Dia longo e, graças a ainda não nos termos visto livres dos efeitos pós-covid, um bocado cansativo.
Para já a noite foi muito em branco. A minha mãe tinha encostado a porta do quarto e o dog, que tem que ter sempre o que guardar, começou por deitar-se, no corredor, à porta do quarto dela. E até aí tudo bem. O pior é que, a partir de certo ponto, deu-lhe para ganir. Aliás, mais parecia que estava a chorar. Uma coisa impressionante. Pensei que, com aquela choradeira, não estava a deixar a minha mãe dormir.
A chatice é que, de noite, quando tentamos impedi-lo de fazer o que quer, não reage lá muito bem.
O meu marido dormia a sono solto e eu equacionava ir eu tentar tirá-lo dali ou acordar o meu marido. Não queria acordá-lo mas não sabia como é que conseguiria tirar o urso felpudo dali. É teimoso como uma mula e, fixado como estava em estar de sentinela ao quarto da minha mãe, era certo e sabido que seria debalde.
Então, vendo que o tempo passava e ele não se calava, acordei mesmo o meu marido. Vestiu-se e lá foi. Só que, como por milagre, o guardador de rebanhos calou-se. E o meu marido, passado um bocado, apareceu e disse que ele se tinha calado e que não o tinha visto. Pensou que tivesse ido para junto da janela do primeiro andar, onde gosta de dormir.
Só a partir dessa altura consegui dormir.
De manhã, quando lhe perguntei sobre o safado que tinha feito aquela linda choradeira à sua porta, a minha mãe disse que não ouviu, que dormiu profundamente. Mas que, já de madrugada, ouviu empurrar a porta à força. Assustou-se. E ainda mais se assustou quando sentiu alguém a saltar-lhe para cima da cama. Claro que percebeu logo que era ele. A excelência, tendo conseguido o que queria, aconchegou-se e dormiu. Só que aí foi ela que espertou, não conseguindo dormir mais.
De tarde, eu e o meu marido fomos com os dois meninos, um dos quais está quase a fazer anos, comprar-lhe o presente de anos.
Basicamente agora o presente principal que querem (os rapazes) é chuteiras ou ténis de modelos ou marcas que eles lá sabem. Portanto, para ser ao gosto deles e para os provarem, temos que ir com eles. Não dá para arriscar.
O mais velho, recém chegado do passeio de Paris (onde parece que fez das dele) foi connosco, como conselheiro.
Eu ou o meu marido escusamos de opinar pois eles têm ideias muito bem definidas.
Gostamos também de oferecer sempre roupa pois precisam sempre. Como a minha filha me tinha dito que ele precisava de tshirts e de um casaco aberto à frente, enquanto eles dois desataram a escolher por eles, eu fui escolher tshirts. Quando as viram, tshirts normais, discretas, com uns desenhos engraçados, disseram que nem pensar, que 'sem ofensa, Tá, já não estás bem ao corrente do que se usa...'. O mais velho disse que 'basicamente, Tá, se ele usasse isso seria vítima de bullying'. Fiquei a olhar para as tshirts a tentar descortinar a razão de tão dramáticas consequências. O mais novo elucidou-me: 'Basicamente, Tá, eu seria alvo de chacota'. Fiquei na mesma. Mas, pronto, ok.
Quanto aos casacos com fecho, não quiseram saber dos requisitos da mãe. Sweatshirts com capuz e mais nada. Casacos com fecho já não estão com nada. E lá escolheram. O mais velho escolheu tudo. Para já que o irmão precisava de umas calças beige. Depois tshirts lisas ou só com algum dizer, simples. Sweatshirts lisas, claras, simples. E um boné como deve ser. O irmão vestia e pedia para eu chamar o irmão, para o irmão se pronunciar. E o irmão opinava. Com bom gosto e ultra despachado. Gostei de ver.
Mas a perdição na loja dos ténis foi a secção das tshirts dos clubes, perdição sobretudo do mais velho, e a das chuteiras, perdição de ambos. Depois de escolhidos os ténis, dirigiram-se para lá. Qualquer deles já as tem, boas, mas, com o pé a crescer-lhes a ritmo acelerado, estão sempre a precisar de novas.
Imagino que a vossa literacia sobre chuteiras seja equivalente à minha. Mas deixem que vos conte que é todo um mundo novo.
Há um ou dois anos eu acharia aquilo uma bimbalhice. Agora já sei que é mesmo assim. E eles adoram. Dizem que umas são as do Ronaldo, outras as do Messi, outras as de não sei quem. Parecem umas sapatinhas de plástico ultra coloridas, com uns espigõezinhos que parecem uns saltinhos fofinhos. Mas consta que os jogadores de futebol acham o máximo. Os meus netos põem-mas na mão para eu lhes sentir a leveza, quase não pesam, e parece que são resistentes e confortáveis. E carérrimas.
Se bem percebi, saíram de lá já a saber quais as que o menino dos anos vai 'cravar' ao pai.
Depois, já atrasados para o treino do mais novo (um grande guarda-redes que já joga a sério), íamos no carro quando o mais velho se saiu com uma, certamente no seguimento da conversa anterior sobre as suas aventuras em Paris, 'Agora a Mona Lisa...? Uma aldrabice.'. Apanhados de surpresa, reagimos, o meu marido referindo o sorriso enigmático da dita, eu rindo e referindo também a intemporalidade da obra. Ele continuou: 'Filas enormes, depois temos que ficar a dez metros e, afinal, aquilo é uma coisinha de nada, com dois centímetros, e não passa daquilo'. Protestámos. Corrigiu, dois centímetros não, mas não mais que isto - e mostrou com as mãos a fraca dimensão da coisa. Continuou: 'Quadros maiores, melhores', como se não percebesse a fama da Mona Lisa quando comparada com coisa melhor. E concluiu: 'O Louvre, uma seca'.
Perguntei pelo Orsay. Disse que outra seca. Rebatemos. O mais novo veio em defesa do irmão: 'Tá tens que perceber, basicamente esses museus são uma seca para putos como nós'. Não me dei por vencida. Falei nos impressionistas, pinturas tão lindas.
E falei no Rodin.
Aí lembrou-se. 'Ah, Rodin, sim, o Thinker'. Tendo chegado de uma 'visita de estudo' a Paris, estranhei: 'O Thinker?'. O meu marido disse: 'Le Penseur'. Ele comentou que sabia mas preferia dizer em inglês, o Thinker, e era por causa dumas cenas do Tik Tok. Mas fiquei com a impressão que eram coisas de que ele, basicamente, não podia ou não queria ali falar.
Fomos a casa para deixar o mais velho e para o mais novo se trocar. Dali levámo-lo ao treino. E viemos para casa. De caminho apanhámos uma pizza. Ainda fomos fazer uma breve caminhada. Quando chegámos a casa já era de noite. E, adivinhem, basicamente perdidos de sono.
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Desejo-vos um dia bom
Saúde. Boa disposição. Paz.
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