quarta-feira, outubro 08, 2025

Quem é Tilly Norwood?

 

Neste mundo acelerado em que as notícias correm vertiginosamente nos nossos ecrãs, falar várias vezes do mesmo assunto já cansa, é mais do mesmo. 

Portanto, como fazer para conseguir romper o muro de indiferença que se ergue em tornos de assuntos já muito falados? Eu não sei. O que sei é que me preocupo com a velocidade a que isto está a avançar. Quando a tecnologia está acessível a toda a gente, quando é gratuita ou quase, quando não há maneira de travar ou regular a sua utilização, é inevitável que, um dia após o outro, os avanços pisem o que se poderia pensar que eram linhas vermelhas (mas que, na realidade, nem sequer existem) e, um pouco por todo o lado, novas experiências vão sendo feitas, fazendo com que o fruto desses avanços encontre um campo aberto à sua espera.

Os alertas de quem sabe do que fala sucedem-se, mas os políticos estão pouco sensibilizados para o que pode estar aí, ao virar da esquina, e, além disso, estão permanentemente enredados nos problemas do dia a dia. E depois agora acontece sempre isto: a opinião de quem sabe, de um prémio nobel, por exemplo, dos fundadores da tecnologia, de quem lida de perto com essa realidade, valem tanto, aos olhos do vasto mundo de ignorantes, como a opinião deles próprios ou de influencers de meia tigela ou engraçadinhos de serviço. Por isso, se os primeiros alertam para os perigos, incluindo os perigos existenciais, da Inteligência Artificial, os segundos logo dizem que já não há pachorra para tanto fatalismo.

Pois bem. O que está a ser feito é imenso, muitas vezes praticamente invisível, e ninguém sabe ao certo até onde é que já se foi.

Mas, de vez em quando, o que está a ser feito sai à cena.

Foi o que aconteceu agora com uma actriz bonita, versátil, disponível para qualquer cena a qualquer hora do dia e da noite, em qualquer dia da semana, sem férias, sem pedir aumento, sem se queixar, sem se cansar. Tilly Norwood é a actriz perfeita. E, claro, toda a gente a quer agenciar.

Com o pequenino pormenor que Tilly Norwood na verdade não existe: é pura criação da Inteligência Artificial. 
É certo que já tinha uma conta de instagram, que, por acaso, já vai em cerca de 60.000 seguidores, e é certo que se descreveu como uma criação. Mas quem é que não é uma criação? E, depois, diz que quer ser actriz. Ou seja, credível. 
Mas quando se apresentou num festival, quando foi exibido um pequeno filme com a sua participação, aí, de repente, a malta do cinema começou a entrar em parafuso, aqui d'el rei,oh tio, oh tio. A coisa começa sempre pelos sindicatos: concorrência mais do que desleal e etc. e tal.

Só que o problema é mais, muito mais, mas mesmo muito mais vasto, do que isso. Não são só as actrizes de carne e osso que ficarão em risco: é a malta dos cenários, os operadores de câmara, os das luzes, os do vestuário, os realizadores, os produtores, a indústria de cinema. Todo este mundo desloca-se para quem sabe dar os comandos para que o código seja gerado. A Inteligência Artificial criará argumentos, criará personagens, criará cenários, fará tudo. Fará tudo por tuta e meia.

Claro que as pessoas de verdade poderão continuar a exercer a sua profissão... só que tudo sairá infinitamente mais caro. Mas haverá quem o queira pagar?

Claro que tudo isto é demasiado complexo, demasiado estranho. 

O que fazer, então? 

Neste momento, não sei. Há uns anos, quando os primeiros alertas começaram a ser ouvidos, talvez se pudesse ter avançado com regulação, com alguma contenção. Agora, não sei.

No outro dia, Geoffrey Hinton disse que a única salvação para o ser humano será se a Inteligência Artificial for programada para ter um sentimento maternal em relação a nós, se for ensinada a proteger-nos, aconteça o que acontecer. Ele sabe infinitamente mais do que eu pelo que pode ser estultícia da minha parte duvidar. Mas, na minha humilde ignorância, permito-me duvidar: não sei se vamos a tempo.
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E... esta é Tilly Norwood

Photograph: Particle6/Reuters in
The Guardian view on Tilly Norwood: she’s not art, she’s data

Transcrevo o início do artigo do Guardian:

A ameaça à criatividade humana trazida pela tecnologia deu mais um passo em frente esta semana com a aparição de Tilly Norwood, a primeira atriz 100% gerada por IA. Sem surpresa, a sua atuação no festival de cinema de Zurique, num sketch cómico chamado AI Commissioner, causou agitação. Emily Blunt descreveu o filme como "aterrorizador" e o sindicato de atores Sag-Aftra condenou-o por "colocar em risco a subsistência dos artistas e desvalorizar a arte humana". (...)

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Uma nova 'atriz de IA' deixa Hollywood furiosa

“Tilly Norwood” parece uma jovem de cabelo castanho ondulado e pele clara que, desde fevereiro, publica no Instagram como qualquer outra influenciadora da Geração Z. Está a seguir uma carreira de atriz — e recentemente publicou sobre fazer “testes de ecrã” na esperança de conseguir um emprego. Mas Tilly Norwood não é uma pessoa real, é gerada por IA, criada por Eline Van Der Velden, fundadora da startup de IA Particle6, que afirma criar “conteúdos digitais” para cinema e TV.

Mas o projeto gerou uma onda de críticas depois de o site de notícias de Hollywood Deadline ter noticiado no sábado que os agentes de talentos procuravam contratar Tilly como atriz e que os estúdios de cinema estão a adotar silenciosamente conteúdo gerado por IA. A conta de Instagram de Tilly acumulou centenas de comentários irados, incluindo de alguns dos maiores nomes de Hollywood.


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Se puderem, vejam o Tristan Harris à conversa com Jon Stewart

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Desejo-vos uma feliz quarta-feira

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