Nestes meus dias tão incertos em que a inquietação vive dentro de mim, estou a começar o ano como o acabei. Ainda hoje, ao responder a um amigo, lhe disse que o almoço teria que ficar para depois já que, por ora, vivo neste limbo em que a palavra de ordem é 'cada dia é um dia'. No hospital tento que me apontem perspectivas, me esclareçam com aquele nível de exactidão que, para mim, é fundamental. Mas ninguém me diz o que eu quero ouvir. Basicamente tudo anda à volta disto: 'cada dia é um dia'.
Para qualquer pessoa isto deve ser horrível. Não sou a primeira e certamente não serei a última a passar por estas situações. Mas, para quem, como eu, é das ciências exactas, penso que isto é ainda pior. É como se me pregassem rasteiras, me tirassem o tapete, me deixassem sem chão, sem rede, me deixassem sem eixos referenciais. Navegação à vista, sem regras, sem gps, numa meio de uma nebulosa.
A novidade foi que ontem a médica, depois de conversarmos, me disse que já iam ter comigo ao quarto. Não percebi. Já iam ter comigo? Quem? Ela e outra médica? Porquê? Mas tão admirada fiquei que nem me ocorreu verbalizar as dúvidas.
Mas estava lá, lá fiquei. Até que entrou uma pessoa com bata, que tomei por médica, que se apresentou e disse que gostava de falar comigo. Levou-me para uma sala. Lá fui, atarantada, sem saber qual era a dela.
Simples: queria apoiar-me. Eu meia parva. Apoiar-me? A propósito de quê?
Disse-me que a equipa lhe tinha transmitido que achavam que eu estava a precisar de apoio. Eu parva a tentar pensar no que é que eu teria feito ou dito que tivesse levado a equipa a pensar nisso. Depois pensei: capaz de isto ser 'cilada' da minha filha. Mas não entrei por aí, ou seja, não quis saber exactamente quem e porquê, achei irrelevante.
O relevante, pareceu-me, é que se eu tinha sido caçada, então a caçadora que levasse a dela avante. Porque não?
Portanto, no meio de todo este turbilhão, uma novidade: uma conversa com uma psicóloga.
Devo dizer que gostei. Achei interessante. Descodificou algumas coisas, deu-me pistas para melhor lidar com a situação. No fim, disse-me que doravante a procurasse.
Hoje, quando cheguei, não a vi. Estava numa de não a procurar, a pensar que a conversa tinha sido boa, útil, e que, como aquelas dicas, já eu ia ver tudo sob lentes novas, mais claras. Portanto, não era precisa outra sessão.
Quando ia a sair, vi-a e pensei: caraças, como é que agora vou conseguir escapar-me?
Ela, mais rápida que eu, perguntou se eu podia esperar pois queria falar comigo. Disse-lhe que estava de saída. Pediu cinco minutos. Achei que seria indelicado não atender ao seu pedido.
E, portanto, segunda sessão. Eu sentada num sofá, ela numa cadeira ao pé de mim.
Parece-me perceber que a história também lhe desperta atenção, noto que as perguntas não são apenas um caminho para conduzir a sessão, são também curiosidade.
Tal como na primeira sessão, também na de hoje, às tantas desatei a chorar. Tento travar pois parece-me absurdo não conseguir conter-me. Felizmente ela não me diz coisas constrangedoras como 'chore à vontade' ou 'não faz mal chorar, chore que faz bem'. Nada. Se o fizesse eu achá-la-ia vulgar e sentir-me-ia ridícula. Pelo contrário, não se mostrou nem espantada nem comovida ou caridosa e continuou a olhar para mim com atenção, à espera que eu continuasse a falar, como se o meu choro fosse uma contingência com a qual não estava para se distrair. Ainda bem.
Acho-a muito inteligente, perspicaz. Por vezes, estou a falar e ela adivinha o que vou dizer. Ou faz perguntas que revelam que já antevê qual vai ser a resposta e vejo que fica contente ao constatar que adivinhou mesmo.
No fim disse-me quando lá estaria de novo e que eu a procurasse.
