segunda-feira, outubro 21, 2019

"A realidade é aquela coisa que não se vai embora quando se deixa de acreditar nela." *





Se vos contasse o que me apetecia poder sentir a liberdade de cortar amarras, de partir à descoberta, começar uma nova vida. 
Bem, não todas. Há amarras que não são amarras, são laços, laços indestrutíveis. Desses jamais me poderei separar. Mas há outros que sim. Facilmente seria capaz de desfazer os nós e sair sem voltar para trás.
Sinto, por vezes, que me poderia abeirar de uma estrada nova onde me sentiria como me gosto de me sentir: sem saber o que vou encontrar.


Lembro-me quando fui a uma entrevista há muitos anos, sem saber nada, nem qual a empresa, nem o que ia fazer. Fui. Quase como se fosse de olhos vendados. Lembro-me de quando comecei a trabalhar nesse sítio depois de passar por entrevistas, algumas bem desafiantes. Mandaram-me apresentar num sítio onde antes nunca tinha ido. Não fazia ideia. Fui à aventura. Quando fui ao departamento de recursos humanos fiz algumas perguntas que deixaram a pessoa que estava a acolher-me muito espantada: mas não se informou antes? Aceitou o emprego sem se informar? De facto, não. E estar a ocorrer-me ali fazer aquelas perguntas até a mim me surpreendeu.

Ao contrário de outras pessoas que se informam, que estudam tudo antes de para irem a algum lado, eu gosto assim. Blind date. É como quando vou visitar outra terra. Conheço quem estude os locais, os restaurantes, estabeleça percursos, e vá conhecer a terra como se fosse apenas confirmar na prática aquilo que já conhece na teoria. Eu não. Quero descobrir, quero surpreender-me.

E é o que me apetece: iniciar uma nova ocupação, conhecer outras gentes, outro mindset. Encalhei no mindset e tive que ir ver a tradução. Mentalidade. É isso: outra mentalidade, outro comprimento de onda, outro ambiente, outras palavras. 


Uma das vezes em que uma das empresas passou por uma fusão foi, para mim, um entusiasmo. Disseram-me, tal como disseram a outros colegas: agora vai ser responsável também por aquilo. E aquilo era algo que eu desconhecia em absoluto: o local onde trabalhavam, o que faziam, quem eram. Enquanto os meus outros colegas ficaram a processar, a avaliar como fariam a abordagem à pista, a estudar processos e os perfis das novas pessoas eu, para surpresa geral, no dia seguinte meti-me no carro e, sem aviso e às cegas, apareci lá. A surpresa de todos, incluindo a minha: foi uma coisa boa, uma daquelas emoções que nos enovela o estômago e nos põe um frémito no corpo todo. Falem-me de vocês, digam-me quem são, contem-me o que fazem. E assim foi: estivemos um dia à conversa. Saí de lá com ideias novas, parecia que tinha entrado num mundo novo. 

Mas agora nem era isso que me apetecia, isso já me parece pouco. Agora era mesmo um outro rumo, uma profissão diferente, hábitos culturais distintos, gente desformatada. 

Interrompi para jogar no euromilhões porque pensei que há o lado prático e isso, na realidade, poderia ser uma ajuda.

E ando com umas ideias. Muitas ideias. 


Por exemplo, acho que isto do clima é coisa muito séria e que medidas de fundo têm que ser tomadas e que há paradigmas que vão ter que ser radicalmente alterados a curto prazo e acho que a ciência e a tecnologia têm que se focar nas prioridades: travar a desertificação, garantir o abastecimento de água potável, conseguir reduzir o aquecimento. E acho que uma destas questões vai passar por encontrar tecnologia acessível. Já entreguei documentação sobre um caminho possível para que se estude o investimento mas quem o recebeu achou a ideia tão à frente que não lhe deu a devida atenção. E eu acho que não estão a ver bem. E acho que é coisa para o Governo, as empresas e as universidades trabalharem em conjunto. Estou a querer puxar pelo lado empresarial mas, às tantas, se calhar deveria puxar por outro. Ou insistir. 

Mas isso eu só gostava de lançar e de acompanhar até garantir que ia mesmo avante. Porque, no mais fundo de mim, o que eu gostava mesmo era de ter tempo para me dedicar a outra actividade, uma coisa muito diferente, um mundo muito novo. Outra gente, outros ambientes, outro mundo. 

E mais. 


Pode soar a loucura e se calhar é e, se calhar, sou meio louca. Ou completamente. Mas não faz mal.

