domingo, dezembro 17, 2017

Um pesadelo auto-infligido
que, se não fosse quase infinito, seria um imenso prazer




É fim de semana e estou na mesma. Parece que invento. Sempre com coisas para fazer, sempre sem tempo livre. Chego aqui com necessidade de descansar e não consigo.

Passando por cima de algumas minudências, conto o que foi grande parte deste sábado.

Por esta altura, adio até ao limite uma tarefa à qual ninguém me obriga e que é, para mim, um pesadelo. O meu marido repreende-me: 'Fazes porque queres. És maluca.' Talvez. De tanto o ouvir, um dia destes ainda me convenço disso. E, no entanto, não sou masoquista -- e maluca, pelo menos do tipo maluco-maluco, acho que também não sou.

Só para que percebam. Estive para aí desde as quatro da tarde até bem depois da meia-noite -- apenas com uma breve interrupção para fazer um jantar rápido e depois para comê-lo -- de roda da mais estúpida e árdua tarefa que se pode imaginar.

Explico.


Gosto de oferecer foografias pelo Natal. Aos meus filhos, à minha mãe (dantes, quando o meu pai ainda via e estava mais ou menos bem, era para os dois; agora, já me habituei à ideia de que, vivendo uma vida de verdade, lá em casa já é só ela) e a mais um conjunto alargado de familiares. Penso que uma fotografia em papel é o registo do tempo que passa e dos bons momentos que vivemos juntos. Acontece que, para as escolher, vejo-me obrigada a ver muitos milhares de fotografias. Se faço inúmeras fotografias às paredes, aos graffitis das paredes, ao campo, às montanhas, às nuvens, ao mar, aos barcos, ao horizonte, às sombras, às flores e aos frutos, e a tudo o que mexe ou está em sossego, imaginem vocês o que não será aos meus lindos pimentinhas, aos meus filhos ou a toda a gente com quem estou em festas, encontros, pic-nics, passeios, etc. Milhares. Milhares.

Diz o meu marido: todos os meses, devias fazer essa selecção para não estares no fim do ano nessa empreitada. Talvez. Mas lembro-me lá eu disso. 

Portanto, o resultado desta monda de horas e horasfoi uma pré-selecção de quase seiscentas fotografias. 


Agora segue-se outra tarefa igualmente espinhosa: ver cada uma destas e anotar a quem a darei para saber quantas de cada uma tenho que fazer.

Seguidamente, novo pesadelo: predispôr-me a longas filas de espera e ir à FNAC, a uma daquelas máquinas, e registar o pedido, ou seja, uma a uma das quase seiscentas fotografias, escrever a quantidade.

Quando estiver pronta a encomenda, novo pesadelo: ir levantá-la e vir com sacadas de fotografias,  as quais depois, uma a uma, terão que ser separaradas por destinatário.

Ora, atendendo que já estamos na semana antes de Natal e que continuo a trabalhar como se não houvesse amanhã, imagine-se a saia justa em que já estou. Bem sei que já podia ter feito isto antes. Mas onde tenho eu o tempo para coisas destas? Tenho este fim de semana porque, com muita pena minha, virámos costas a encontros e almoços e lanches e viemos os dois dias a tempo inteiro para o campo: eu para estar nisto e o meu marido para travar o seu insano combate contra o matagal.


Claro que a quantidade infinita de fotografias quase anula o prazer de passar em revista os último doze meses da minha vida. Mas, apesar disso, é um deleite e uma felicidade.

