quarta-feira, abril 07, 2021

Sócrates, House e o papagaio cantor

 


Já vos contei que estou outra vez viciada no House...? Pois... confesso: estou... E isso está a colidir à força toda com a escrita no blog. Coexistem no espaço e no tempo. Trabalhei até perto da meia-noite. Quando me despachei e confirmei que nada de transcende aconteceu no mundo (para além das desgraças e irrelevâncias do costume) fui ver o episódio de ontem. Só agora que acabou peguei nisto. E, entretanto, estou a ver o episódio de hoje. Não sei se são episódios recentes ou se são antiquíssimos. Poderia averiguar mas não me interessa. Gosto de ver. Aquele raciocínio agudo, aquele sentido de humor intragável e aquela insolência aberrante do House são um cocktail que me prende do princípio ao fim.

Só que, com isto, consumo o cada vez menos tempo livre que tenho. 

Queria dizer qualquer coisa sobre a imoralidade que é a maneira como a Justiça funciona neste país. Em qualquer outro lugar do mundo decente e civilizado alguém poria fim à incompetência que lavra de A a Z na Justiça portuguesa. 
A comunicação social já começou a salivar para a decisão que aí vem sobre o Caso Marquês. Há anos que esta pouca vergonha dura: começaram por prender o homem com as televisões a acompanharem em directo o indecoroso e indigno ataque à privacidade de uma pessoa num momento tão delicado. Interrogaram-no, divulgaram escutas, divulgaram bocados das peças processuais, mandaram-no preso para Elvas, devassaram-lhe a vida pessoal, a vida da mãe, da ex-mulher, da ex-namorada, dos amigos, impediram-no de viver uma vida normal, obrigaram-no a viver como um acossado. Anos disto. Uma verdaeira pouca vergonha. Pelo meio, foram arregimentando mais gente, mais suspeitos, o caso foi engrossando, engrossando, virou o paquiderme judicial do regime. Quando penso naquele que começou por ser o intrépido e irreverente advogado de defesa, o João Araújo, que, coitado, não viveu o tempo suficiente para assistir ao desenlace de tão fatídico caso, tenho tanta pena. Mas também me mói a ideia de que o principal suspeito tenha a vida em suspenso há tantos anos. Anos, anos disto. Anos disto sem sequer se saber se o caso tem sustentação ou não. Uma vergonha. A Justiça não pode funcionar assim. Os culpados vêem a vida parada sem pena decidida e acabam na prisão quando já estão no fim da sua vida, muitas vezes a dar as últimas. E os inocentes vêem a sua vida anulada, desgraçada. Enquanto isso, os ilustres juízes, alguns com forte pancada na cabeça e sem admitirem o escrutínio de ninguém, continuam a fazer o que muito bem querem e lhes apetece. E o resto das instituições assobiam para o lado. Separação de poderes muito bem, tem que ser. Mas bandalheira a céu aberto, não. Alguma coisa deve e tem que ser feita.

A nossa democracia tem dois cancros: a Justiça e as Redes Sociais. E com metáteses na Comunicação Social. Claro que isto das redes sociais não é coisa só nossa assim como a comunicação social também não. Só que isso, conjugado com a grave doença na Justiça, pode minar a nossa democracia que, sendo recente, tem ainda muitas vulnerabilidades.

Mas, enfim, queria falar sobre isto mas não é às duas da manhã que estou em condições para dizer coisa que se aproveite. Dirão as más línguas que nem às dez da manhã o estou. Mas para o que as más línguas dizem eu também não tenho tempo.

Portanto, para ver se durmo alguma coisa antes da manhã que me espera que é daquelas em que até tremo com o que vou ter que fazer, calo-me já. 

Quando me vê tão debaixo de trabalhos e maçadas, a minha filha diz que não tenho necessidade disto. E há uma perspectiva sob a qual talvez não tenha. Mas a verdade é que tenho este espírito de missão, de mulher da classe trabalhadora, toda a ter que cumprir com deveres e obrigações, mulher que mais depressa verga que parte, que não cede nem abranda até que ache que fez o que julga que tem que ser feito. Não é que queira: é involuntário, é coisa genética. Ou seja, vejo-me cercada de uma canseira da qual tenho dificuldade em fugir porque parece que sou eu que não consigo passar sem viver assim, no limite do que posso. 

