quinta-feira, janeiro 11, 2018

'Os porcos estão inquietos?', desafiam algumas.
'Os homens têm o direito a importunar', afirma Catherine Deneuve (e outras).

Os assediadores. As feministas. As vítimas. As pseudo-vítimas.

E a virilidade, a feminilidade, a sedução. E a graça de viver.





Da mesma forma como -- e já aqui falei disso -- mais facilmente me punha ao lado das prostitutas do que das 'mães de Bragança', também agora, intuitivamente, me sinto mais próxima da Catherine Deneuve e outras do que das Oprahs Winfreys desta vida.

E, no entanto, não apenas não li qualquer dos manifestos como nem reflecti muito sobre o tema. É mesmo uma questão de intuição (ou genética, coisa cá da minha maneira de ser). Aliás, acho que nem é bem uma coisa nem outra, nem intuição nem genética, mas está a faltar-me a palavra certa. Mas é qualquer coisa nesta base.

Sobre este tema, várias vezes tenho pensado: trabalhando desde menina e moça em empresas maioritariamente masculinas, alguma vez fui assediada? Que me lembre não. E na rua? Que me lembre também não.

No outro dia, o meu marido, a propósito de uma que na televisão se insurgia sobre o facto de em Portugal nenhuma mulher se ter chegado à frente a acusar alguém, dizia, na brincadeira: 'A ela, de certeza, nenhum homem assediava, até para não ficar mal visto perante os outros homens'. Afirmação politicamente incorrecta, nos tempos que correm. E, no entanto, eu ri-me.


Penso nos piropos e graças que ouvi ao longo da minha vida e não tenho dúvida de que alegraram e apimentaram os meus dias. Desde os mais inteligentes e sofisticados até aos mais brejeiros, não me lembro de alguma vez me ter sentido verdadeiramente incomodada. Lembro-me, sim, de, em tempos idos, em autocarros apinhados, ter sentido homens parvos encostarem-se ou apalparem-me e eu me virar para eles e dizer: 'Agradeço que se afaste porque me está a incomodar', deixando-os aparvalhados, envergonhados. Lembro-me que um, uma vez, se armou em ordinário e desatou a ripostar, tendo-lhe eu dito que se calasse e tivesse vergonha. Portanto, quando saía do autocarro vinha até satisfeita com a sensação de ter posto na ordem um parvalhão.

Lembro-me também de, ao passar na rua, ouvir indecências e de fazer de conta que não ouvia ou, pelo contrário, olhar com ar interrogador, deixando os cobardolas atrapalhados.

Mas assédio, por exemplo, no trabalho, nunca. Nem nunca nada de parecido se proporcionou. Desde sempre a única mulher a chegar a um cargo de direcção, e tinha apenas trinta e um anos quando isso aconteceu, sempre me senti respeitada e nunca a nenhum passou pela cabeça ousar pisar o risco. 


Lembro-me de uma colega que, insegura e psicologicamente algo frágil (embora aparentando o contrário), confidenciava que um qualquer lhe fazia convites ousados, dizendo ela que cedia pois percebia que, se não aceitasse, ficaria prejudicada. Sempre achei isso uma ficção da parte dela pois assistia à atitude a priori permissiva da parte dela e à forma até cautelosa como ele se aventurava. 

E já aqui contei algumas vezes. Tempos houve, trabalhando eu uma grande empresa, em que havia em permanência casos e mais casos. Uma festa. A minha secretária tinha um caso com o meu melhor amigo, outro meu amigo tinha um caso com uma estagiária, um colaborador meu tinha um caso com a secretária do presidente, outro colega tinha casos com umas atrás de outras (e, como contei há pouco tempo, foi apanhado em pleno acto em cima da mesa de reuniões do gabinete um dia em que ficou até mais tarde), o vice-presidente tinha um caso com a contabilista. Etc., etc. Tantos casos que nem dá para acreditar. Alguns destes casos acabaram, outros deram em casório ou união de facto. Antes de serem casos, havia a fase da sedução. Assédio? Não direi. Melhor: nunca vi vestígios disso. Sedução, isso sim. Assisti de perto a muitos destes casos. A minha secretária, por exemplo, que andava de brincadeirinha com o meu colega (casadíssimo) e ele com ela, queixava-se-me uma vez: 'Muita conversa, muita conversa... mas passar à acção está quieto...'. Até que um dia, na sequência de um jantar de despedida de outro colega, a coisa se deu. No dia seguinte, descreveu-me ela como finalmente lá o tinha conseguido levar para casa. E eu parva com aquilo, ele tão apenas brincalhão e tão amigo da mulher, e ela, contrarando-me: 'Sim, sim... Pois olhe que não... Muito bem, lhe digo eu'. E um ar aprovador sobre a performance dele.


