sábado, maio 16, 2020

Nem sei bem que título hei-de dar a isto





Não sei se vou habituar-me a andar regularmente de máscara. Até ver, só a tenho posto quando estritamente necessário e, mal posso, retiro-a. E, na operação de pôr e tirar a máscara, deixo cair o telemóvel ao chão, pouso o saco que trago na mão, faço tudo o que não devo, supostamente contamino tudo o que deveria trazer preservado. No durante, sinto calor, apetece-me desopilar, deitá-la fora. Sempre fui encalorada, de andar esgargalada, nunca consegui usar gola alta, atravesso o inverno com amplo decote. O meu marido diz que, se toda a gente consegue, eu também vou conseguir. Mas custa-me, atenta contra a minha natureza.

Abro as revistas e vejo que há máscaras fashion, a condizer com a roupa ou, pelo menos, adequadas aos mais diversos dress codes. Olho e tudo me parece longínquo. Nem as máscaras nem a necessidade de as usar ou de me preocupar com a aparência.

O meu filho dizia-me há pouco que o trabalho deve ter alguma componente presencial para não se perder o sentido de pertença ou de amizade pelos colegas ou aquele vínculo que se alimenta de pequenas coisas do ambiente de trabalho. Se calhar é isso que já começa a faltar-me. Estou nos assuntos, envolvida até ao pescoço mas, dentro de mim, o caminho no sentido do desligamento começa a querer instalar-se.

Por exemplo, um tema que era meu, génese minha e tudo meu até que tivesse forma para andar por si, tema pelo qual lutei e dei o corpo às balas, hoje dei a outro para apresentar. Ele admirado: mas eu? o assunto é seu... E vi que estava intrigado, a tentar perceber que coisa se escondia sob a capa daquela minha estranha decisão. Não dei grandes explicações, desviei-me do assunto. Mas dentro de mim pensei que ele precisa de se afirmar, de ter visibilidade, de percorrer um percurso, e que a mim só me apetece é ver-me livre de trabalhos. 

Outras pessoas hoje perguntavam-me como vai ser, quando vai ser. E eu com vontade de dizer que não estou nem aí. Mas lá fui respondendo.

O dia foi preenchido para além da conta. Não estou a saber sacudir o suficiente e se calhar a culpa é minha. Não sei sacudir o trabalho de mim. Pelo contrário, parece que atraio.

Pelo meio choveu torrencialmente, uma coisa absurda. Não sei que coisa é esta. Tanta a força que fazia tanto barulho que quase parecia o barulho do granizo. E trovejou absurdamente. Não consegui ir à rua e isso cansa-me ainda mais. cansa-me estar fechada em casa.

Cansam-me os fulanos que lêem o telejornal e que gostam de puxar ao sentimento. Fugimos do Rodrigo Guedes de Carvalho mas fomos dar com outro que tal, o José Alberto Carvalho. As notícias ditas por eles parecem-me daquelas sopas doces, meladas, horríveis. Uma seca. Não se consegue ver televisão.

A minha mãe foi sair e disse-me que, ao princípio, lhe parecia que ia quase trôpega, que parecia que já nem sabia bem andar na rua. 

Não sei se irá acontecer-me o mesmo quando regressar à minha vida anterior. Parece que já me esqueci de tudo. Nem conduzir tenho conduzido. Será que ainda sei? E tenho andado a pensar em qual seria o código do meu cartão de crédito que é também de débito. Não me lembro. Se tiver que comprar alguma coisa, não sei como pagarei. 

Mas há coisas de que não me esqueci. De que nunca me esquecerei. Memórias das quais me alimento, memórias boas, só minhas. Fluem num contínuo, como água ou incógnitas palavras escorrendo por entre pedrinhas da serra, como o abençoado canto dos pássaros, como sentidas e inocentes declarações de amor. Sonhos, rêveries, folhas soltas, sombras, intangíveis vultos, caligrafias inventadas. Coisas assim, inexplicáveis. Coisas que nada têm a ver com nada e, neste contexto, que muito menos têm nada a ver com o que acima escrevi. 

Vou mas é ouvir o homem cuja voz já está impregnada de poesia. E tudo o resto é conversa. Não é?

(Estou a dormir, não sei se já repararam)


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Fotografias de  Scarlett Casciello ao som de Aurora a interpetrar Exist For Love

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E um bom sábado para vocês aí, ok?

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