Quando, no meu dia a dia, tenho que aturar gente medíocre que se acha a maior, gente que se agarra  aos seus pequenos poderes, gente que não consegue ver ao longe ou dar espaço a que outros despontem e se afirmem, só me apetece levantar-me e dizer que se vão catar, que já dei demais para tão infértil peditório, que tenho mais que fazer. Debato-me pois com o sentir que tenho que engolir sapos, porque faz parte, ou ser inconveniente, levantar-me, dizer que, se é para ficar, é com gente de confiança, gente capaz. 

E nem sei porque estou com esta conversa quando sei que a vida é assim mesmo. 


Tirando isso, só tenho a dizer que, talvez devido ao adiantado da hora,  tudo me parece possível, quer a capacidade para ir aguentando o lado pior da realidade quer a capacidade de manter em suspenso os sonhos, sonhando um dia poder abraçá-los.

E depois há a natureza, minha sempre presente mestra: ensina-me, maravilha-me, encanta-me, mostra-me o que é a vida, o perecimento, a queda, mas também a reinvenção, o renascimento. 

Por exemplo (e, na verdade, não sei bem o que pretendo exemplificar). Ia a passar e sentia o perfume. Perfume fresco e limpo. Parei. Vi o que me parecia um resto de flores secas, como que um cacho de pequenas flores. Aproximei-me. Cheirei. Era dali que vinha o perfume. Ao pegar para melhor aspirar o perfume, senti que não estavam secas, estavam frescas e macias. E depois reparei que havia mais. Muitas. Muito perfumadas. Nunca as tinha visto. E, no entanto, que lindas e gráceis e perfumadas florzinhas. Que maravilhosa surpresa. Que bom auspício.


As fotografias foram feitas in heaven (e repararam que os cogumelos já começaram a aparecer? e não são lindos, uma perfeição?). Lá em cima Kenny Wheeler & John Taylor interpretam Fordor justamente de Where do we go from here.

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* Com os meus agradecimentos e o devido crédito ao ninghem que escreveu o que coloquei no título e me deixou mais dois presentes num comentário num post mais abaixo.

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E os meus votos de um dia feliz a todos vós

8 comentários:

CCF disse...

Sei como é, quantas vezes me apetece fazer o mesmo, mudar de agulha, mas talvez em sentido contrário: mais paz, menos frenesim.
~CC~

JOAQUIM CASTILHO disse...

TRANSUMÂNCIA

Levar a gravata e o fato completo,
o sorriso de conveniência
e o comportamento formal
para as terras do tempo
onde tu podes ser só tu
onde podes vestir a cor de outros rumos
a camisa de fora e umas calças quaisquer.
Ler o que gostas de ler,
ouvir a música
que sempre gostaste de ouvir
longe,muito longe,dos telefones
que tocam para ti,
das reuniões de palavras gastas
que se refletem nas paredes neutras
e do tempo que se esgota
lento.
Vieste respirar os rios
que quase esqueceste
olhar as planícies verdes,
andar ao sabor do acaso.
Em breve terás de regressar
com a esperança de um dia,
um dia qualquer, poderes voltar.

lidiasantos almeida sousa disse...

FAÇA COMO EU HÁ 5 ANOS, fui Amazónia ver as piranhas no rio amazona passei 6 dias com uma tribo de índios talvez as melhores ferias da minha longa vida de viajeira. e constatei a razao das brasileiraa em PORTUGAL SEREM COMO AS PIRANHAS.

Um Jeito Manso disse...

Olá ~CC~

E eu...? É só estar no campo, no sossego... Começo logo a pensar que ali é que estou bem, não é enfiada no trânsito, em reuniões a aturar maçadas.

Mudar de agulha, é isso mesmo.

Abraço, -CC~, e bora lá ir aguentando mais um bocadinho...

Um Jeito Manso disse...

Olá Joaquim, que bom!

Fumo branco...? Habemos um poema, que bom!

Que boa surpresa.

E é isso aí: tirando a gravata. De resto, é isso.

E que venham mais, Joaquim.

E obrigada!

Um abraço agradecido.

Um Jeito Manso disse...

Lídia, mulher!

Que saudades destes seus comentários engraçados, sempre inesperados, sempre bem dispostos. Por onde tem andado, que é feito? Tudo bem consigo? Conte coisas.

Abraço, Lídia!

Anónimo disse...

Por falar em poemas. Não é para todos. Já tentei. Daqui não saem melhor que isto.

Cantar

As palavras queria
Uma por uma, delas dispor
Agarrá-las com mãos de mãe
E com dedos de harpa
E sopro de flauta
Nelas tocar
O seu silêncio ouvir.

Se poeta febril, sonhar poderia
Mas prisão de gramática
Mas voz de embaraço
Gelo por quebrar
Coração apagado:
Quando quero cantar.

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo/a

Quem é? A querida 'Era uma Vez'? Conte. Estou curiosa.

Gostei. Venham mais. Pode ser?

Abraço!