terça-feira, julho 02, 2019

Temas que são tabu. Coisas de mulher.





Há temas tabu. Nem sei se tabu é o termo. Na volta, é apenas uma questão de reserva, de decoro, de intimidade. Não sei. 

Sei é que, nas mulheres, há coisas de que não dá muito jeito falar. Ou, então, se alguém fala, os poetas, por exemplo, é para fazer um filme. Estou a pensar na menstruação, por exemplo. Há belos poemas sobre isso: o sangue a nascer do corpo de uma mulher fértil, o ventre fonte de vida a jorrar uma seiva rubra. E tudo isso é, na realidade, uma coisa extraordinária. Sendo coisa comum, encerra em si mil significados, cada um mais fantástico que os outros. Mas isso é se a gente quiser pensar como os poetas. Ou se uma mulher quiser ver-se como é, um animal divino.

Contudo, na realidade dos dias que correm, a coisa é bem mais prosaica.

No meu caso, foi fonte de inquietação enquanto não me apareceu. Devo ter sido a última da turma. Todas já muito mulherzinhas, muito encorpadas, muito cheias de segredos. E eu, triste, ansiosa, toda ainda muito menina. Namoradeira, cheia de amores e, por dentro, cheia de medo de nunca mais ser mulher. 

Mas, algures lá para os meus catorze anos, portanto no equivalente ao actual nono ano, lá me apareceu o tão desejado sangue entre as pernas.

A partir daí deixou de ter história. Era aquela maçada todos os meses, aquela moinha no baixo ventre nos primeiros dias. Só intervalou durante cada gravidez e nos meses seguintes. Quando foi da minha filha, foram os nove meses e, talvez por estar a amamentá-la, tardou ainda uns seis meses. Quando reapareceu, assustei-me. Disse ao meu marido: 'Estou preocupada. Deitei sangue.'. E ele olhou para mim, ar apreensivo, e depois: 'Olha lá, não será a menstruação...?' E claro que era.

Até que a partir de dada altura, creio que já mais para o fim da era fértil, não me lembro bem, para aí na véspera ou antevéspera do dia,  aparecia aquela irritação que me deixava capaz de odiar a humanidade em geral e, muito em particular, os humanos que me estavam mais próximos. Ondas de raiva. Felizmente, esvaíam-se mal sentia o sangue a escorrer de mim. Li depois que era a tão mal afamada TPM. Puxa, nem quero lembrar-me disso, eu ficava mesmo brava. 

Tenho ainda a relatar aquele dia de que creio que aqui já falei. Uma coisa de que, quando me lembro, hesito entre desatar a rir ou fechar os olhos de horror.

Teria eu uns trinta e tal anos e usava o cabelo comprido. Era verão e eu tinha uma saia branca de tecido fininho. Não me lembro o que tinha vestido naquele dia para além da saia mas presumo que alguma blusa justinha, de alças, decotada. A saia era pelo joelho e abotoada à frente, desabotoando eu alguns botões para que as pernas melhor se movimentassem.  Eu estava a gerir um projecto e tinha passado toda a manhã em reunião com colegas, todos homens. Às tantas, já hora de almoço, quiseram ver qualquer coisa que eu não tinha ali mas que estaria no arquivo da minha secretária. Levantei-me e fui lá. Estava eu a procurar nos dossiers, aparece um colega que, muito corado, muito atrapalhado, me disse: 'Queria dizer-te uma coisa...'. E eu: 'Sim. Diz.' E ele, olhos baixos, tímido, 'É uma coisa um bocado íntima...'. E eu a pensar: 'Olha-me este... mas querem lá ver...?' e a dizer: 'Diz lá. O que é?'. E ele, a rebentar de corado, 'É que tens a saia... suja...'. Por uns breves segundos não percebi. Mas foram mesmo uns breves segundos porque logo percebi. Estava menstruada e, tantas as horas ali sentada, na volta o penso deveria ter-se desviado, sei lá. Ali mesmo com ele especado e atormentado à minha frente, rodei a saia e vi. Uma enorme mancha de sangue. Vermelho vivo. Poderia ser uma bela e rubra flor, uma flor de carne viva, em sangue. Mas, curiosamente, não me senti envergonhada. Não me lembro o que disse mas deve ter sido: 'Olha o disparate. Que chatice. Tenho que ir ver se lavo'. E fui para a casa de banho. 

E, pedindo a todos os santinhos para não aparecer ninguém, ali mesmo, no lavatório, lavei a grande mancha. Levei imenso tempo primeiro que a saia ficasse imaculada. O pior é que ficou encharcada e, sendo o tecido muito fino, ficou a colar-se-me às pernas. Um filme. Miss saia molhada. Pensei: 'Olha a barraquinha, agora vou para lá com a saia quase transparente, colada às pernas.  Quase pior a emenda que o soneto'. Mas tive uma esperança: 'Com um bocado de sorte, fartaram-se de esperar e debandaram'. Mas não. Sentados, bem comportados. Sentei-me e retomei e assim fizeram eles. E até hoje nenhum tocou mais no assunto. Presumo que, em privado, gozões como sempre os conheci, tenham gozado que nem uns perdidos mas, à minha frente, nem uma palavra. Vá lá.

