Quando olho para trás admiro-me com a minha indiferença face a possíveis preocupações. Ainda no outro dia, em conversa, recordei que ia sozinha ao dentista ainda era bem miúda. Lembro-me de não apenas ir arranjar dentes como até de tirar um dente. Andava no liceu, não sei em que ano, talvez no actual 9º. Sei que estava a ler 'Por quem os sinos dobram' e que, por pensar que poderia ficar algum tempo à espera, levei o livro. E recordo isso porque fiquei surpreendida com a surpresa do médico. Uma criança pequena aparece ali sozinha para arrancar um dente e leva consigo um livro que não se esperaria ver nas mãos de alguém daquela idade. E lembro-me de ele também estar surpreendido por eu estar sozinha. A minha mãe dava aulas e logicamente nunca queria faltar. E nem a ela nem a mim ocorreu que pudesse acontecer alguma coisa que requeresse a presença de um adulto. E a verdade é que eu ia sem medo. Nunca fui com medo para o dentista.
Também ia sem qualquer receio fazer os exames para a inspecção médica que, na altura, era ultra detalhada.
Só comecei a fazer exames ginecológicos regulares ou mamografias razoavelmente tarde. Não me lembrava de tal coisa. Quando tinha algum problema de saúde, por exemplo gripe, ia ao médico de trabalho, nas instalações da empresa, e tudo se resolvia. Mas, uma vez, uma colega da minha idade apanhou um susto com um 'alto' que tinha sentido numa mama, teve que fazer exames, 'aquilo' teve que ser analisado e ela andava atrapalhada e dizia que deveríamos ter cuidado, fazer exames, e espantava-se por eu nunca ter feito nenhum, recomendava que eu não me 'desleixasse'.
Então, acabei por lá ir a um ginecologista (e não ia a um desde que o meu filho tinha nascido) e ele observou-me e prescreveu-me mamografia, eco mamária e eco pélvica. Fui fazer esses exames na maior descontração. Não me ocorreu ter receio ou preocupação.
Por isso, quando o médico que ia fazer a eco mamária se pôs a olhar com muita atenção para as imagens da mamografia que eu tinha acabado de fazer e desatou a fazer-me perguntas que não acabavam, comecei a desconfiar. Depois perguntou se eu não sentia os altos pela palpação... e eu nunca tinha feito palpação. Quando lhe perguntei o que se passava, mostrou-me as imagens e apontou para as bolinhas. Aí assustei-me e acho que até deixei de ouvir. Só voltei a sintonizar-me quando ele, percebendo o meu pânico, me disse: 'Falei em quistos, não em tumores'.
Tinha entrado na desportiva e saí amedrontada. Na eco pélvica, também tinham aparecido uns quistos.
A partir daí, logicamente tive que passar a vigiar.
Como não estava longe da menopausa, o que se veio a verificar é que os ditos quistos foram desaparecendo. Subsiste um numa das mamas que até já me pregou um susto valente, tendo sido 'picado' (leia-se, objecto de biopsia).
Mas para a biopsia também fui sozinha, apesar de, nesse caso, já nada descontraída. Felizmente, até ver (noc-noc-noc, três vezes na madeira), tudo bem.
Com os joelhos, também sempre fui descontraída. Inflamavam, doíam à brava, e ia trabalhar, conduzia. Cheguei a ir tirar líquido, uma tigela cheia, dores lancinantes, tudo a sangue frio, e sozinha, e ia a conduzir para a clínica e, depois daquilo, voltava a ir a conduzir, sempre com naturalidade, sem me ocorrer que poderia pedir ajuda ou poderia precisar de ser acompanhada. Depois, quando fui objecto de uma polémica artroscopia dupla (polémica porque quase todos os médicos que me viram a posteriori acharam que era escusada, desnecessária e, até, contraproducente) também avancei sem pensar, sem ouvir segunda opinião e sem me ocorrer que intervir nos dois joelhos ao mesmo tempo era capaz de não ser grande ideia. E não foi, não tinha uma perna boa em que me apoiar. Foi dureza.
E quando foi a cena do coração, aquele susto em que pensavam que eu estava a ter um enfarte agudo de miocárdio e me enfiaram numa ambulância e depois na sala de reanimação, também verdadeiramente não me assustei. Pensei que era estranho se calhar estar prestes a morrer e não sentir nada de mais. Mas, no meu íntimo, não sentia pânico, parece que tinha esperança que fosse um equívoco. E, felizmente, era.
E nem falo de quando tive os meus filhos que aí foi a dureza maior: parto induzido, dores e mais dores, dores terríveis durante horas, as crianças sem descerem, depois puxadas a fórceps, e tudo a sangue firo, recusando anestesias e dando indicação que cesariana só em último caso. Mas tudo na maior descontração e, mal acabando o parto, já pronta para outra.
