sexta-feira, dezembro 24, 2021

Uma história verídica e muito pouco natalícia.
E os meus votos para quem por aqui me acompanha

 


Não é tema de que se fale numa véspera de Natal mas, como Natal é quando e como uma mulher quer, vou mesmo contar.

Madrugámos e, antes que se fizesse tarde, zarpámos para o campo, nós e a fera felpuda. Mal chegámos, peguei na roupa da cama e fui pôr a lavar. A perspectiva de que o rato tinha andado por lá não era coisa que nos estivesse a deixar confortáveis. De seguida, instalámo-nos, eu no piso intermédio da zona antiga da casa, mais concretamente onde era o quarto da minha filha. O meu marido abancou na mesa de jantar. 

Passados uns minutos estava a ter a primeira das reuniões. Estava eu a discutir estratégia e reorganizações e o impacto que elas vão ter quando comecei a ouvir um barulho diabólico atrás de mim. Espreitei pelo canto do olho. Era ele, o urso. Saltava do sofá para o chão, atirava almofadas e andava aos saltos com elas e, pior, fazia de um tudo para esganar uma fofa ursoleta que, apesar da provecta idade, parece uma menina.

Como o piso é de madeira, de cada vez que ele saltava ressoava o barulho. Do outro lado, o meu interlocutor, pessoa discretíssima, fazia de conta que não se importava.

Pensei que, se não interviesse, a ursoleta corria o risco de ficar esventrada no meio de almofadas esfarrapadas. Então, avisei que tinha que interromper, expliquei porquê e chamei o urso escada abaixo. Mal o apanhei do lado de lá, encostei a porta, voltei a subir e retomámos. Passado um bocado, ouvi barulho na porta e, pouco depois, já ele ali estava, outra vez, atrás de mim. Ouvi o meu marido a assobiar e a chamá-lo mas ele moita. 

O meu marido diz que ele me elegeu como a ovelha que precisa de andar debaixo de olho. 

À hora de almoço, o meu marido foi lavar o chão das divisões onde o alarme disparou e eu fui estender a roupa, pôr alguma na máquina de secar e pôr nova máquina a trabalhar, desta vez com uma roupa que estava numa cadeira e uma mantinha que estava num sofá.

Entretanto, chamou-me. Dizia que sentia um cheiro estranho, não conseguia identificar nem perceber de onde vinha. Tive um mau pressentimento.


No outro dia, quando andámos atrás do ratinho rabudo não o vimos ir para a rua. Vimos para onde foi mas não o descobrimos em lado nenhum. Virámos sofás, batemos com a vassoura nos armários, revirámos tudo, fizemos um barulho do caraças. Nada, nem sinal de rato. 

Quando saímos de casa, fechámos as portas existentes (há duas salinhas que comunicam entre si e com a sala maior, sem porta), fechámos as portas dos armários, tudo, para que, se o rato lá estivesse, não circulasse tanto como na véspera à noite.

E o alarme não voltou a disparar. Admitimos que tinha ido para a rua sem que o tivéssemos visto.

Mas aquele cheiro... abri um dos móveis estreitinhos onde estão dvds e o meu marido abriu o outro. E, de imediato, ouvi-o a exclamar: 'É o cabrão do rato. Está morto'. 

Puxa vida... Saí logo dali e ele quase deu um pontapé no urso peludo não fosse ele achar que estava ali pitéu natalício. Portanto, saí e levei a fera indiferente comigo. É que se o rato em vida não lhe tinha despertado atenção, em morto ainda menos.

Fui fazer arroz para acompanhar o entrecosto assado que tinha levado, fui ligar à minha mãe. 

Entretanto, o meu marido transportou o cadáver para onde a fera não o pudesse encontrar. Não vi a cena mas ainda o ouvi a informar-me: 'O cabrão do rato não deve ter morrido há muito tempo'. Não quis saber detalhes.

Ficou fechado durante uma semana, sem comida nem água e, se calhar, com pouco ar. Enfim, paz à sua alma.

O meu marido diz que também limpou e desinfectou o móvel por dentro.

Depois de almoço, tive mais uma reunião, mais uns telefonemas. O meu marido discutia ao telefone, dava instruções, ouvia-o preocupado com a escassez de matérias primas, depois ouvi-o a comentar que uns quantos num certo sector estão com covid e toda a santa tarde o telefone lhe tocou.

No intervalo dos meus afazeres, fui buscando a roupa à máquina de secar, pondo outra, trocando a roupa na corda para ver se lhe dava mais vento, fotografando, sentindo o maravilhoso cheiro da terra molhada... e etc. Ao fim do dia, ficaram duas cobertas ainda um bocado húmidas que deixei abertas em cima das cadeiras da sala de jantar. Uma manta de borreguinho e uns jeans do meu marido ficaram num estendal que armámos na sala.

Durante todo o dia, a hirsuta criatura esteve nas suas sete quintas. O Leitor dos Castro Laboreiros e dos Pastores Transmontanos bem me diz: o cão é pastor, gosta é de campo. E assim é: já conhece os caminhos, anda sozinho, fareja, corre como um louco, todo ele alegria. Mas depois entra em casa e escolhe o sofá mais confortável para se enroscar. Chamem-lhe rural. Sim, sim. Sai à dona. Gosta de campo, gosta de andar com as patas na terra, mas, na hora do bem-bom, quer é ninho fofo e macio.