Tirando isso, nada mais a reportar. Só que, para o fim, começou a menstruação ficar mais incerta, umas vezes abundante, outras vezes mais escassa, intercalando meses sim com meses não.
Lembrava-me de uma vizinha minha, com filhos da idade dos meus, que um dia começou a parecer-me um bocado barriguda. Nunca me ocorreu que fosse o que era até que apareceu com um bebé nos braços. Quando me viu e eu mostrei o meu espanto, revelando que nunca tinha desconfiado que estivesse grávida, ela explicou que até tinha vergonha, com aquela idade, de se ter deixado engravidar. Contou que achava que estava na menopausa, descurou, e que, mesmo durante os primeiros meses não suspeitou que estivesse grávida, achou que era mesmo assim, bye bye menstruação. E que depois foi o susto, o risco de engravidar naquela idade. 
O pior foi que, andando de bebé ao colo, pouco tempo depois, teria a menina pouco mais de um ano, a vejo outra vez com um bebé recém-nascido. Não me passou pela cabeça que fosse dela. Pensei: 'Será da filha?'. Mas não, era dela mesmo. Dizia ela: 'Nem me diga nada. Já viu este desnorte? Depois da outra bebé nascer, nunca mais apareceu o período, achei que desta vez é que tinha sido. Como andava ainda com a barriga grande da gravidez nem percebi que estava grávida outra vez. Uma pouca vergonha, uma mulher da minha idade, nem quero pensar no que havia de me acontecer...'. Passado algum tempo mudou de casa. Não apenas a casa tinha ficado pequena para dois filhos adultos e duas filhas bebés como, dizia ela, até tinha vergonha de encarar os vizinhos.
Por isso, mantive-me cuidadosa até ao fim. Sempre tive vontade de ter montes de filhos mas, se me fiquei pelos dois enquanto estava em idade razoável, não era já na fase da menopausa que iria meter-me em trabalhos.

E a partir da altura que a menopausa se instalou, também mais tarde do que a maioria das minhas conhecidas, foi um descanso. Felizmente não padeci de efeitos secundários. Não tenho irritabilidades nem afrontamentos. Só ao princípio e, que me lembre, ao todo para aí uma meia dúzia de vezes e, também que me lembre e não me perguntem porquê, sempre quando ia no carro ao fim de semana. Ou seja, não era eu a conduzir. Sei que subia por mim uma onda de calor, uma coisa abrasadora. Tinha que abrir imediatamente a janela, quase pôr a cabeça de fora, parecia que ia pegar fogo. Ao fim de uns segundos a onda esvaía-se e tudo voltava ao normal. Mas, como digo, foram pouquíssimas vezes e só ao princípio. Agora nem me lembro de tal coisa, só sei que é bom, uma liberdade de movimentos maior. Não faço tratamento hormonal porque nem eu nem a ginecologista achamos que faça falta. E sinto-me tão mulher (sexualmente activa, quero eu dizer) quanto sempre me senti. 

Por isso, se a menstruação é tema tabu e a menopausa também, eu não sei porquê: são fases da vida de uma mulher e nem uma fase nem outra comportam desgraças ou vergonhas que devam ser escondidas ou, sequer, evitadas. É tudo na boa.

O outro tema tabu é o dos pêlos. Cresci com essa de os pêlos femininos serem para ser arrancados. As minhas amigas, em especial as mais morenas, sofriam tormentos com os pelos das pernas e os das axilas. Eu, apesar da farta cabeleira na cabeça, no resto do corpo não me posso queixar. Por isso, mais uma vez via as minhas amigas a partilharem métodos eficazes de depilação, aflitas com o castigo dos pelos -- em especial, na altura da praia -- e eu, com uma penugem pouco mais que rudimentar, com pouca sapiência e sem inquietações ou experiências para partilhar. Nessas alturas, ansiava por ter 'problemas' de mulher para não me sentir a criancinha do grupo. Aquela que mais sabia do assunto, tinha uma tia que, segundo ela, era mestre na depilação com açúcar derretido. Eu antecipava o horror do açúcar a escaldar. Na altura não havia aquelas maquininhas maravilhosas que puxam o pêlo pela raiz, as silk epil. Usava, então, uma luva que, se bem me lembro, quase lixava a pele (em sentido literal) e que deixava um cheiro estranho. Lâmina nunca usei, a minha mãe dizia que, se usasse, em vez de penugem clara, ficaria com barba escura. Mais tarde, comecei a arrancar com cera. Depois converti-me à maquininha. Agora uma coisa é certa: apesar de não ser peluda, não conseguiria ver-me com pelos grandes nas axilas ou nas pernas (muito menos, claro está, nas virilhas). Não gosto. Acho inestético.

