Não sou dada a moralismos e, muito menos, gosto de pisar quem está na mó de baixo. Custa-me saber de sofrimentos vividos em carne viva, à vista de todos. Por isso, custa-me saber da intransigência e maldade de quem se apressa a puxar o tapete que resta a quem já escorregou.
Da mesma forma, por oposição, faz-me alguma impressão o deslumbramento cego que, algumas pessoas demonstram nos momentos de sucesso, como se não se apercebessem de que tudo é efémero, de que tudo é relativo e que a exposição excessiva esvazia a alma. Pensam que compram a estima eterna quando, afinal, estão a empenhar a sua liberdade individual junto de um público que, na realidade, em momentos de fraqueza dos seus ídolos, não conhece a tolerância, a piedade, ou, sequer, a empatia.
Bárbara Guimarães foi, em tempos, uma jovem bonita e talentosa, que transmitia uma imagem de alguma ingenuidade embora, desde logo, fosse notória a sua sensualidade. Foi progredindo na carreira de figura mediática e a sua imagem de mulher carnal com um corpo sinuoso foi encurtando a sua carreira profissional.
No auge da fama, institucionalizou a sua beleza glamorosa, casando com um ministro. Mas... afinal... o casamento não foi bem um casamento porque... afinal... já era casada, e afinal o casamento que não era casamento também não foi bem uma cerimónia privada porque... afinal... tudo foi fotografado para uma revista (coisa que hoje é banal mas que, à data. foi relativa novidade).
E assim foi avançando a sua vida. Com uma imagem cada vez mais sensual, por vezes já brejeira, foi também muleta para a campanha eleitoral do marido, um filósofo com um temperamento também sinuoso.
As emoções expostas ao público, a necessidade de aparecer sempre bonita e sorridente, o marido ciumento e numa fase mais complexa da sua vida profissional e política, as tensões crescentes mas sempre tudo disfarçado, o casal perfeito e sorridente. As revistas sempre por perto. As poses, os sorrisos, os olhos nos olhos, só amor.
Até que um dia a casa veio abaixo e, de novo, tudo às escâncaras: afinal já não havia amor, apenas violência, álcool. E vieram as difamações espalhadas pelas revistas, as vinganças, os insultos graves. As crianças metidas no meio da crise. Tudo exposto ao público, num perigoso crescendo.
Soubemos agora de mais um triste incidente: Bárbara alcoolizada a sair de um hotel de madrugada, o seu carro a bater em dez carros estacionados e ela, confrontada com os factos, a assumir publicamente os seus problemas e a necessidade de tratamento.
Depois Manuel Maria Carrilho a pedir a guarda da filha, invocando riscos e a referir um recente acidente que a menina terá sofrido supostamente numa briga mal explicada com a mãe e do qual terá resultado uma sutura com mais de 30 pontos.
Agora saíu a sentença de um dos processos dele: condenado por violência doméstica, 4 anos de pena suspensa. Diz que vai recorrer. Um ministro, professor, antes com algum prestígio e agora isto. Saíu do julgamento a espezinhar ainda mais a ex-mulher, como se os problemas que atravessa no presente fossem desculpa para as suas agressões no passado. E, claro, tudo isto perante as câmaras de televisão, os flashes das revistas, os sempre presentes e cúmplices microfones.
E, quase em tempo real, nas revistas, jornais online e televisões, vamos sabendo do que se passa na vida privada destas pessoas -- e é com tristeza que penso na situação dramática que estes dois estão a viver, eles que antes viviam uma vida de glamour e que agora parecem quase uns corpos exangues, consumidos pelo mediatismo.
Foi também esta semana que o actor Anthony Rapp contou que, quando tinha 14 anos, foi assediado sexualmente por Kevin Spacey, então com 26.
Confrontado com a notícia Kevin pediu desculpa e , de caminho, ganhou coragem e assumiu que é homossexual.
E meio mundo caíu-lhe em cima pois o que estava em causa, dizem, era um episódio de pedofilia. Ser homossexual não é desculpa para se atirar a um jovem adolescente.
E as consequências não se fizeram esperar. Kevin Spacey não mais continuará a dar corpo ao inesquecível Francis de House of Cards.
E eu, que sou admiradora do seu trabalho, fico também com pena. Ao saber do sucedido, não me ocorreu sentir-me com direito a censurá-lo ou a dar-lhe lições de moral. A percepção da gravidade de certos actos é diferente agora do que era há cerca de 30 anos e o que hoje é um crime grave, era, até não há muito tempo, tolerado. Tolerado à boca pequena. Melhor: silenciado. Ainda me lembro de ouvir a um empresário que um certo ministro gostava de meninos. Dizia-se assim, em privado. E sorria-se. Gostos inconfessáveis de que os outros sorriam com alguma comiseração ou complacência. Ninguém denunciava às austeridades.
Seja como for, não me custa admitir que um jovem que, há 30 anos, vivesse a sua sexualidade com alguma ambivalência e escondesse as suas tendências, vivendo num ambiente de representação, filmagens, festas, num momento de embriaguez, e, portanto, com a libido não reprimida, tivesse tido uma atitude destemperada. Eu que tanto (tanto, tanto!) me choco com a pedofilia, não consigo crucificar alguém que, há 30 anos, naquelas circunstâncias e num momento de irreflexão, tenha perdido a tramontana. Não aplaudo, não fico confortável -- mas não crucifico.
Mais. Em situações assim, em que a opinião pública perde o sentido de compreensão e compaixão para com quem se encontra exposto e, talvez, desamparado, sinto que há na natureza humana uma crueldade que me assusta. Mais do que ter vontade de destruir quem esteve mal, eu, pelo contrário, sinto vontade de tentar perceber o que se teria passado.
Tal como me repugna ver as capas das revistas a expor a situação triste pela qual Bárbara Guimarães está a passar também me custa saber que Kevin Spacey passou de um momento para o outro de bestial a besta, sem que ninguém se levante para estar ao seu lado neste momento de assumpção do erro, de pedido de desculpas -- e de assumpção pública da sua homossexualidade, coisa que deveria ser normal e isenta de riscos mas que, sabemo-lo bem, pode comportar toda uma avalancha de reacções, muitas das quais desagradáveis, que podem fragilizar quem passou uma vida inteira a querer preservar a sua intimidade.
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Bárbara: a exposição sem defesas
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Kevin Spacey: um excelente actor.
Aqui com as suas conhecidas imitações
E a graça com que canta: no The Tonight Show Starring Jimmy Fallon
Ragtime Gals - Talk Dirty
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Um dia feliz a todos quantos por aqui passam.
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