quarta-feira, março 03, 2021

Velharias e outras coisas do Olano, culinária, pássaros esvoaçantes e um jasmim escorraçado

 


Mais um dia em que o pé fora de casa foi apenas para caminhar a meio do dia e, de quando em quando, ao atender uma chamada, ir até ao jardim. Tirando isso: reuniões, telefonemas, análise de documentos, mails e mais mails. 

Uma vida assim. E, apesar de tudo, os telefonemas de trabalho foram até às sete e tal da tarde. Não me parece normal. Horas e mais horas de trabalho. Acho que vou ter que me sindicalizar. Ou ir ao psiquiatra -- porque ninguém normal, sendo dona e senhora do seu horário e estando em sua casa, fica assim tão refém do seu trabalho. Chega a ser ridículo, acho eu.

Bem. Adiante.

O almoço foi sopa e o que ainda havia de arroz de tomate, pimento e salmão do outro dia. 

Fiz o arroz assim:

Num tacho coloquei azeite a cobrir o fundo, duas cebolas grandes grosseiramente cortadas e um bocadinho de bacon cortados aos cubinhos. Depois de tudo alouradinho, juntei duas folhas de louro, uma quantidade generosa de salsa e um alho francês, a parte branca, aos bocados. Depois, quatro tomates grandes e maduros e dois pimentos daqueles pequenos e bicudos, encarnadinhos. Deixei amolecer. Quando amolecido, juntei dois copos de água. Juntei feijão verde às ripinhas fininhas. Deixei ferver. Juntei um pouco de sal e um copo de arroz basmati. Envolvi com os legumes meio desfeitos. Por cima, coloquei três lombos de salmão. Quando ferveu, baixei o lume. Antes de concluído, envolvi o peixe no arroz. O tacho tapado, claro. Quando o caldo começou a escassear, desliguei. Ficou a apurar.

Estava bem bom (modéstia à parte). Acompanhámos com salada de alface, cenoura e couve roxa.

De manhã, tinha deixado a descongelar uns peitos de frango. Depois de almoço, fiz o jantar. O meu marido perguntou: 'Como é que vais fazer?' e eu disse a verdade: 'Não sei'. Quando já estava ao lume, voltou a perguntar: 'Então, afinal, como é que estás a fazer?' e voltei a responder: 'Não sei dizer, estou ainda a fazer'. Ele não insistiu pois sabia que eu não sabia mesmo.

Nos meus cozinhados uso sempre muita cebola. Gosto, acho que dá bom paladar. Então, fiz assim:

No tacho, o tal fio de azeite no fundo e duas cebolas grandes aos bocados e também umas folhas de louro e também salsa. Uso os ingredientes que tenho em casa que não são muito variados. E estes tento ter sempre. Quando tudo estava ligeiramente amolecido, juntei dois tomates também aos bocados e coloquei por cima os peitos de frango um pouco abertos para não ficarem excessivamente secos. Coloquei um pouco de sal e por cima coloquei duas maçã royal gala não muito grandes, aos bocados. E, ainda, a parte branca de um alho francês. Coroei com mais um fio de azeite. Quando ouvi que tinha começado a ferver, baixei e, com o lume no mínimo, o tacho sempre tapado, ali ficou. Passado um bocado, virei os peitos de frango mas virei só porque sim pois já estavam imersos no caldo que se formou. 

Quando percebi que a carne estava cozinhada, desliguei. Passado um bocado, tudo isto entre reuniões ou telefonemas, tirei a carne para um prato e recuperei o louro para o deitar fora. Com a varinha mágica, moí todo o caldo. Ficou um molho espesso, quase uma papa. Inseri, então, os peitos de frango nesse molho e ali ficou a apurar. 

Antes de jantar, depois de falar com a minha mãe e com a minha filha, fiz o acompanhamento. Fervi água. Num recipiente, coloquei couscous (têm que ser de boa qualidade) e reguei-os com um fio de azeite e salpiquei-os com orégãos e um pouco de sal. Por cima, deitei a água que quase tinha fervido. Mexi com um garfo. Passado um bocado, voltei a mexer.

Tive que aquecer o frango antes de servir. Empratei assim: os couscous em volta, como uma coroa. A meio a carne com o molho. De volta, alface. 

