terça-feira, junho 28, 2016

Ela foi a primeira a usá-lo entre as pernas.
Escândalo! - exclamaram muitos.
Devem as mulheres ser completamente abolidas? - perguntou Clementine Churchill.
Respostas absolutas não sei, falo só por mim (e mesmo assim, oh oh)





Hoje ouvi que Guilhermina Suggia, nascida em 27 de Junho de 1885 e de quem já aqui várias vezes falei, causou escândalo ao tocar com o violoncelo entre as pernas. As mulheres tocavam-no colocando-o de lado. Não ela.

Aquela a quem também hoje ouvi que chamaram Paganina, mulher emancipada, de vontade vibrante e de paixões exuberantes, impôs o seu mérito e o seu querer numa época em que as mulheres eram pouco mais do que um sub-produto da espécie humana.

A sua vida e a sua arte são excepcionais, tanto mais que, num Portugal provinciano e acabrunhado, uma atitude livre como a dela, a expunham a todo o tipo de crítica social.

Mas Guilhermina não se sentia intimidade por ser uma mulher num mundo de homens.
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Não faz grande sentido, depois de falar de Suggia, puxar-me, eu, a mim para o palco. Mas não tenho, assim de repente, aqui à mão, um exemplar feminino que conheça tão bem como me conheço a mim. Não é exibicionismo, é mesmo falta de matéria prima.

Então, com vossa licença:


Desde há mais de mil anos que chefio pessoas. Na maioria, tenho chefiado homens até porque sempre trabalhei em empresas ou em departamentos em que há uma notória preponderância masculina.

Tinha 30 anos e já chefiava uma equipa heterogénea de gente de todas as idades e hábitos. Chefiar mulheres era, então, uma excepção e um prazer. Chefiar é para mim natural. Agora não se diz chefiar, diz-se liderar. Gosto de liderar mas o meu estilo de liderança, segundo reza a teoria e conferem os técnicos da coisa não é uma liderança directiva mas sim inspiradora. Não tenho paciência para explicar o que têm que fazer nem para andar a controlar se já fizeram. Espero, sim, que apareçam com as coisas feitas e que me surpreendam. O meu maior desejo em relação às equipas que lidero é que sejam mais criativas que eu, que inovem, que ousem, que me ensinem. Depois fico toda contente, faço com que o trabalho deles seja conhecido e, sobretudo, reconhecido.

Se não podem ir trabalhar, não vão, se lhes dá jeito ficarem algum dia em casa, que fiquem. Ao princípio, os meus colegas olhavam-me de lado, quase me censuravam como se eu fomentasse as baldas. Nada. Faço defesa intransigente do direito de cada um a gerir o seu tempo e a sua vida -- e arreliam-me as pessoas que acham que devem sacrificar a vida pessoal -- e apenas quero que cumpram ou superem o que era suposto.

Tanto trabalho bem com homens como com mulheres. Mas há diferenças. Os homens são muito de não assumirem dificuldades, de não pedirem ajuda, são muito daquilo a que se chama 'orgulho besta', coisa que não aproveita a ninguém nem a eles. As mulheres assumem mais facilmente as suas fragilidades, esforçam-se mais genuinamente para trabalharem em equipa. Mas, se motivados, todos são bons e eu não faço diferenças. 

De vez em quando sou objecto de comportamentos cavalheirescos por parte dos meus subordinados homens. Armam-se em meus protectores e isso não só me surpreende como me enternece. Contudo sabem todos que, haja o que houver, têm em mim a sua defensora absoluta e que, em qualquer guerra (que, nas empresas, volta e meia há) podem contar com a minha presença na linha da frente.

Na sociedade, em geral, ainda há, contudo, um peso demasiado débil da representação feminina: não apenas nos órgãos de gestão das empresas mas também nos governos ou nas demais instituições as mulheres estão em minoria.

Há muitos homens que ainda não vêem com bons olhos serem liderados por mulheres: geralmente são os mais palermas ou caguinchas que assim pensam.

Mas há também muito, da parte das mulheres, um certo complexo de inferioridade, acham que têm que provar o seu valor. Ora não têm que provar nada, têm apenas que ser como são e, nas respectivas áreas, serem competentes, sérias, genuínas. E, sobretudo, não têm que morder os calcanhares umas das outras. Há nas mulheres, em muitas mulheres, uma raivinha (encapotada ou não) contra as mulheres que não são, nem se armam em coitadinhas. Outras vezes, algumas mulheres, ao quererem mostrar que são donas da sua vida, tal o descontrolo e a ânsia de o fazerem, perdem a subtileza, roçam a vulgaridade, parecem que querem mostrar que são mais carroceiras do que o mais carroceiro dos machos-alfas.

Qualquer destas atitudes é contraproducente. As mulheres, tal como os homens, se querem ser respeitadas, têm que saber dar-se ao respeito.

Mas, enfim, é um caminho - acho eu e escuso de dizer que o caminho se faz caminhando.
Energúmenos, machistas, parvalhões (de ambos os sexos) e, até, verdadeiramente misóginos sempre os houve e sempre os haverá. É preciso é que sejam cada vez em menor número e cada vez mais alvo de rejeição social. 
Um caminho, pois. Um caminho que, apesar de vir sendo percorrido há tantos anos, parece que ainda agora começa a ser trilhado, tão incipientes são, em algumas áreas, os resultados alcançados.

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"Ought women not to be abolished all together?


[Louise Brealey lê Clementine Churchill que escreve ao editor do The Times (28 Março 1912)]


On March 28th of 1912, an eminent bacteriologist named Almroth Wright wrote a lengthy, pompous letter to The Times in which he argued that women should not be allowed to vote, and in fact should be kept away from politics altogether, due to their supposed psychological and physiological deficiencies. Unsurprisingly his opinion generated many responses, the best of which was the following witty letter from "One of the Doomed," printed in the paper two days later. Unbeknownst to all, its sender, "C.S.C.," was 26-year-old Clementine Churchill


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Lá em cima Suggia, com Reginald Paul no piano, interpretam Fauré: Sicilienne Op. 78 for Cello & Piano

As fotografias da parte do texto em que falo de mim são da autoria de Helmut Newton.

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E queiram, por favor, descer até ao post seguinte no qual faço uma decisiva confissão.

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