Dia de praia. De manhã, entre névoas brancas. Ao fim da tarde, uma acalmia doce e o sol a pôr-se. À noite, a lua entre os barcos da beira d'água, vultos marinhos, sussurros, a música das ondas, da espuma deslizando na areia.
Dia, portanto, todo feito de mar, de maresia, de homens com asas caminhando na areia, as asas querendo voar, as asas fingindo ser asas de pássaros tranquilos, e eles, em silêncio, caminhando junto à água.
Dia também de flores belas -- e efémeras como são os seres frágeis que ninguém sabe amar de verdade. Na areia, entre cardos e sol, nascem flores assim, brancas, elegantes, perecíveis como os olhares sem destino.
Dia também de flores belas -- e efémeras como são os seres frágeis que ninguém sabe amar de verdade. Na areia, entre cardos e sol, nascem flores assim, brancas, elegantes, perecíveis como os olhares sem destino.
Não te escondas no silêncio de uma muda flor
E dia de flores ásperas de cores azuladas, quase irreais, cores que os meus olhos inventam. A perfeição intangível e invisível. A beleza que os homens ignoram, apressados, querendo o inalcançável e cegos ao que têm junto a si.
E depois o dia esvai-se, as cidades perdidas em neblinas, as nuvens envolvendo as casas, as serras diluindo-se no céu, o mar adoçando-se. Não há ninguém no mundo. Apenas silêncio e paz.
Sugestões, insinuações, carícias murmuradas como ondas suaves. E ninguém para as ouvir. Pela beira da água caminham uma mulher, um homem, transparentes os dois, silenciosos, invisíveis, inventados. Mas ninguém os vê, nem eles próprios suspeitam da sua própria e apaixonada existência.
E eu caminho, secreta, pela beira da água e, como eu, uma gaivota caminha sobre um espelho. Uma pertence ao ar onde caminha e voa e outra, o seu reflexo, pertence ao espelho e só a água sabe da sua existência, a gaivota e o seu outro-eu, unidos, descobrindo-se, iguais, o coração de uma batendo ao mesmo tempo que o coração do outro, o reflexo secreto. A gaivota é feliz, vive rodeada de espelhos, tem o mar imenso para ela. E eu feliz olhando-a, à minha irmã.
Mar e vento, meu tormento, minha solidão
E depois vem a noite, descem dos céus os sonhos, a gaivota esconde-se, o seu reflexo desaparece. As luzes do outro lado acendem-de, o perfume do mar intensifica-se, de lá sobe o cheiro das sereias, das mulheres que vivem no fundo do mar.
Na areia há barcos. Poderiam ser leitos de amor. Talvez as sereias procurem barcos assim, coloridos, assentes na beira da praia, cobertos pela noite escura, talvez lá dentro se escondam os reflexos perdidos das gaivotas que gostam de caminhar livres olhando as mulheres com asas.
Dois amantes naufragados, nesse mar de amor
No céu negro está um pequeno esboço de lua. A gaivota esqueceu-se de a desenhar toda e a mulher com asas que subiu de dentro do mar escondeu-se, silenciosa, paciente, no fundo do barco que o pescador trouxe para a estrada. Espera. Sabe que a noite lhe trará súplicas, cânticos, sons de amor, confissões silenciadas.
O pescador virá, mãos ásperas e subtis, um olhar líquido, um peito vasto, um abraço onde apetecerá naufragar. E as ondas subirão do mar para o corpo do pescador e do pescador para a mulher onde o pescador veio navegar.
Nessa tarde que a lua, já se mostra tão nua
Depois, quando a madrugada se anunciar, o pescador retirar-se-á, arrastará o pequeno barco para as águas, para longe, em busca de peixes azuis, escorregadios como corações vivos, nadando num mar de amor. A essa hora a mulher estará já longe, perdida entre grutas brancas com paredes de vidro, e a mulher sentir-se-á transparente, respirando ar condicionado, esquecida de homens com asas, de flores inventadas, de espelhos que reflectem espelhos. Será outra mulher, a mulher outra que vive dentro de si.
Mas, de vez em quando, fechará os olhos, respirará fundo e lembrar-se-á de como são floridas as árvores da beira da praia, árvores carregadas de flores perfumadas cor de rosa, e quase verá, no céu, o esboço de lua que a gaivota se esqueceu de completar, impaciente que estava por vir passear junto à água, para ouvir o coração sonhador do reflexo que, com ela, caminha sobre as águas.
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As fotografias foram feitas este domingo, a horas diversas, em duas das praias do vasto areal da Costa de Caparica
Melody Gardot interpreta Se você me ama
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Quero ainda pedir desculpa a todos os Leitores a quem não respondo a mails há mais de duas ou três semanas. Tenho andado cheia de trabalho, de festas de anos, de cansaço. Vou tentar responder esta semana (embora a tenha já também carregada de reuniões e com mais um aniversário a festejar). Leio os mails que tão generosamente me escrevem mas não quero responder a correr e, por isso, vou retardando e depois dá nisto, um atraso que já mais vos deve parecer uma falta de educação. As minhas sinceras desculpas.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana, cheia de boas surpresas, e de saúde, e de alegrias -- a começar já esta segunda feira.
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4 comentários:
quando falam-me de malta da medicina, penso sempre em pessoas como a deste vídeo - https://www.youtube.com/watch?v=2IU9emzBDRA
a alegria estampada no rosto do miúdo e do Pai, uma vida(s) que ganham novamente sentido
Bob Marley
Parabéns pelas excelentes fotos.
Que belas fotos, cara UJM! E que inveja, também! Vivo a um par de quilómetros do mar, mas não posso fazer praia. O médico proibiu-me. Em abril fui submetido a uma operação cirúrgica, em razão do aparecimento de um cancro na bexiga (substituíram-me a bexiga por um pedaço de intestino) e agora tenho uma barriga que parece a barriga do Frankenstein. Só cicatrizes tenho cinco. Se eu as mostrasse na praia, toda a gente fugia!
Olá Fernando,
De facto, sem querer, as pessoas tendem a olhar para o que não é usual mas o que é preciso é que quem é portador de alguma diferença encontre força para suportar esses olhares. São naturais assim como é natural que fiquem marcas das intervenções sobre o corpo.
De qualquer maneira, pode sempre usar uma tshirt pois há prazeres a que não nos devemos furtar e o contacto com a natureza e, em especial, com o mar, é um deles. Ainda por cima, morando num sítio tão bonito com um mar tão lindo, acho que lhe deve fazer bem ir para o pé dele. Ver o mar cura muita coisa, até os medos ou a recordação recente de um susto que não deve ter sido pequeno. Pode não ser praia no sentido tradicional do termo mas talvez possa caminhar, como eu faço, pela beira da água, e em vez de apanhar sol no corpo, usar calções e tshirt. Talvez à tardinha para o sol já não estar agressivo.
Por fim: espero que o seu corpo já tenha aprendido a viver com a sua nova realidade e que tudo funcione como se nada tivesse acontecido. E que a vida continue como antes, boa, descansada, e que muitos e muitos bons anos de novas descobertas se sigam, vividos com o prazer de viver e descobrir. Saúde e felicidades, Fernando.
E um dia muito bom, com sorrisos.
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