Foram buscar os dois mais crescidos à colónia de férias e, na volta, passaram por cá. O mais novo andava a pedir e os manos mais crescidos também gostam muito de cá estar. Quando chegaram, ainda no carro, o mano do meio perguntou-me o que era o almoço. Disse: robalo ou dourada no forno. Atirou-se para trás, altamente decepcionado, que peixe cozido é que não. Corrigi: não era cozido, era assado. Que não, qualquer coisa menos isso. Os pais mandaram-no calar. Não quis saber e perguntou que é que eu tinha mais que pudesse fazer. Disse que mais nada.
Quando entraram, andaram a ver as mudanças. Gostaram da casa assim, mais branquinha e luminosa. Fiquei contente por ver que gostaram. A casa parece nova.
Os mais crescidos vinham cansados. Em especial ela, que na véspera se tinha deitado à uma, vinha com uma pancada de sono que era bem patente no seu semblante.
Não obstante fez aquilo que agora faz sempre: veio para a cozinha, disse que queria ajudar e perguntou o que podia fazer. Disse-lhe que eu tinha que tratar do peixe e que era preciso tratar das batatas e da salada. O meu filho resolveu que tratariam das batatas (pequenas, para cozer com casca) e a minha nora atirou-se aos tomates do meu vizinho.
E não é metáfora, não senhor.
No outro dia, depois de uma daquelas violentas sessões de limpeza e arrumação, chegámos ao fim do dia completamente arrasados. Quando, já noite, nos atirámos para o sofá, tocam à campainha que está junto ao portão da rua. Ficámos muito admirados. Àquela hora? Quem seria? O meu marido foi espreitar e veio avisar-me que era o vizinho da ponta da rua. Fui pôr-me decente e juntei-me a eles. Estavam junto ao banco de pedra que há à entrada da casa. O meu marido disse: 'O vizinho veio ver se queremos tomates que trouxe da horta'. Tinha um balde grande cheio de uns reluzentes e grandes tomates. Adoro tomate em todas as suas formas. Disse que sim e escolhi uns quantos. 'Tire mais...', disse-me ele. Tirei mais uns quantos. Uma pessoa fica naquela: tem vontade de se abastecer mas não quer abusar e tirar de mais. Mas pareceu-me que ele estava decepcionado por tirar menos do que ele esperaria. Voltei a tirar mais uns quantos. Entretanto, cansado dos seus múltiplos afazeres, tinha-se sentado no banco. As pessoas daqui trabalham todas muito. Ficámos a conversar durante um bocado.
Mas, portanto, a salada foi feita com os grandes, pesados, reluzentes e saborosos tomates do vizinho.
Entretanto, eu tinha posto o forno no máximo para que o peixe, quando entrasse, o encontrasse bem quente. Num tabuleiro grande coloquei sal, azeite, orégãos e alecrim. Coloquei os robalos e as douradas em cima, virei-os e revirei-os para que recebessem o tempero. Depois coloquei-os no forno. Passado um bocado reduzi para os 170º.
Com as batatas e o peixe em processo confeccional (confeccional de confecção) e com a salada pronta, fui dar atenção aos meninos, em especial ao mais pequeno.
Como no outro dia o referi, antes desta transformação, na sala de baixo, tinha, à vista e à disposição das crianças, vários brinquedos, nomeadamente os carrinhos que eram do meu filho. Hoje o mais pequeno quis saber onde estavam. Mostrei-os: arrumados num móvel na salinha da parte mais antiga da casa. Sentou-se logo no chão a brincar com eles. Mas depois disse-me que gostava mais quando estavam no outro sítio. Então ajudei-o a trazer alguns para a sala aqui ao lado, uma sala que têm portas de vidro e de onde se vêem as árvores.
Passado um bocado disse-me: 'anda, vamos fazer uma caminhada até ao meu caminho preferido'. Disse-lhe que tinha que se calçar. Então, como tinha deixado as havaianas à porta da cozinha, saímos por ali. Foi para um lado, a correr e a dizer: 'anda, vamos fazer a caminhada' mas logo parou: 'acho que o meu caminho preferido não é por aqui'. Olhou em volta. Depois disse-me: 'onde é a zona onde estávamos?' e acrescentou: 'é que dali eu sabia para onde queria ir...'. Acho uma graça à forma como se exprime, o vocabulário perfeito, a dicção perfeita. Fomos, então, até junto às portas de vidro da sala em que estava a brincar. Disse-lhe: eu acho que sei onde queres ir. E levei-o. Mas não estava convencido. Disse-me: 'Acho que não estou a ver o meu caminho preferido. É um caminho com muitas árvores...'. Mas caminhos com árvores há muitos. Pensei que talvez fosse o sítio onde, há uns dois anos, construíram uma casinha de troncos. Ficou contente de revê-la mas nitidamente era outro o lugar que tinha em mente.
Mas já o meu filho e o meu marido chamavam, dizendo que as batatas e o peixe já deveriam estar. E estavam.
Portanto, procedeu-se ao almoço. E comeram bem, inclusivamente o mano do meio que antes tinha protestado tanto.
Depois de almoço deu-me uma pancada de sono e, como os mais crescidos estavam com sono, pensei que se encostariam um pouco e que talvez eu também pudesse dormir durante cinco minutos. Mas obviamente isso é daquelas miragens que não se percebe que eu ainda as tenha. Penteei a minha menina, uma trança ao lado. Ficou linda. Aliás, ela é linda. Depois ela e o mano mais novo quiseram fazer recortes e pintar. Pedi-lhe que fizesse desenhos com lápis de cor no suporte de madeira para o rolo das mãos que um dos primos pintou. Disse-me que essa seria a tarefa seguinte pois, antes, queria fazer desenhos em papel. Enquanto isso, o mano do meio leu um livro do Asterix que o pai lhe escolheu e depois esteve a ler algumas páginas de uma enciclopédia infantil.
A seguir foram andar de trotineta, depois lanchar e depois foram-se, a minha menina com ar de quem iria adormecer no instante seguinte a sentar-se no carro (o que já sei que aconteceu mesmo). O mano reguila, que se move a pilhas de longa duração, manteve-se acordado.
E eu fui para uma espreguiçadeira, ao sol. Pensei que iria dormir mas, afinal, o sono tinha-me passado. Depois falei com a minha filha, depois com a minha mãe. Enquanto falava, ia caminhando. Quando passava ao pé de uma figueira, apanhava um e comia. Doces e carnudos de dar gosto. Tão bom estar aqui. Tão bom, tão bom. Paz absoluta, luz doce, silêncio do bom.
Quando regressei já anoitecia. Os dias estão cada vez mais pequenos. O outono aproxima-se a passos largos. Apesar de preferir os dias grandes e luminosos e de haver já no ar o prenúncio do seu fim, gosto desta altura do ano. É uma altura carregadinha de promessas. Sinto a mesma coisa que sentia quando as férias grandes se aproximavam do fim e o ano lectivo se fazia anunciar com novos colegas, novos professores, novas matérias, novas aventuras. É o ano que começa e, com ele, todas as boas expectativas.
Começar de novo. Tão bom.
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Fotografias de avós e netos da autoria de Sujata Setia na companhia de Isak Danielson que interpreta Start Again
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Desejo-vos um feliz dia de domingo
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