central das manifestações.

Os coletes amarelos falam em baixos níveis de vida, falam em casas caras, em reformas baixas, falam em impostos altos, falam em ricos cada vez mais ricos, falam que o governo rouba aos pobres para dar aos ricos. Nada de novo e tudo verdade. 
As sociedades ditas desenvolvidas geraram desigualdades acentuadas, a austeridade pela austeridade exclui franjas significativas das populações, os grandes especuladores tomaram de assalto o sistema finaneiro e, quando se deu o grande estouro, deixaram que fossem os indefesos a pagar a crise. As guerras, apoiadas pela indústria do armamento e alimentadas por interesses transcontinentais, deixam países arrasados e os povos em estado de desespero a ponto de fugirem, de deixarem tudo para trás em busca de paz e de uma vida possível. Ora, isto é pasto fértil para o populismo que rejeita os imigrantes, que incentiva ao ódio, que estimula o radicalismo.
Em Paris há lojas destruídas e saqueadas, automóveis queimados, carrinhas de venda ambulante esventradas e o seu conteúdo vandalizado. O arco do Triunfo foi grafitado. As ruas cortadas ao trânsito, espectáculos cancelados, museus encerrados, os grandes armazéns barricados. Postos de combustíveis fechados porque não foram reabastecidos. Paris virada do avesso. Manifestações agora espalhadas por todo o país.

Não sei pormenores da governação de Macron nem sei se há competência, estratégia bem definida ou coerência nas medidas que tomam. Parece ser gente relativamente inexperiente e sem hábitos de liderança em grande escala e isso, num país como França, pode ser um lacuna grave. Tenho ideia que Macron ainda não apareceu publicamente a tomar uma posição, preferindo fazer avançar figuras que parecem apanhadas em verde. É certo que um deles é o primeiro-ministro mas olha-se para ele e dá ideia que é daqueles que se apanha à mão. Os franceses devem estar a olhar estupefactos para a evolução dos acontecimentos e, com ou sem razão, devem achar que Macron está a pôr-se a jeito, dando razão aos que o acusam de fragilidade e cobardia.


Entretanto, Trump, essa lesma porca e nojenta, já veio apoiar os coletes amarelos e, de caminho, pôs-se a cavalgar a onda do descontentamento para defender as suas políticas estúpidas e retrógradas.

Vejo nos blogs ou em artigos nos jornais portugueses que, por cá, também há quem apoie estas manifestações. Por exemplo, gentes que sei afectas ao BE também acham bem e encontram razões válidas para apoiar estes manifestantes. 


Contudo, apesar da violência que as televisões nos mostram, os números mostram uma realidade diferente. Ao todo, em França, terá havido cerca de 125.000 manifestantes. Nada. Em Paris não passarão dos poucos mil. De facto, falam em pouco mais de mil. Nada. 

Pode haver desconforto contra as políticas de Macron mas, num país com mais de 67 milhões de habitantes, se os números dos manifestantes revelarem a quantidade de pessoas que pretendem mostar-se descontentes, então Macron poderia estar descansado. 0.18% de gente descontente é nada.

Mas não pode estar descansado.

E não pode porque o que se passa é que quem anda pelas ruas com colete amarelo já é maioritariamente gente violenta, marginais, gatunos. Fala-se que grupos de extrema esquerda e extrema direita tomaram conta das ruas. Vandalizar lojas ou monumentos, incendiar carros ou atacar polícias nada tem a ver com manifestar descontentamento por razões válidas. A violência extrema e destrutiva, potenciada pela divulgação nas redes sociais e pela comunicação social, é um perigo --  e é um perigo porque é tendencialmente contagiante. Tal como a visão do aparato gerado pelos incêndios é um forte apelo para os incendiários, também toda esta baderna é um incentivo para que tudo o que é extremista, delinquente ou trauliteiro venha a terreno fazer com que as ruas peguem fogo (e esperemos que, com esta gravidade, apenas em França).


E, por isso, custa-me a perceber como podem algumas pessoas apoiar o que está a passar-se. Uma situação desta merece condenação. E reflexão. Uma séria, muito séria, ponderada e abrangente reflexão. A democracia e a liberdade devem ser protegidas, devem ser a primeira e a última das prioridades. E situações como estas a que assistimos são portas abertas para movimentos que ponham em causa a liberdade e a democracia.

Mas, lá está, posso não estar a perceber nada do que, por lá, está a passar-se. Se calhar é só aquilo de os franceses, de vez em quando, serem dados a uma boa revolução. Vamos ver.

4 comentários:

Joao disse...

Nao percebe nada do que se esta a passar.
Este comentário não era diferente se comentasse o Maio de 68.

Um Jeito Manso disse...

João,

Se o diz de forma tão assertiva pode ser que tenha razão. E penso que posso concluir que, pelo contrário, o João percebe tudo o que se está a passar. Seria bom que o partilhasse connosco.

Agora uma coisa tem que admitir na sua cabeça tão cheia de certezas: não sabe se o comentário seria igual se eu estivesse a comentar o Maio de 68. A menos que seja médium, adivinho, bruxo, leitor de tarot ou coisa do género e saiba mais do que eu. E sabe porquê? Nem o que está a passar-se em França tem a ver com o que se passou em Maio de 68 (excepto por ser em França, por haver violência nas ruas e por ter, como raiz, o descontentamento embora de de natureza distinta) nem as circunstâncias políticas conjunturais há cinquenta anos são idênticas às de hoje.

Mas, lá está, tal como no outro dia referi, ficou na memória histórica colectiva a melancolia das causas utópicas e Maio de 68 será sempre a patine com que os saudosistas tentarão dourar todas as cenas de vandalismo nas ruas, por mais que estas estejam a ser levadas a cabo por pró-nazis, malta das claques de futebol e demais baderneiros.

Uma noite tranquila para si, João.

Anónimo disse...

Também acho que isto nada tem a ver com o Maio de 68. Isto é vandalismo e banditismo (e porque não terrorismo civil?)
E não nos admiremos que Marine Le Pen venha a capitalizar nas eleições europeias e mais tarde chegar ao Eliseu. Macron falhou, mostrou fraqueza e sobretudo revelou-se uma mão cheia de nada. Não sei o que nos espera a Europa do futuro. Mas, com Merckel a sair de cena mais dia menos dia, com uma Direita alemã a ganhar força, o mesmo em França e já na Itália, Hungria, R.Checa, Polónia e até em Espanha, etc, com Trump a meter-se ao barulho, Putin a espreitar, questiono-me como estaremos daqui a uns 5 anos.
Estas manifestões violentas em frança surpreenderam-me. Quer pelo inesperado, quer pela violênvia (organizada). Coisas destas merecem repulsa e condenação.
Felizmente que por aqui neste rectângulo o clima é calmo, com muito sol e turismo.
P.Rufino

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Análise com a qualidade UJM!

De facto anda para aí uma certa esquerda muito animada com o regabofe francês, andam todos contentes com tangas de Democracias Diretas e C.ª Lda. O azar é que quem ganha são Trumps, os Salvinis, os Bolsonaros e não se apercaltem que as Marines vêm a caminho!

Um abraço!