Também já aqui contei. Tenho uma amiga, psiquatra, que tem, na verdade, uma grande pancada. Sendo bem gira, bem elegante, bem inteligente e senhora de uma bela voz e de umas belas pernas, é, vá lá saber-se porquê, doentiamente ciumenta e insegura. Quando era casada, apesar de ser uma brasa ao lado do marido, roía-se de ciúmes e atormentava o pobre coitado. Por ser como era, volta e meia andava zangada com ele, o casamento sempre em crise. Uma vez, naquelas alturas em que andava possessa com ele, foi buscar-me ao emprego, queria desabafar e saber a minha opinião. Tinha um carro pequeno, desportivo. Sentei-me ao lado dela, claro. Bancos baixos, em que as saias naturalmente sobem. E foi, então, que vi, horrorizada, as pernas dela. Usava saia curta e, até onde a saia normalmente cobria, tinha as pernas depiladas. Acima, umas pernas que me pareceram quase animalescas. Tenho ideia que dei um grito, assustada: 'Que é isso?!?!' E ela, com naturalidade: 'Não estou para depilar tudo, ninguém vê...' Tenho ideia que lhe disse: 'Pudera, com umas pernas dessas que até metem medo, como é que tu queres que alguém as queira ver?'. O meu marido sempre disse que ela era mais maluca que os doentes.

Resumindo: se nos homens não gosto de depilações, prefiro tudo au naturel, já nas mulheres é o oposto. Mas isso, claro, é uma questão de gosto. Ou de hábito, sei lá.

A Billie, marca de lâminas para depilação feminina, saíu-se com um novo vídeo que me faz encolher-me de desconforto visual.

A ideia é boa: cada mulher é como é, magra, gorda, pançuda, peluda e ninguém tem nada a ver com isso. Mas, caneco, aquela mata pubiana ali nas virilhas de algumas é tão inestética... Ou será preconceito meu? Na volta, é. Mas olhem, se for, paciência.



Aliás, já o vídeo anterior, de há uns meses, provocava algum impacto.

Seja como for, tem graça e não ofende.


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E vivam as mulheres -- em qualquer estado, em qualquer idade, em qualquer situação.

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E dias felizes para todos.

5 comentários:

Anónimo disse...

Depilação a cera só uma vez. Jurei para nunca mais. Prefiro ir à praia peluda. Já fui. Se as pessoas comentam ou riem entre si é lá com elas. Às vezes, gilete com eles. Mas não sem uma certa pena. Os pelinhos nunca fizeram mal nenhum a ninguém e tenho uma certa estima por eles.
Abraço
JV

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

O seu relato, que máximo!

É verdade que estes temas são algo tabú, talvez porque impliquem processos de luto, num caso da da infância, noutro da fertilidade. Claro que não se traduz num problema maior quando a vida mental e afetiva está ajustada.

Também tivemos uma antiga vizinha nossa que engravidou na menopausa, suspeitou-se de cancro e tudo. A este casal havia morrido um dos filhos cerca de 15 anos antes, num acidente de carro.

Na questão dos tratamentos hormonais estou absolutamente de acordo, aliás o ginecologista duma tia minha que lhos receitava acabou por lhos deixar de dar na sequência da morte da esposa com um carcinoma ovárico.
A minha mãe nunca se meteu nisso e também tudo correu tranquilamente, tendo cessado a menstruação pelos 56 anos.

Quanto a pelos, sim, não sou muito fã de mulher peluda, mas há mulheres e mulheres. Definitivamente depilação nos homens só mesmo se necessária, detestaria ver-me sem pelos, aliás acho uma coisa meio jeca quem o faz por moda.

Happy days!

Um Jeito Manso disse...

Olá JV, brava e 'raçuda' JV,

('raçuda' e não 'peluda', atenção :))

Pois há-de experimentar aquelas maquininhas maravilhosas que arrancam o pelo pela raiz e não dói nada. Não sei se é mito urbano ou se é mesmo mas fiquei com aquele medo de que o corte com gilette engrosse os pelos e pelos grossos é que não...

Mas saiba que me fez sorrir... Deve ser uma pessoa bem divertida, com a sua irreverência e liberdade de espírito.

Abraço, JV. E dias felizes!

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Também já me fez rir com isso dos pelos que mantém. E de achar que há mulheres e mulheres e, portanto, numas uns pelitos são admissíveis e, noutras, se calhar nem pó...

Mas enterneceu-me isso da sa vizinha ter recebido de presente um bebé quando pensava que já não e, ainda por cima, tendo tido esse tremendo desgosto de ter perdido um filho. Uma benção, esse bebé.

E viva la vida, Francisco, que há tanto para viver e rir. E dias felizes!

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Isso mesmo!

É verdade, achei uma coisa maravilhosa, terem perdido o filho anos antes, o segundo filho já ser um homem e terem uma menina. A menina hoje terá entre 14 e 16 anos, não sei precisar o ano, mas sei que foi depois de 2002, pois a minha escola do 5o ao 9o era perto do supermercado do qual eram proprietários e a senhora engravidou já eu não andava nessa escola.

Viva la vida!!!