quarta-feira, novembro 29, 2017

Da prostituição





Por mais do que uma vez disse que, se tivesse que tomar partido entre as Mães de Bragança e as prostitutas brasileiras, provavelmente me colocaria do lado das prostitutas. A forma como aquelas 'mães' falavam incomodava-me profundamente. Lembro-me de as ver, inflamadas, feitas vítimas, clamando vingança. Parecia que se achavam donas dos maridos e falavam como se eles fossem uns atrasados mentais à mercê de umas perdidas. Pelo contrário, as brasileiras pareciam-me inteligentes e dignas. 


Nunca consegui sentir repulsa pelas prostitutas ou, sequer, pela sua profissão. Ao invés, o que lamento é não ter oportunidade de conversar com mulheres que exerçam a prostituição. Quando passo nalguma rua de alguma cidade em que haja mulheres à porta a oferecer os seus serviços (estou a lembrar-me de algumas zonas de Paris ou mesmo duma certa rua do Porto) tenho que controlar a minha curiosidade pois gostava de poder aproximar-me, conhecer a sua história de vida. Deve ser um prazer ouvi-las, devem ter uma experiência de vida riquíssima.


Claro que há muita miséria e, por vezes, muita decadência sobre aqueles corpos e imagino as humilhações que, tantas vezes, devem sofrer. 

Se passo numa estrada nacional, e ainda no outro dia passei, ou em Monsanto, em que há mulheres na berma e camionistas por perto, o que penso é nos riscos que elas correm, no desconforto, nas situações difíceis pelas quais, certamente, passam. Impressiona-me, acima de tudo, a sua coragem.


E, quando penso nas dificuldades terríveis de tão controversa profissão, e pondo agora de lado as humilhações ou os riscos que acima referi, mais do que no comércio do sexo o que a mim me gera uma impressão profunda é a proximidade física que têm que suportar em relação a alguém que, por algum motivo, possa causar-lhes asco ou medo.
Muitas vezes, quando aqui escrevo e mostro que não sinto reservas morais em relação a algum tema, recebo depois críticas por ter sido interpretada como defensora da causa. Por isso, permitam que esclareça o que a mim me parece óbvio mas que pode não o ser para quem me lê: não advogo como recomendável o exercício da prostituição. Mas o facto de não aplaudir ou não incentivar não é sinónimo de me achar moralmente superior a quem o exerça. 

Cada um sabe de si, cada um tem as suas motivações ou necessidades, cada um sabe das suas circunstâncias, cada um lida melhor ou pior com o que tem que fazer para ganhar a vida. As vezes em que eu aturo o que abomino ou me forço a suportar até à náusea situações que afrontam as minhas convicções não têm conta. Penso, nessas alturas, que o que me apeteceria fazer seria virar a mesa, bater com a porta, mandar essa gente dar uma grande curva e, no acto, demitir-me. Mas depois penso que consigo aguentar mais um pouco e que é a minha profissão. Desempregar-me não me parece melhor opção. É aquilo pelo que passo, nessas alturas, mais agradável do que abrir as pernas a um estranho...? Não sei. Nunca experimentei esta opção. Mas de uma coisa estou certa: piores afrontas e mais duras violentações de consciência passam outras pessoas. Entre o asco sentido por uma advogada ao defender um corrupto em tribunal ou o asco sentido por uma mulher que, igualmente por dinheiro, receba um estranho num quarto de pensão, qual é o socialmente mais defensável? Não sei. 

Mais: admito até como provável que algumas mulheres por vontade de aventura, por desfastio ou por qualquer outro motivo que não o económico, resolvam exercer a prostituição, talvez uma prostituição selectiva e que não lhes custe nada. E, também nesses casos, não me sinto tentada a exprimir condenação moral. 


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Tenho andado para escrever isto desde que li um texto magnífico. Foi a Ana que o escreveu e foi das coisas mais verdadeiras e inteligentes que, nos últimos tempos, li na blogosfera. Chama-se Vender sexo e para ele peço a vossa atenção:

nunca considerei que fosse mais grave vender sexo do que vender ideias, do que abrir mão daquilo que se acredita ser certo, por dinheiro, por segurança. nunca considerei a prostituição uma profissão inferior a outra qualquer. qual professor que se sujeita a tutelas das quais discorda, CEOs que negligenciam os valores que apregoam no seio da família, padres que pregam o que não cumprem, médicos que não defendem, com unhas e dentes a vida. vender sexo parece-me muito menos indigno do que qualquer outro contrato que nos faça abrir mão daquilo que somos, daquilo que acreditamos, da nossa verdade.nunca considerei que pudesse interessar a alguém o que considero, mas sabe-me bem escrever isto, porque o penso, e porque faz-me lembrar daquela prostituta que vendia sexo na avenida da boavista para pagar os estudos dos filhos, e também me faz lembrar da colega de trabalho dela, que ajudava os idosos que moravam na rua onde ela alugava o sexo. também me faz lembrar do advogado que forjava provas para vencer os processos, e do homem que caluniava a mulher para que os filhos desrespeitassem a mãe, e do cirurgião que assustava os doentes para vender cirurgias.
e esta manhã, ao acordar, depois de ter escrito isso aí acima antes de me deitar, lembrei-me que também eu troquei sexo para evitar dias de mau humor do homem com quem estava casada, durante anos, por um humor que nunca entendi, que desprezava. nem dinheiro recebi por isso. se tivesse recebido, certamente hoje teria uma vida muito menos trabalhosa, feitas bem as contas até podia estar rica
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E, já agora, que entre e nos faça companhia Séverine, a Belle de Jour


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As fotografias são da autoria de Ellen von Unwerth e, digo eu, nada têm a ver com o tema aqui abordado

Lá em cima Khatia Buniatishvili interpreta Handel

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