Devo dizer que o meu marido -- que estava altamente céptico pois não estava a ver como é que um molho no qual estavam contidas duas maçãs e mais dois tomates, cebolas, alho francês e salsa poderia ser bom -- comeu, repetiu e molhou pão e mais pão no molho. Só lhe faltou fazer sopinhas de pão. Perguntei-lhe: 'Então?' e ele disse: 'Está bom. Reconheço'. 

Pelo menos, acho que faço comida saudável, sem frituras, sem molhos repuxados ou meio queimados. Tudo simples, as proteínas sempre com legumes, tudo cozinhado a baixas temperaturas. E acompanhamos com saladas, comemos fruta, comemos geralmente uma sopa por dia. 

E mais...?

Só se for que, ao fim da tarde, enquanto andava a falar ao telefone, apanhei uns ramos de jasmim. Depois fui à vitrina, peguei numa jarrinha pequena de cristal, enchi-a de água e coloquei as flores. Coloquei-a no aparador da copa e voltei à rua. Às tantas, vi o meu marido, em língua gestual, a querer dizer-me qualquer coisa. Aproximei-me. Estava a apontar para um vaso. Olhei e só não soltei uma interjeição, alto e bom som, pois estava ao telefone. Tinha posto a bela jarrinha de cristal com uns perfumados pés de jasmim em cima da terra de um vaso. Disse-me: 'Tem um cheiro que não se aguenta'. Quando acabou o telefonema tentei negociar: ponho-a na escrivaninha, ponho no andar de cima, ponho no móvel do corredor. Não aceitou nenhuma hipótese: 'Tresanda. Nem penses em pôr aquilo dentro de casa'. Fiquei desolada. Agora está em cima da mesa de vidro que está sob o telheiro.

Hoje o meu marido viu o gato preto em cima dessa mesa, a olhar para dentro de casa. Chamou-me. Um gato esfíngico, negro e de belos olhos verdes. Fui a correr buscar a máquina mas, quando me aproximei, saltou e fugiu (refiro-me ao gato). Portanto, a ver se amanhã a minha jarrinha ainda está inteira, em cima da mesa.

E, tirando estas coisas de nada, que mais posso dizer? Não sei. Acho que nada. Os meus dias correm assim, sem história. 

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Ontem descobri aquele rapaz dado a decorações. E eu tenho mais paciência para conversas destas do que para comentário político esquentado e requentado ou para jornalistas-dominatrixes que acham que, já que apanharam uma ministra à frente, têm o direito de acusar, insinuar, duvidar, tentar apanhar em falso. Não aguento. Para peditório revertendo para gente prepotente e estúpida eu já dei. Prefiro disto: o Arvin Olano até olha para livro como bibelot -- o verde lindo da capa, o dourado que dá tanto glamour. E eu isso perdoo. O que não perdoo é gente parva, populistas, justiceiros, cagões. Tudo menos isso. Ouço o Olano e farto-me de rir. Se fosse ao vivo, adoraria ouvi-lo em directo e a cores ou ir às compras com ele. Haveria de andar sempre a rir. No meio de coisas acertadas (acertadas dentro do género, claro), há com cada maluqueira... 

E eu, tal como ele, também gosto de andar a ver velharias. Tenho na minha casa in heaven algumas peças adquiridas assim. Fascinam-me. Por vezes, quando morava mesmo na cidade, ia a um antiquário que tinha pinturas, porcelanas, livros, móveis, estatuetas, caixinhas, molduras. Ficava por lá, sempre tentada a trazer peças únicas. O meu marido recusava-se, dizia que não suportava aquele cheiro a mofo. Melhor para mim: podia ver as coisas com mais vagar. Mas já não tenho onde meter mais coisas, ainda por cima agora que estou a virar minimalista. Já pensei arranjar um barracão e transformá-lo em museu e, assim, já teria onde ter peças que me acho que merecem ser estimadas.

Custa-me muito ver peças que se vê que foram escolhidas e guardadas com carinho pelos seus donos e que, por qualquer fatalidade, acabam assim, tantas vezes amontoadas, entre restos de outras vidas, tristemente à procura de novo dono. 