Ou seja, no meio daquele forrobodó (e estou a falar de uma grande empresa, moderna, produtiva, rentável), nunca vi nada que se parecesse com assédio ou sexo forçado ou moléstia de algum tipo. 

E falo no passado mas poderia falar no presente. Mas menos, muito menos. Não sei porquê mas parece que há menos hormonas em circulação. Casos assim, às claras, no puro descaramento, já vejo muito menos. Piropos malandros ou divertidos também muito menos. Os homens parece que estão a desabituar-se da arte do galanteio. A malandrice com graça pode não ser minimamente ofensiva e trazer divertimento aos dias. Mas parece que é coisa que está a sair de circulação.

Já aqui contei uma que a mim me divertiu imenso e que ainda me faz rir. Por isso, desculpme se me repito. Tinha um colega, muito engraçado e onde a malícia, ainda que inocente, era permanente. Uma vez a minha filha foi visitar-me e levou o que na altura era o seu único filho. Então, uma colega minha foi lá vê-los e, para minha surpresa, disse-me: 'Já ali estive com o avô'. E eu, admiradíssima: 'Com o avô? Mas ela veio sozinha..'. Esclarece, então, ela: 'Estou a falar do Dr. M'. Ri-me mas quase me ofendi: 'Ah, olha o disparate...'. Ao fim do dia, aparece-me ele no gabinete, todo lampeiro. Digo-lhe, toda cheia de repreensão: 'Olha lá... mas estás parvo ou quê...? Então andas a dizer que és o avô da criança...?'. E ele, ar de santinho: 'Mas não disse de quem é que sou pai...'. O que eu me ri a imaginá-lo pai do meu genro... ou seja, a ter um caso com a sogra da minha filha... 

Enfim. 

Claro que há casos e casos e o que não faltarão serão sabujos e badalhocos que se aproveitam da fragilidade de algumas mulheres vulneráveis. Sei que sim. Por exemplo, estou a lembrar-me que tive um colega, mais velho que eu, que foi criado na Casa Pia pois a mãe, trabalhando como empregada doméstica e tendo engravidado do patrão, não pode ficar com ele nem o pai o perfilhou. Só muito mais tarde, já ele a trabalhar, pode libertar a mãe da sua condição de quase escrava da casa onde trabalhava como interna. Quantos casos destes. Casos e casos. Casos tantas vezes vividos em silêncio, acobertados pelos mais pios usos e costumes, tantas vezes sob o beneplácito da igreja.


Mas aí, mais do que assédio, o que há é abuso sexual ou franco abuso de posição dominante (digamos assim) -- o que nada tem a ver com situações em que, por vezes, as mulheres falam como se fossem umas virgens ofendidas, umas tadinhas que fazem sexo oral contrariadas, umas beatas que ficam melindradas porque ouviram brejeirices e que agora, ao fim de vinte anos, vêm falar disso como se tivessem andado todo esse tempo com o piropo atravessado ou como se nunca tivessem contribuído para a situação em que se envolveram. Menorizam-se as mulheres que se fazem de indefesas e frágeis quando, tantas vezes, aceitaram, interesseiramente, favorecer esse tipo de situações.


Saibam as mulheres, antes, ver-se como iguais em direitos e poderes em relação aos homens, saibam afirmar as suas vontades sem se inferiorizarem, saibam as mulheres gostar de ser mulheres, nomeadamente prezando a sua natural feminilidade, saibam as mulheres apreciar a virilidade masculina e dar valor aos naturais jogos de sedução, saibamos todos apreciar a vida em tudo o que ela tem de bom. E não tentemos moralizar e beatificar tudo, incluindo os sentidos, o humor, a alegria, a malícia, a sedução. 


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E eu por mim fico de bom gosto a apanhar a almofada que o malandro do David Gandy está a atirar. Mas, para os meus Leitores mais moralistas que não gostam de ver homens mal comportados, então recomendo que desçam até ao post seguinte para lerem sobre a orelha encarnada do Santana Lopes.

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