sábado, outubro 18, 2025

Ataques de pânico

 

Já aqui trouxe várias vezes o tema das questões mentais. Sou muito sensível a isso. Aliás, recordo que, quando acabei o liceu, uma das minhas primeiras opções era a Psiquiatria. Pu-la de lado pois tirar primeiro medicina e ver-me confrontada com a presença mortos nas aulas de Anatomia era-me insuportável. Depois virei-me para Psicologia e ainda me lembro de andar com a minha mãe a procurar informação. Creio que fomos ao ISPA. Sem internet e sem informação facilmente consultável, tudo era complicado. Não conseguimos obter a certeza de que o curso era uma licenciatura e que os psicólogos poderiam exercer de forma certificada. Mas, sei-o agora, a informação que obtivemos não deve ter sido a mais correcta pois o que não falta são psicólogos mais ou menos da minha idade. desisti e fui para outra área completamente diferente. Mas o gosto por compreender o outro e de ajudar quem precisa na medida das minhas possibilidades manteve-se.

E gosto de compreender o que se esconde sob as aparências e gosto de compreender os mecanismos físicos que fazem com que tantas vezes reacções psicológicas sejam percepcionadas como reacções físicas. E são mesmo físicas. Só que o que as desencadeia não é muitas vezes uma doença 'física' mas uma reacção emocional inoportuna, descontrolada.

Felizmente tenho sido bafejada pela sorte e, até hoje, nunca me aconteceu que a ansiedade passasse das marcas e desencadeassem em mim reacções que não conseguisse controlar. Profissionalmente lidei com assiduidade com situações de stress, tive frequentemente de me expor, apresentando opiniões divergentes da linha mais corrente, tive que enfrentar quem queria impor a sua vontade contra a minha. Acontece que, nesses momentos, uma calma que até enervava os outros parecia tomar conta de mim. Pessoalmente, em particular com os problemas de saúde dos meus pais, quer com o lento e doloroso declínio do meu pai quer com a situação complexa da minha mãe que encobriu um segredo enquanto se deixava consumir pelo medo que não assumia, não têm conta os momentos de tremenda ansiedade que se ia progressivamente instalando dentro de mim, tendo inclusivamente pensado que era quase impossível que uma depressão não me colhesse. Mas, não sei como, o meu corpo sempre se conseguiu aguentar. Sorte, apenas. 

Mas trabalhei com um jovem alegre, talentoso, muito competente, reconhecido por todos, acarinhado por todos, que um dia me confessou que de vez em quando tinha tremendos ataques de pânico. Contava que apareciam do nada, muitas vezes quando até considerava que estava calmo, muitas vezes à noite, em casa. Como morava sozinho, tão aflito ficava, tão convencido ficava que estava em risco de vida mas, ao mesmo tempo, também sabendo que já antes tinha estado no hospital e que lhe tinham dito que eram ataques de pânico, saía de casa e ia para dentro do carro que estava estacionado na rua. Pensava que ali mais facilmente pediria ajuda se estivesse mesmo a morrer. Quando ele me contou, fiquei admiradíssima. Nunca tinha percebido que ele fosse uma pessoa ansiosa. 'Disfarço bem', disse-me ele. Quanto tentei perceber o que lhe provocava a ansiedade a ponto de ter ataques de pânico, disse-me: 'Tudo'. E, no entanto, parecia sempre bem disposto. 

Ou seja, as pessoas desenvolvem mecanismos para se protegerem. Ou melhor, para esconderem dos outros. E esses mecanismos nem sempre são os melhores. Quando lhe perguntei porque não se tratava disse-me que não tinha tempo, que eu sabia bem como era a sua agenda, o seu ritmo de trabalho, o seu dia a dia. Não aceitei pois se tinha tempo para ir ao ginásio ou ao dentista também podia conseguir tempo para se tratar. Desvalorizou: 'Vou conseguindo controlar. Isto passa.'. Ainda insisti mas percebi que já estava era arrependido de me ter falado nisto.

Recorrer a tratamento psicoterapêutico ainda é um passo que muitas pessoas não conseguem dar. E, no entanto, como poderia ser mais leve a sua vida, se o conseguissem.

Partilho um vídeo em que um psiquiatra fala de um doente seu e, em paralelo, fala de problema idêntico pelo qual passou. Penso que alertar para a necessidade de levar a sério e tratar devidamente as questões de saúde mental nunca será demais.

O doente que superou os ataques de pânico | Do Outro Lado

Ao acompanhar um jovem com ataques de pânico, o psiquiatra João Perestrelo recordou-se da sua própria luta, na juventude, e da coragem necessária para enfrentar a ansiedade


Desejo-vos um bom sábado

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