terça-feira, julho 30, 2019

Avistamentos no metro, conversas sobre automóveis e, com vossa licença, algumas ignoranças neste mundo pequeno


Que não se pense que me armo. Nada. Não é isso.

A questão é que, por ter que me movimentar bastante entre distâncias que são razoáveis, não apenas a nível pessoal mas, sobretudo, a nível profissional, me vejo forçada a deslocar-me de carro. E, por isso, não sei há quantos anos não ando de transportes públicos. A última vez foi há uns bons anos e foi uma pequena deslocação de autocarro (de que aqui dei conta pela diversão que foi).

De metro, então, nem faço ideia. Resmas, paletes. Muitos anos.

Ainda ontem conversávamos sobre isto: o mundo desorganizou-se de uma forma irracional. 

O número de carros que invadiu as cidades é um absurdo. Há gente demais a trabalhar longe das suas casas, tendo que se deslocar bastante. Como frequentemente não há transportes directos acabam por usar o carro, em especial se tiverem que incluir no trajecto a escola dos filhos. Tenho alguns colegas que usam os transportes públicos mas apanham quatro transportes para chegar ao emprego, consumindo nisso quase duas horas (duas para cá mais duas para lá). Esses são os que não têm dinheiro para irem de carro. 

Uma coisa horrível, horas de vida desperdiçadas.

E sei do que falo pois, apesar do cu tremido, não são negligenciáveis as horas que também estupidamente desperdiço.

As ruas estão pejadas de carros. Nas ruas, em pára-arranca, nos passeios, em cima dos passeios. Carros, carros e mais carros. Já nem falo na poluição, problema maior. Falo agora na invasão territorial, retirando a possibilidade às pessoas de andarem nos passeios, desfrutarem a cidade. 

No dia em que os aspectos da sustentabilidade do planeta e da qualidade de vida das pessoas forem levados a sério, uma quantidade de políticas integradas e disruptivas terá que ser posta em marcha.

[Pena que, em vez de se limitarem andarem de roda de temas do tamanho de golas, os políticos não se ocupem de coisas verdadeiramente relevantes)

Este punk alternativo,
leva uma tira de entrecosto na cabeça

Não sei se as medidas passam por fazer pesar crescentemente a fiscalidade sobre cidadão em cujas habitações exista mais do que um carro, se simplesmente por aumentar os transportes públicos de qualidade. Ia escrever de qualidade e rápidos mas não é preciso pois, mal se consiga reduzir o número de carros em circulação, o trânsito fluirá melhor. E outra coisa que, de resto, já se vê bastante em Lisboa: ter cada vez mais vias bus. Se se facilitar a vida aos transportes e complicar aos carros individuais os hábitos começarão a mudar. 

Mas, enfim, quando a questão é sistémica, para actuar sobre ela é preciso actuar em todas as suas variáveis. E são tantas. Portanto, nem vou aqui dar palpite porque o assunto é sério, é para urbanistas, para gente que estudou e sabe do assunto, não para amadores especialistas em palpites.

Agora uma coisa é certa: um dia que me veja livre desta coisa de trabalhar parte do tempo numa cidade diferente daquela em que vivo e no resto do tempo numa terceira cidade, é muito provável que compre um passe social (e baratos como estão ainda melhor) e me desloque quase exclusivamente  em transportes. Nem sei até se, sendo velhinha, não terei ainda rebuçadinho exta. Claro que, para ir a casa dos meus pais ou para o campo, irei de carro mas, tirando isso, vai ser uma liberdade fantástica. Só o facto de não ter que andar às voltas para ver se descubro um lugar para deixar o carro me parece um alívio extraordinário.

Reparem na bolsa que o senhor leva na mão
(mais do que uma bolsa,
uma escultura em madeira)

E depois há outra: tenho ouvido dizer que as estações de metro estão uma graça, com obras de arte, coisa de dar gosto. Quando confesso a minha pecha, não acreditam e vão desfiando: 'Mas quê?! Nem a do Chiado?!' e vão dizendo uma atrás de outra. Galeria de arte que um dia terei mesmo que frequentar.

