Há tempos, na sequência de uma sucessão de 'passamentos', alguns algo traumáticos, com longo tempo para despedidas e etc, espantei-me com toda a gente saber sempre a vontade dos mortos, se enterrado, se cremado, e, se cremado, onde as cinzas e outras particularidades que aqui não vou nem referir. E pensei que, de mim, ninguém saberia porque nunca tinha pensado nisso. E, então, pensei.
Antes pensava que, se estivesse viva a assistir ao acto de morrer e de me ser dado destino, se calhar preferia que me despachassem para dentro do forno e que, depois, tivessem a delicadeza de espalhar as minhas cinzas in heaven. Imaginava-me absorvida pelas raízes dos pinheiros e isso agradava-me.
Mas depois pensei que, afinal, se calhar não. Em cinzas não sei se sobra coisa que se aproveite. E, então, resolvi que enterradinha, transformada em paparoca de bicheza e depois em matéria orgânica ou sei lá quê que ainda alimentasse outra bicheza que me levasse para outras paragens, átomos meus vivos por aí, capaz de ser melhor. Eu nas asas de uma borboleta, eu na plumagem de um pássaro, eu nos olhos misteriosos de um gato branco, eu nas flores do alecrim. Agrada-me a ideia. Resolvi, então, e comuniquei ao meu marido. Não ligou. Abomina estas conversas. Nessa altura, calhou ligar-me a minha filha e logo lhe comuniquei: 'escuta, quero que conheças as minhas disposições fúnebres'. E disse-lhe que, então, é assim: Para já nada dessas cenas de irem despedir-se, beijinhos misturados com choros e toda a gente a dizer que gosta muito de mim. Nada disso que ia logo perceber que estava tudo a despedir-se e capaz de me dar também para o sentimento. Quero é que me façam rir. Lembrem-se de cenas divertidas, daquelas que, quando se fala nisso, me desato logo a rir, ou contem anedotas. Quero morrer a rir. E, se não der muito trabalho e não for muito caro, gostava que as despedidas de quem quiser despedir-se (coisa de que não farei questão já que não estarei lá para retribuir a simpatia) fossem breves, sem funfuns nem gaitinhas e que, de lá seguisse só a família para o cemitério da aldeia a que pertence a nossa casa in heaven. É um cemitério pequenino que dá gosto. Não será preciso aquelas longas caminhadas como as do Alto de São João, por exemplo. Será coisa breve, chegar, baixar a urna, tapar e já está. Coisa sem dramas.
A minha filha ironizou: 'Olha... eu a pensar que ias dizer como é que querias dividir os ouros e essas coisas e afinal isto...'.
Acho que lhe disse que essas coisas resolvam eles. Mas fiquei a pensar se não será melhor deixar já essas coisas estipuladas para evitar quaisquer atritos. Também tenho que pensar nisso.
E agora que estou a escrever e depois de ter visto o vídeo abaixo, pensei que era boa ideia o caixão ser de pinho, coisa muito simples, sem macaquices. Eu a transformar-me em nada dentro de um pinheiro é ideia que me agrada bastante.
Falta-me ainda pensar na pedra. Sei que deve ser o mais simples possível mas gostava que contivesse um epitáfio disparatado, que fizesse rir quem fosse para ali com ideias tristes. Tenho que pensar nisso.
Depois, nestas coisas, ao fim de uns quantos anos, chamam a família para que decidam o que fazer aos ossos. Uma coisa desagradável. Parece que o morto sai das trevas para atentar a vida aos vivos. Mas é assim, nada a fazer. Não sei se, quando for eu a finada, dará para pegarem nos ossos e os enterrarem in heaven. Mas isso deve ser um bocado tétrico, a menos que venham numa caixa fechada e não se veja nada. Por isso, para evitar a impressão que deve fazer a perspectiva de poder dar de caras com uma caveira, o melhor seria queimar as ossadas e levarem as cinzas para as espalhar in heaven.
Agora estou a pensar se não seria possível pedir ao padre que em vez de se pôr com encomendas de almas, conversas muito datadas, sem qualquer ponta de gracinha, não seria possível ter música da boa e alguém a dizer um ou outro poema. Até podia ser o padre, um que notoriamente nunca tivesse lido um poema na vida, com sotaque cerrado de Bijeu (ie, Viseu), para a coisa ficar hilariante e toda a gente ficar a tentar esconder o riso. A minha alma haveria de se rebolar a rir.
Pronto. Parece-me bem, assim.
Não estarei cá para poder aligeirar o ambiente e simplificar processos pelo que me agrada pensar que posso deixar o trabalhinho das decisões já adiantado.
Sei que esta conversa pode parecer sinistra mas, depois de uma pessoa ir passando por elas, vai encarando com maior naturalidade. E é natural e, portanto, não vale a pena lamentos e outras inutilidades. Nada de cenas, nada de dramas. Tudo na boa, para a minha alma ir pregar para outra freguesia na maior boa disposição.
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Peço agora a vossa atenção para o vídeo abaixo que é bem interessante
Capturing the Haunting Beauty of Korea’s Pine Trees
For Koreans, the pine tree is a deeply personal cultural symbol, believed to connect the souls of those who have passed with the sky. So when photographer Bae Bien-U was looking for an iconic image to represent Korea’s identity, the pine tree was a natural fit. Through his unique black-and-white photographs, Bien-U’s work reflects the haunting and ethereal qualities of his country’s pine tree forests. His work inspires reflection and emotion, while celebrating the splendor of Korea’s natural world.
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