segunda-feira, março 15, 2021

Crónica de um domingo quase primaveril, quase a desconfinar-se

 


Tenho que dizer que o domingo foi bom. Amanheci com passarinhos a cantar junta à janela e com o anúncio de uma visita inesperada. Muito bom. Uma alegria. Estive a ver as fotografias, grande parte delas nem sequer feitas por mim. E um vídeo. Uma ternura.

Depois foi a tranquilidade do costume, caminhámos, cozinhei, o meu marido jardinou, li sentada no cadeirão do primeiro andar que apanha o sol da tarde e de onde vejo as magnólias cuja cor se adoça com a luz dourada que vem do poente.

Ao fim da tarde tivemos uma call alargada. Falámos, trocámos argumentos, falámos do jardim, de arranjos que queremos fazer-lhe. O jardim é um lugar de encontros, deve ser conversado em conjunto.

Quando lá voltei já estava escuro e, sobretudo, muito frio. Ao fim do dia a temperatura baixa muito, fica mesmo muito frio, mas a meio do dia está-se muito bem, o sol de Março está amável, prenuncia a Primavera. Na horta, as árvores de fruto estão em flor, lindas. E as nêsperas começam a ganhar tamanho e a quererem ganhar cor. A natureza tem infindáveis milagres para nos surpreender -- e, no entanto, há muita gente que ainda não aprendeu a venerá-la.

Sei que não é preciso escrever os nomes dos meses e das estações em maiúsculas mas o devir do tempo é agora tão relevante na minha vida que acho que devo dar algum relevo às etapas que vou percorrendo. 

É bem verdade aquilo que sempre ouvi dizer: à medida que avançamos na idade, o tempo acelera. Muitas vezes, quando penso no meu futuro, ocorre-me equacioná-lo no contexto dos anos de vida que posso ter pela frente com esperança nalguma qualidade de vida. E sei que esses anos vão passar a correr. Por isso, quero aproveitá-los bem, em paz, fazendo aquilo de que gosto, junto daqueles de quem gosto. 

Há quem, a nível profissional, recorrentemente, discuta comigo projectos que supostamente devo conduzir. Tento esquivar-me, digo que são aventuras de fôlego, para gente que tenha longos anos de trabalho pela frente. Respondem-me que contam que eu os tenha. E eu digo que não. Explico que quero, sentindo-me ainda em bom estado, mudar de vida, experimentar novas actividades. Não quero trabalhar até me sentir gasta, cansada, velha. Contestam, acham que é uma desculpa esfarrapada para me furtar a compromissos em que querem que me envolva. É uma discussão que nunca acaba bem e que, para não nos aborrecermos, fica por ali. Até à vez seguinte. Mas tenho esse pensamento muito presente.


Agora à noite, ao ligar o computador, tinha um mail. Trazia fotografias. Orgulhosamente, as fotografias, tal como as palavras, referiam o trabalho feito e o seu autor agradecia o meu apoio, assegurava-me que podia contar com ele e com a sua equipa. Emocionei-me. Sei bem as exigentes e duras condições em que têm trabalhado. Penso que não contavam ver-me lá, no outro dia, entre eles, genuinamente querendo ver o que estão a fazer. No entanto, era o mínimo que poderia fazer. Há pequenas coisas que me enchem de emoção, pequenas coisas que fazem com que todas as horas de trabalho e de stress e de mil canseiras valham a pena. Só espero não os desiludir. E, na minha cabeça, faço contas. Penso no que poderei fazer por eles, em especial por alguns, enquanto ali trabalhar. Há gente tão competente, tão dedicada. Tenho alguma pena que alguns jovens talentosos se tenham ficado pelo 12º ano pois ser-lhes-á mais difícil progredir até onde penso que poderiam ir. E meço o tempo de que preciso para fazer outras alterações, para tentar que obtenham mais formação.

Preocupa-me uma coisa: uma pessoa tende a preocupar-se mais com as pessoas de quem tem oportunidade de conhecer ou acompanhar o percurso de mais perto. Mas há os que trabalham a centenas ou milhares de quilómetros e que, por não terem quem os acompanhe com mais proximidade, não terão as mesmas oportunidades. Há nisso alguma injustiça que não sei como evitar. 

A vida das pessoas é assim mesmo: pode haver muito mérito dos próprios mas a verdade é que a sorte também é fundamental. Há tantas pessoas extraordinárias que fazem tudo o que podem, que dão o litro, que oferecem sugestões, que estão sempre disponíveis para ajudar e, no entanto, não têm o prazer e a alegria de se sentirem reconhecidas, motivadas e realizadas. E isto apenas porque não tiveram a sorte de ter por perto quem lhes desse o devido valor. 

Mas, enfim, é o que é. 

Estamos a meio do mês de Março, está a fazer um ano que entrámos no primeiro confinamento. Estamos a viver um dos períodos mais extraordinários que alguma vez alguém poderia supor, um período sem paralelo nos tempos mais recentes, um período que, como todos os momentos disruptivos, trará alterações no modo de vida de muitas pessoas. Tomara que saibamos ter a inteligência que fazer mudanças a favor das pessoas e do planeta. E estamos a começar uma nova semana e espero que seja uma bela semana para mim e para todos os que, por aqui me acompanham.


Saúde. Boa disposição. Esperança.

2 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

E uma bonita crónica que ainda acentua mais o cheiro primaveril com boa dose de sabedoria de vida.

Uma riquíssima semana!

Maria Dolores Garrido disse...

Tantas ideias giras e importantes, apetecendo dizer: isso mesmo, também acho.
Eis algumas: o acelerar do tempo com a idade,o querer fazer coisas no momento que se julga o mais certo, o ter sorte ou falta dela para haver reconhecimento...
Boa noite!