Uma experiência interessante. Fico a pensar no que ela diz e, na minha cabeça, as coisas apresentam-se já de outra maneira, parece que já fazem mais sentido. Havia uma perspectiva que eu nunca usava e que, se calhar, é justamente aquela pela qual as coisas devem ser vistas.
Eu que em tempos pensei ser psicóloga, que gosto de ouvir outras pessoas e a quem outras pessoas costumam contar coisas, vejo-me agora no papel contrário. Ela diz que é bom eu falar com tanta franqueza e tão abertamente. É certo. Não sei falar de outra maneira. Admito que algumas pessoas rodeiem, baralhem, usem meias palavras. Isso deve dificultar a vida aos psicólogos. Eu falo sem qualquer dificuldade do que me preocupa ou do que me custa mais e, mesmo perante algumas inesperadas, respondo o mais sinceramente possível.
A minha dúvida em continuar tem mais a ver com a necessidade: fico com a sensação que ela já me tirou algumas palas que eu tinha em frente dos olhos, já me mostrou outras linhas de raciocínio que eu nem ousava pensar que existiam. E, portanto, tenho a sensação que ela já fez o que tinha a fazer e que, a partir de agora, é comigo.
Ela diz que acha a situação tão complexa que qualquer pessoa teria forçosamente dificuldade em lidar com ela pelo que está em crer que eu beneficiaria em ter mais algumas conversas com ela, mesmo depois de a minha mãe sair do hospital. Tenho dúvidas. O único aspecto que me deixa receptiva à ideia é que gostei mesmo de falar com ela, acho-a mesmo inteligente e objectiva, rápida, arguta. Falar com pessoas assim é um exercício que me motiva.
Enfim. No meio destas circunstâncias difíceis, estas duas conversas foram duas inesperadas e agradáveis surpresas. Bem que a minha filha andava a dizer que achava que eu só teria a ganhar com isto. O meu marido também. Aliás, contei à psicóloga uma situação envolvendo o meu marido, em que eu não achei nada bem o que ele tinha dito e lhe pedi para não voltar a fazê-lo, e ela, surpresa das surpresas, disse que achava que ele tinha feito muito bem. Contei-lhe a ele e, claro, parece que tinha marcado golo, que claro que tinha feito bem, que era óbvio, que eu é que nunca lhe dou ouvidos, etc, etc. Agora percebi porque, lá está, ela colocou em cima dos factos um referencial que eu nunca usava e à luz do qual as coisas fazem outro sentido.
Ou seja, é sempre saudável, mentalmente saudável, ouvir quem nos mostre outras perspectivas e que mostre como as coisas podem fazer mais sentido quando encaradas sob lentes que antes nunca nos tínhamos lembrado de usar.
Tirando isso, a ver se durmo uma noite descansada. Peguei a gripe (da qual não estou completamente curada) ao meu marido e agora é ele que se farta de tossir durante a noite (e durante o dia também). Enfim. Uma gripe estuporada esta, difícil de curar. Os meus filhos estão na mesma, tiveram-na e ainda andam a ver se conseguem livrar-se do que sobra dela.
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Desejo-vos um dia bom
Saúde. Cabeça fresca. Paz.
1 comentário:
Cara UJM
Por vezes interiorizamos ideias sem o mínimo de razoabilidade.
Quando decidi construir a minha habitação, contratei um Arquiteto.
Quando precisei de uma operação, fui ao Cirurgião da especialidade.
Quando precisei de defesa em tribunal, contratei um Advogado.
Quando tinha contabilidade organizada, contratei um Contabilista.
Quando as empresas precisam de quadros de valor acrescentado para o seu desenvolvimento, por exemplo: algumas, contrataram a UJM.
ETC.ETC.ETC.ETC.ETC.
Porque razão, se evita e resiste preconceituosamente a uma consulta de Psiquiatria?
Então, só a dor nos tornozelos é que é doença? A mente, não tem razão para adoecer, e ser tratada de igual modo a outro órgão do corpo? Evidentemente que sim.
Fez muito bem UJM. Também já por lá passei e acho que malucos, são aqueles que quando precisam de ajuda, a negam.
Cumprimentos, e boa estrada para caminhar no 2024.
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