Enfim. 


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As pinturas são de Gerhard Richter e vêm ao som do magnífico Jacob Collier & Yebba interpretando Bridge Over Troubled Water

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E despeço-me com um outro grande momento musical que espero que seja do vosso superior agrado

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E é isto.

O que eu estimo é o que eu desejo.

Saúde e alegria

8 comentários:

Anónimo disse...

Estou inteiramente de acordo com o que escreve em relação ao caso de Sócrates e aprecio que o faça numa altura em que poucos têm a coragem de o fazer, independentemente de ele ser culpado ou não.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

O Dr. House, muito giro, mesmo. A série e do período 2004-2012, lembro-me até de alcunharmos um professor da Faculdade de Dr. House. O que é bom não tem parzo de validade e assiste-se vezes sem conta.
Quanto à novela que tem José Sócrates como mestre de mal é algo absolutamente tenebroso, vai ser feio de se ver a seu desenrolar futuro.

Um rico dia.

Maria Dolores Garrido disse...

Posso fazer-lhe um pedido? Mesmo com todos os seus afazeres e legítimos lazeres, não deixe de escrever no blogue, sobretudo por duas razões: é muito bom e já me habituei a lê-lo todos os dias.
Estou a ser egoísta? Com certeza que não porque de certeza que não sou só eu.
Obrigada. Bom fim de tarde.

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo/a

O que penso muitas vezes é que, se um dia nos acontece a nós vermo-nos enredados numa qualquer situação em que nos vemos acusados, tudo exposto, toda a gente a comentar, a opinar, a julgar e condenar, nós indefesos, impotentes, os anos a passarem, sem podermos ter uma vida normal, como nos aguentaremos? Sejamos culpados ou inocentes, como arranjaremos força anímica para sobreviver? E, se formos inocentes, como encontraremos motivação e força para não sucumbirmos?

Uma atrocidade o que esta (in)Justiça faz às suas vítimas.

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria Dolores,

Muito obrigada. São 2:25m e estou com sono. Estou aqui porque gosto de escrever e porque descanso desta forma. Mas, muitas vezes, penso que nada tenho a dizer e que deveria era ir dormir. Ainda por cima gosto de plantar imagens, músicas, vídeos. Tudo isso leva o seu tempo...

Mas, enfim, quem corre por gosto não cansa, não é...?

Agradeço a simpatia das suas palavras.

Um dia bom para si, Maria Dolores.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Gosto imenso do House. Não sabia que a série já tinha tantos anos. Ando a papá-la como coisa nunca vista. Aquele homem é tão viciante. E o vermos como temos que ter a sorte de dar com médicos perspicazes e interessados é também uma constatação que perturba.Talvez um dia a inteligência artificial venha a ajudar no diagnóstico. Algumas coisas a IA há-de ter de boa...

Quanto ao Sócrates é isso: um filme que não sai de cena. Uma vergonha, seja o que for que venha a acontecer.

Bom trabalho, muito trabalho (do bom...), boa onda, alegria e dias felizes para si, Doctor.

Kina disse...

Minha senhora, uma pergunta: o caso Sócrates em matéria de impudica exposição não é excepção, por que razão tanto assanhamento em relação a este caso em particular? É por ele Dizer ( dizia?) Ser do Ps? Oh valha-nos deus!!! Aquilo sempre foi um pulha, só não via quem não queria.
A ver se nos entendemos: estou de acordo que esta mistura entre a justiça e a televisão é execrável, muito prejudicial à primeira e em parte garante da segunda, mas é válido seja para o Sócrates ou outra pessoa qualquer. E a senhora assanha- se muito no cwso Sócrates, apenas, o que acho suspeito. Sectarismo?

Também gosto muito do House.

Anónimo disse...

D.Kina, agradecia que nomeasse outros casos em que a devassa tenha sido tão grande como no caso de Sócrates. Meia duzia basta !

Obrigada,