Quando andava a estudar, deslocava-me de metro que me fartava. E gostava. Arranjando-se lugar sentada, então, até dava para ler. Bem bom. 

Como sempre gostámos de fotografia, durante alguns anos assinávamos a Photo. E lembro-me bem de algumas reportagens feitas no metro de Nova Iorque, Coisas do além, as que se viam. Por cá tudo muito neutro, muito mediano e, por lá, de vez em quando, cada excêntrico, cada exótico mais engraçado... 

O Bored Panda tem uma série também cheia de imagens insólitas. 45 Funny And Strange Things Spotted On the Subway 

Estive a ver de gosto (e aconselho a que vão até lá para ver se também não ficam a ver de gosto como eu). Da minha parte, ainda maior teria sido o gosto se pudesse tê-las visto ao vivo e, oba!, fotografá-las.

Acho mil vezes mais piada a coisas assim do que ver gente muito emproadinha.

No outro dia tive um almoço de trabalho num dos restaurantes icónicos da cidade. É grande, muito bem decorado, muito caro, cheio de empregados que se sentem gente muito importante, nobres de gema. Enquanto lá estive, vi chegar, em separado e para mesas distintas, um reputadí$$imo e pentadí$$imo advogado da nossa praça, pouco depois um conhecido especialista numa dada matéria e, por isso, presença assídua nos comentaderos da TV e, pouco depois, o empertigadote líder parlamentar de um partido da oposição acompanhado por um trio que cá para mim eram de um jornal (e a ver vamos se, um dia destes, não vai sair uma cena daquelas 'à mesa com'). Tudo gente apertadinha, daquela que não parte um pratinho, gente dentríssimo da caixinha, sem um fio de cabelo descomandado-zinho. E eu, igualmente rodeada por ilustres cavalheiros bem comportados, só pensava que haveria de ter graça se, numa mesa qualquer, alguns dos comensais, indo ao engano, se apresentassem em contramão, ruidosos, uns declamando poesias do Bocage, outros cantando canções de escárnio e maldizer. Isso, sim, é que era. Mas não. Tudo bem comportado do princípio ao fim. Além disso, o arroz estava mal cozido, encruado. Não paguei a conta mas é daqueles almoços que grátis mais grátis não pode haver. Além disso, puxa, a pagar é que lá não punha os més. Mesmo.

Cenas.

Cá por mim, mal por mal, mil vezes preferia ir passear com um cacho de bananas pela trela.

Cá está:
um cacho de bananas com uma trela, como se fosse um animal de estimação
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E, a despropósito, dois vídeos muito bons com o doçura e o afecto que o sotaque brasileiro confere à língua portuguesa


David Sacks, que gravou com Tom Jobim, e Nelson Faria tocam e conversam sobre a Bossa Nova



E uma vez mais, aqui, um vídeo precioso pela voz e pelas coisas extraordinárias que a voz diz:

Manoel de Barros - O Livro das Ignoranças, Mundo Pequeno e Autorretrato


E agora vou dormir uma little sesta que o meu corpo continua a exigir que eu reponha as horas que não usei na noite de sábado para domingo. Se acordar pode ser que ainda cá volte porque hoje é daqueles dias em que assunto tenho bué

4 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Não há nada como os transportes públicos, especialmente o Metro, mas para quem vive nos arrabaldes e tem de apanhar não sei quantos, o dilema entre as bichas de trânsito e as voltas coloca-se e as mais das vezes ganha o enfrentar das primeiras e uma cidade entupida de carros.
Não é por acaso que o concelho de Mafra teve um boom impressionante de população, pois tem ligações diretas ao Campo Grande, sem grandes stresses de trânsito, depois é só apanhar o Metro ou o Bus e já está. Até daqui das Caldas, diz que são mais de 300 assinantes dos passes para Lisboa que incluem Metro e Carris, o que é verdade é que há mais de 50 Rápidas por sentido nos dias úteis.