Ao princípio, ainda eram apenas quatro pimentinhas à vista e o quinto enchendo a barriga da sua mãe. Depois, quando o meu filho esteve nos States, nós com os que cá ficaram -- ou em nossa casa ou, ao fim de semana, a passearmos no parque -- e as saudades que tínhamos dele apesar de nos falarmos todos os dias. E um elemento da família que estava a fazer quimioterapia, sem cabelo, com cabeleira postiça e que agora, felizmente, já bem e com o seu cabelo renascido. Depois já o bebé nos braços de todos. Vejo pelas fotografias como a minha filha e o pimentinha mais velho gostam de andar com ele. E aqueles instantes de ternura, a mamar, ao colo da mãe. E todos a brincarem, todos a crescerem, o mais crescido já com os novos dentes, os dois seguintes todos destendados, o seguinte ainda com os dentes de leite e o bebé agora com os seus dentinhos em que está sempre um a despontar. Ela sempre linda, linda, das meninas mais lindas que já vi (e não é por ser a minha fofa mais linda) e, desde sempre, consciente da sua fotogenia. Muitas fotografias dela, impossível não registar tamanha beleza. O seu mano do meio, o artista da família, canta, dança, representa. Aparece de óculos escuros, a tocar guitarra, a cantar desenfreadamente ou de olhos fechados tangendo um fado. O bebé, de colo em colo, sempre sorridente, uma carinha linda. Muitas vezes está ao colo do meu marido. Gosta imenso dele. Se o meu marido se esquece da sua existência, ele grita, chama, olha-o fixamente e não se cala enquanto o avô não o cumprimenta. Aí fica todo contente. O mais velho, um menino já crescido, já com ar de menino que um dia destes vai deixar a infância, aperece em algumas fotografias a fazer os trabalhos de casa, com ar contrariado enquanto a mãe, compenetrada, o obriga a estudar antes de brincar (lembro-me bem de um desses dias, aqui in heaven, ele a querer ir brincar com o irmão e a minha filha a querer que ele fizesse fichas preparatórias pois ia ter testes); o seu irmão sempre espirituoso, posudo, um rapaz de grande porte, de quem o avô desde sempre disse que vai ser comando ou da juve leo tal o tamanho e corporalidade. Muitas vezes aparecem os três rapazes crescidos a jogarem à bola. Ou então com o tio e com o avô ou com outros primos. Em algumas fotografias estão equipados a preceito e vejo-os a rematar à baliza ou a fazerem grandes defesas. E uma noite em que fiquei sozinha com os cinco e que ia dando em maluca. Havia velório e os meus filhos não quiseram deixar de estar presentes e o meu marido, claro, também. Então fiquei eu de serviço: dar-lhes de jantar, tomar conta deles, adormecê-los... foi uma odisseia sem paralelo que, nem sei como, ainda consegui registar numa dúzia de fotografias. E há as festas de anos, todos sorriem, muita brincadeira e muita alegria, até porque há sempre muita criançada (e quase todos da família mais próxima). E continuam a nascer que é uma festa. 


Tenho esta sensação, talvez resultante de uma nostalgia escusada, de que o que fica para a história serão as fotografias em papel já que as que ficam em cartões ou no computador acabarão por se perder nas mudanças tecnológicas ou no meio da miríade de ficheiros que acabamos por não rever. Assim, em papel, podendo pegar nelas, colocá-las em álbuns, tenho a sensação que sou dona das minhas memórias. Bem sei que tudo é efémero e, quando colocado em perspectiva, também irrelevante. Mas, ainda assim, permito-me alimentar a ilusão de que faço bem em dar-me a este trabalho de loucos. E porque eu gosto de as ter em papel, gosto de partilhar este gosto com aqueles de quem gosto. Só espero que eles também gostem e não digam: 'lá vem ela carregada com aquela treta das fotografias, que pincel...!'

Seja como for, a ver é se consigo ter tempo para tratar de tudo de modo a tê-las a tempo e horas.


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As fotografias que aqui coloquei foram feitas este sábado in heaven (antes de me embrenhar na empreitada).

Lá em cima: Yo-Yo Ma, Alison Krauss interpretam The Wexford Carol

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E que me desculpem aqueles a quem devo mails há não sei quanto tempo. Juro que não estão esquecidos, é mesmo esta minha vida que não me tem deixado tempo. E hoje, como se o que tinha em mãos não me bastasse, ainda me deu para mudar o look do blog. Um Leitor disse-me que estava escuro e eu resolvi fazer-lhe a vontade mas, à última hora, a opção que ganhou terreno é a que vêem... Bem sei que devia ter antes fundo claro mas parece que as cores neutras não ligam bem comigo, só consigo escolher cores intensas, é mais forte do que eu. Sorry.

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E um bom dia de domingo a todos quantos me acampanham

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