Chegámos a Lisboa já a noite estava armada. Iluminada e cheia, cheia de gente. E um trânsito do caneco. Passámos junto ao Corte Inglês, ali a S. Sebastião, e estava uma confusão de gente, coisa mesmo pré-histórica. E algumas sem máscara. 

A ver no que tudo isto dá. Esta gaita da variante pegajosa veio em má altura. 

Mas não há-de ser nada. Tão inteligentes que somos, nós os anormais dos humanos, e não haveremos de ser mais espertos que umas bolinhas caprichosas e travecas que nem cabeça têm? Isso é que era bom.

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Bem. Agora que já falei de tudo menos do que se impõe, passo finalmente ao que se impõe. 

E, uma vez mais, os meus votos vão em primeiro lugar para aqueles de entre vós para quem o Natal é um momento de solidão e tristeza. Desejam que passe rapidamente e gostam de pensar que a alegria dos outros é uma ficção. Percebo-vos. Se de alguma maneira as minhas palavras transportam algum calor, que ele vos chegue intacto e consiga aquecer um pouco o vosso coração. Soa kitsch, bem sei, mas que querem...? Esqueçam isso e recebam as minhas palavras como se fosse um abraço amigo, ok?´

Depois os meus votos vão, de forma geral, para todos quantos aí, desse lado, me vão acompanhando. Penso naqueles cujos nomes conheço e que acompanho de alguma forma, de quem sinto saudades e a quem desejo bem: a Luísa e a outra Luísa, a Lucília, a Filó, a Lurdes, a Maria, a Teresa, a Alexandra, a Gina, a Alice, a Ana, a Susana, a Olinda, a Sofia, a Isabel, a Dolores, a Helena, a Flor, a Penélope, o Henrique, o Pedro, o José, o outro José, o João, o outro João, o Francisco e o outro Francisco, o querido Joaquim, o Paulo, o Luís, o Rui, o António, o Manuel, o Eduardo, o José Luís, o Carlos, o Diogo, o Fernando, o Ricardo, o Lúcio, o P. Rufino, o Monteiro, o Vieira, o X, o Jorge, o Plúvio, o Jumento, o Pipoco, o Valupi, o Rei dos Leitões, o Chevrolett, o Smiley Lion, o APS, o JFR, o JCC; e tantos outros que, sem querer, estou a esquecer e os que se assinam com nomes fictícios ou com iniciais e todos os generosos Anónimos que fazem a gentileza de aqui virem deixar o seu contributo. A todos desejo dias felizes, tranquilos, seguros, vividos -- tanto quanto possível -- num ambiente caloroso de afecto e partilha. Soa vulgar, eu sei, mas não encontro melhores palavras para o que vos desejo. E, depois, estamos vivos: eu a escrever estas larachas e vocês aí, desse lado, com paciência para me aturarem. Enquanto estiver assim, menos mal, não acham? 

Portanto, corações ao alto e bora mas é curtir a vida.


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Presumo que esta sexta-feira, véspera de Nöel, tenha as maiores dificuldades em vir até aqui para escrever antes das doze badaladas.
[E se agora descobrirem bandos de gralhas, por favor, avisem-me ou deixem passar, está bem? É que não faço outra coisa senão adormecer enquanto escrevo]

Por isso, bora lá nessa: Feliz Natal!

8 comentários:

Lucy disse...

Obrigada, UJM.Obrigada também por partilhar a sua vida é assim uma espécie de conversa que vai tendo connosco numa ida ao café, numa caminhada - é terapêutico ainda mais nestes dias " sombrios".Gosto de si- Desejo-lhe um Feliz Natal

aamgvieira disse...

Feliz Natal, as suas crónicas são lufadas de ar fresco !

Alexandre Vieira

Alice Alfazema disse...

Olá UJM,
Obrigada, desejo-lhe também um Feliz Natal, na companhia da família e do patudo.
Um abraço e muita saúde.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Riqueza, um Feliz Natal para si e para os seus amados.

Abraham Chevrolett disse...

Caro(a) Jeito Manso :
-Que nunca morra a alegria que há em si !
Um abraço

Gina disse...

Enquanto estiver assim é bem, é.
Feliz Natal UJM 😁😘

Maria disse...

Um santo e alegre Natal para si e para os seus UJM. Nestes tempos difíceis a família ( com os devidos cuidados, claro!) é que nós preenche a alma e nos faz sentir que a vida ainda vale a pena. Obrigada pelo seu jeito de escrever, que não é MANSO, mas eu adoro. Só um aparte: o menino Jesus está cá em casa, nasceu há 3 dias ( o meu netinho...). Tudo bom para vocês. Maria

Um Jeito Manso disse...

Obrigada a Todos!

Não levem mal mas quero aqui deixar uma palavra em particular para a Maria: toda a felicidade do mundo para o seu bebé netinho. Tudo de bom para ele, para os pais e avós e todos quantos o amam e querem vê-lo crescer feliz e saudável.

Um abraço!