Eu aí safava-me porque a casa da minha tia, onde vivia durante a semana, é no Bairro Azul e a faculdade na Cidade Universitária.

Isto tem de ser tudo bem trabalhado a bem do ambiente e do prazer de viver as cidades.

Dias felizes.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco

Quando eu andava a estudar e acabei o 3º ano, resolvi dar aulas. Falaram-me numa escola que ficava a uns quinze minutos da faculdade, indo de autocarro. Fiquei lá colocada. Pouco depois casei-me. E fiquei a morar lá. Tudo tão perto e tão rápido. Só que a seguir veio o boom de crescimento. Os quinze minutos transformaram-se em muitos minutos. Mas aí já estava com os filhos na escola, com amigos, não queriam mudar.

Claro que se fosse recomeçar a minha vida profissional, equacionaria tudo de outra maneira. Mas sabe-se lá se as coisas, um dia destes, não mudam outra vez? Aliás, já mudei tanto de local de trabalho, muitas vezes não por ter mudado de empresa mas por a empresa ter mudado de lugar. Já trabalhei muito mais longe do que acora, todos os dias fazia acho que uns ceno e trinta quilómetros, já nem me lembro bem.

Agora já só penso é como foi possível que o interior se desertificasse, que Lisboa e arredores tenham crescido tanto, que os acessos se tenham tornado tal inferno.

Tem que se reverter isto a bem da qualidade de vida de toda a gente.

O Bairro Azul é uma maravilha, tão perto da Gulbenkian, do Parque Eduardo VII e da Estufa Fria. E ninguém anda a pé por essas bandas, acho eu, mas até é percurso que se fazia bem, ir a pé do Bairro Azul para a Cidade Universitária.

Mas as Caldas e S. Martinho são outra paz.

Abraço, Francisco. E um dia feliz.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Faz-se rápido! Eu andava e ando a pé por esses lados, quantas vezes vou de Sta. Maria à Gulbenkian quando o tempo está bom e vou para a "rápida" no Campo Grande a pé.

Caldas de paz não tem nada, embora adore a cidade, o trânsito vai a sítios onde já tinha deixado de ir o que torna os passeios pela cidade a resvalar ao desagradável, nomeadamente refiro-me à antiga rua principal que desce para a Rainha. Quando se remodelou o largo da Câmara abriu-se de novo o trânsito quase sem restrições nessa rua, só que as as obras já acabaram há mais de 4 anos e a coisa não foi revertida, além disso quando remodelaram o largo da Rainha tramaram quem vem da rua do Parque, que tem STOP face a quem sai da Rotunda para a rua que sobe para a Praça da fruta e depois ainda se tem de dar prioridade a quem vem da rua que falei anteriormente, quando idealmente essa rua deveria voltar a ser restrita e ter sinalização de cedência de passagem face a quem vem da rua do Parque. Outro dia estive uns dois minutos para conseguir passar, contando com os carros à frente que iam conseguindo a conta-gotas.
São Martinho é bem melhor, mesmo quando a praia enche.

Um abraço e boa 5f.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Eu, quando posso, também tento andar a pé, gosto imenso de andar a pé. Por vezes também gosto de andar de carro e, em dias de música ou entrevista boa, até nem me importo de apanhar trânsito. O pior é quando tenho pressa, estou metida no carro, o carro não anda, não tenho escapatória, e me vejo metida num par de carros.

Um dia as cidades vão ter que pensar seriamente na qualidade de vida das pessoas em detrimento de pensarem sobretudo em parques de estacionamento, parquímetros e etc.

Sorte a sua de poder morar numa terra onde ainda há qualidade de vida a sério, um lugar, ainda por cima, abençoado pela natureza.

Abraço!