Penso muitas vezes que, se calhar, assim acabarão um dia as minhas coisas. E não será por mal ou descaso, será porque não terão onde ser guardadas ou porque são coisas de um género que não tem cabimento no meio de outros estilos. E, até por isso, para não criar mais problemas futuros, acho que não devo adquirir mais nada. Mas, confesso, fico com pena de já não ter qualquer incentivo a ir visitar antiquários. Portanto, contento-me em ver o Olano a cirandar por entre objectos vintage, em imaginar como uma daquelas cadeiras de madeira suave e antiga poderia ficar bem aqui ao pé de mim.

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Fotografias feitas hoje aqui em casa, enquanto andava a telefonar.

(Será que voltarei a ser capaz de estar fechada numa torre de vidro, sem ter flores ou pássaros para fotografar enquanto trabalho...? Duvido...

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Desejo-vos um bom dia.

Saúde. Sorrisos.

5 comentários:

Estevão disse...

Também me parece que esse jasmim tem um cheiro muito intenso. Pode não se tornar agradável dentro de casa, mas ao ar livre é maravilhoso. É um cheiro para seguir viagem ..
Há um outro jasmim, com um cheiro para ficar por perto. É obrigatório no jardim, de preferência perto da porta, em ramada, ou enroscado nas grades das escadas.
Tem o lindo nome de stephanotis floribunda, ou jasmim de Madagáscar. A também linda Lúcia Borges dá-nos umas dicas neste vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=gYYtjMu0ZpM

Já quanto à mutação da cor da rosa que tanto espanta a anterior proprietária, tal pode dever-se à adubação que ela eventualmente fazia.

E um bom dia com alegria!

Anónimo disse...

Estive a ler vários posts, porque passo por aqui só de tempos em tempos, e de novo encontro um aspecto que me faz confusão. Por que razão é que tira tantas fotografias ao jardim, de uma forma que parece obsessiva? Quer dizer, vive aí, vê as flores e as árvores todos os dias, para quê fotografá-las? O que é que faz a essas fotografias? Não veja nisto uma crítica, nada disso, é apenas uma incompreensão da minha parte.

Ana Margarida Sousa

Um Jeito Manso disse...

Olá Amofinado,

Pois a jarrinha continua na mesa debaixo do telheiro. Pelos vistos o gato também não gosta do odor intenso. Quando se passa junto ao muro onde estão os arbustos é um perfume...

Esse de Madagáscar não conhecia mas fica registada a dica.

Mas com a cor das rosas até eu estou parva. Ela jura que sempre foram encarnadas e, de facto, eu ainda as vi assim. Entre o encarnado e cor-de-rosa a atirar para o rubro. Pois agora, do mesmo pé brotam rosas amarelas, cor-de-rosa claro, cor-de-rosa médio, quase branco, outras multicores. Do mesmo pé. Gémeas e assim. Eu não ponho adubo nem coisa alguma. Parece que estão na brincadeira comigo. A cada dia que as vou ver, encontro cores diferentes. Será que ainda vou ver uma azul?

De qualquer forma, não sei se ela poria adubo, hei-de perguntar-lhe.

Uma boa quinta-feira, Jardineiro-Mor Amofinado!

Um Jeito Manso disse...

Olá Ana Margarida,

Que posso dizer-lhe? Não faço coisas para terem explicação. Faço porque me apetece e porque posso fazê-las.

Se saísse, fotografaria o rio ou o mar ou esculturas ou serras ou casas. Assim, confinada, o que tenho à mão para fotografar são as flores ou as árvores. E não são sempre iguais, sabe? As estações mudam-nas, o tempo que passa muda-as, os pássaros que nelas pousam e por entre elas esvoaçam mudam-nas. E, como gosto de fotografar (tal como gosto de escrever), vou fotografando.

Não quero comparar-me aos maiores mas já viu a Ana Margarida o que, por essa ordem de ideias, perguntaria, por exemplo ao Ansel Adams, se pudesse ainda falar com ele? Porque é que tanto fotografava as nuvens...? Ou, na pintura, já pensou se perguntaria à Georgia O'Keeffe porque é que ela passava a vida a pintar as flores que via...?

É assim, Ana Margarida, a gente regista, como sabe e pode, aquilo de que gosta e tem à mão. Não há outra explicação, acho eu.

Dias felizes... e floridos! 😊

Anónimo disse...

Gosto tanto desse jasmim. Encantador.