Mas se isto é comigo, já a coisa fia mais fino se há algum problema com filhos e netos. Aí tenho que me controlar muito para não deixar transparecer a minha preocupação. Pode a coisa ser insignificante que eu só descanso quando os sei completamente bem. Quando eram pequenos, ao menor problema, o meu coração sobressaltava-se, aterrorizada que o assunto não fosse debelado, apavorada não fosse a coisa piorar. Uma irracionalidade completa. Salvava-me a calma do meu marido.
Mas agora o mesmo se passa comigo, a mesma preocupação exagerada, em relação a ele. Felizmente tem corrido tudo bem (noc noc noc -- outra vez três vezes na madeira). Mas, no outro dia, aquele jovem médico do SNS, nosso médico de família, sobre um conjunto de sintomas que o meu marido lhe referiu, disse: 'Estou convencido que não é cancro mas só o saberemos se virmos lá por dentro'. Quando o meu marido chegou a casa e me contou fiquei inquieta. Mas escondi, tentei fazer de conta que nem tinha ligado muito. Não quis transmitir preocupação. E, para falar verdade, racionalmente pensei que não, não devia mesmo ser cancro. Mas percebi o ponto de vista dele, pelos sintomas mais valia investigar. Aliás, tinha sido eu a dizer ao meu marido que marcasse consulta. Para além do exame principal, mandou também que se fizessem outros exames, nomeadamente análises. Fiquei numa preocupação, que escondi, até virem os resultados das ditas análises. Mas, felizmente, por aí, tudo bem. Fui ao chatgpt e perguntei se, estando as análises bem, se poderia excluir a hipótese do cancro. Disse que não. Refreei o optimismo que momentaneamente tinha sentido.
Enfim, lá foi fazer o dito exame. Eu estava uma pilha de nervos mas escondi. Nem falei na preocupação aos meus filhos, fiz de conta que era um exame banal. Parece que se falasse nisso estaria a assumir que o pior poderia ser acontecer, e não estava psicologicamente preparada para tal. Curiosamente, foi um dos meus netos, com quem fui a uma consulta por os pais não poderem, a quem eu disse que no dia seguinte o avô ia fazer o exame, que mostrou preocupação e me perguntou: 'Mas é um exame de rotina...?'. Disse-lhe que sim.
Mas, caraças, estava preocupada.
Pre-ocupada. A mente desnecessariamente 'ocupada' por antecipação.
Felizmente está tudo bem. Respirei de alívio. Fiquei mesmo contente. Acho que nunca estive tão preocupada com alguma coisa minha como fiquei agora com isto.
Pensava nos sustos, nas aflições por que passei com os meus pais. Parece que uma espada estava sempre prestes a abater-se sobre as cabeças deles e isso trazia-me sempre no fio da navalha. Mas o que se passou com eles foi numa idade já mais avançada e parece que uma pessoa está de certa forma conformada com a ideia de que, com a idade, começarão a aparecer os problemas. E, talvez absurdamente, parece que ainda não sinto que eu e o meu marido estejamos na idade em que as maleitas começarão a aparecer. Portanto, pensar na possibilidade de o exame nos trazer uma má notícia e pensar no que poderia vir a seguir, tem-me trazido bem preocupada. Mas fiz questão de não deixar transparecer pois também não queria preocupar mais o meu marido. E, depois, também me lembrava que, nos meus últimos anos de trabalho, a pessoa com quem trabalhei mais directamente teve um cancro, foi operado, fez radioterapia, depois, no exame de controlo, perceberam que tinha voltado e se tinha espalhado, uma situação grave, e foi mais radioterapia, depois mais quimioterapia, e vi bem como passa a haver um pânico latente, um pânico a corroer os dias, e um sofrimento físico e psíquico que torna a vida muito diferente do que era antes.
Mas isto para dizer que agora que descomprimi, parece que me saiu um peso enorme de cima. Uffff. Mil vezes uffff. Uffff, uffff, uffffff.
Só que, na véspera, praticamente não dormi. E, por pouca sorte, ontem também não pois o cãobeludo também tem andado com um problema, uma ferida que infectou, e, de noite, não descansou, inquieto, incomodado, e fez um barulho danado. Ou seja, hoje de tarde é que, finalmente, dormi, e foi a sono solto, e agora, de noite, aqui no sofá, também estive para a dormitar. Acordei para escrever este lençol e agora vou dormir para onde deve ser, para vale de lençóis.
Desejo-vos tudo de bom: saúde, sorte, boa disposição e dias felizes.
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