Alheada das coisas da Igreja Católica - que sempre achei que era um clube de portas fechadas, exclusivo, uma entidade castigadora, castradora, que tendia a tornar os seus praticantes falsos, hipócritas ou punitivos ou, ao contrário, ovelhas submissas - a mim todos os Papas me deixavam indiferente. Ao último antes deste, Bento XVI, então, achava um homem de sacristia, um intelectual inútil (para que servem os intelectuais de sacristia quando o mundo se desagrega e se querem é soldados e casas de portas abertas?).
Mas eis que Jorge Bergoglio é escolhido e assoma à varanda e, como um entre iguais, cumprimenta a multidão que o aguarda, diz boa noite, agradece a presença dos outros, pede-lhes que rezem por ele. Humilde e próximo.
Mas eis que Jorge Bergoglio é escolhido e assoma à varanda e, como um entre iguais, cumprimenta a multidão que o aguarda, diz boa noite, agradece a presença dos outros, pede-lhes que rezem por ele. Humilde e próximo.
E depois vai a Lampedusa e pede que chorem por aqueles por quem ninguém chora, e lava os pés a jovens delinquentes, e abraça gente deformada e pega crianças ao colo e diz aquilo que eu acho que deve ser dito.
E, inesperadamente, vejo-me comovida com este homem.
E, inesperadamente, vejo-me comovida com este homem.
Assim é a Igreja que faz sentido: abrangente, inclusiva, humana, defensora das pessoas, pretendendo evitar o mal (e não ficar cobardemente calada perante ele para se limitar a dar consolo às vítimas).
De que interessa a piedade e a caridade quando se fica tibiamente calado perante a injustiça e o Mal?
A verdadeira generosidade e justiça está em lutar contra o Mal, a favor das pessoas, a favor do bem das pessoas. Se não for pelo bem das pessoas, então que sentido tem o poder?
Hoje voltei a ficar emocionada ao ler a mensagem de Francisco. Emocionada mesmo. Não sou de me confessar, de comungar, de dobrar o joelho, de pedir a bênção. E, no entanto, depois de ler aquilo, se Francisco me aparecesse pela frente acho que me dobraria a seus pés para lhe agradecer.
Faço parte da classe privilegiada. O que tenho devo-o sobretudo ao meu trabalho mas, pelo fruto do meu trabalho e apesar de violentamente roubada por Passos Coelho, continuo a fazer parte do grupo que ainda vive sem dificuldades. No entanto, a minha natureza leva-me a defender a igualdade de oportunidades para todos, a defender a educação e a saúde incondicionais para todos, a defender o desenvolvimento do País e a defender, sobretudo, que se faça tudo para que as pessoas se sintam confiantes e felizes no seu País. Essa é a minha forma de lutar contra a pobreza, a exploração, a indignidade de que sofrem os desempregados, os velhos, os que se vêem forçados a emigrar.
Por isso me sinto tão revoltada pela classe parasita, egoísta e estúpida que se instalou nos órgãos da UE, nomeadamente na Comissão Europeia, e me sinto tão revoltada pela gente ignorante e incompetente que se instalou no poder em Portugal.
Não me cansarei de denunciar a estupidez e a maldade das medidas que tomam (ainda hoje: o OE 2014, para além dos problemas de constitucionalidade, é, sobretudo, um aborto pois não será exequível como nenhum dos anteriores o foi mas é, também, criminoso pois inflige dificuldades aos portugueses para nada), não me cansarei de dizer o que penso das medidas absurdas e antipatriotas do Governo de Passos Coelho e Paulo Portas.
Ora, pensando e sentindo o que sinto, e vendo como o Mal, a mediocridade, a impunidade, a ignorância, a ignomínia grassam por aí fora, é com emoção e agrado que leio as palavras de Francisco, o Papa que me comove.
Transcrevo parte da notícia do Público para que que aqui fique impressa nas páginas do Um Jeito Manso.
O Papa Francisco atacou o capitalismo sem limites como “uma nova tirania” e advertiu que a desigualdade e a exclusão social "geram violência" no mundo e podem provocar "uma explosão", na sua primeira exortação apostólica, divulgada esta terça-feira, na qual traça o caminho para reformar a Igreja Católica, de forma a torná-la mais misericordiosa nestes tempos em que se ampliam as desigualdades e a secularização e a indiferença ganham terreno.
Este documento é como que o programa oficial do seu papado. Contém as posições que ele tem vindo a expressar nos seus sermões, discursos e entrevistas desde Março, quando o cardeal argentino Jorge Bergoglio se tornou o primeiro sumo pontífice não-europeu dos últimos 1300 anos. Nele fala também da urgência da “conversão do papado”, para além da reforma da Igreja que dirige.
Por isso, nesta exortação, de título Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), o Papa diz estar “aberto a sugestões” para reformar o papado. “Como bispo de Roma, cabe-me estar aberto às sugestões para que o exercício do meu ministério se torne mais fiel ao sentido que Jesus Cristo quis dar-lhe e às necessidades actuais da evangelização”, escreveu.
Bem ao seu jeito, Francisco traça o rumo que prefere ver a sua Igreja seguir: não um caminho de ostentação e de preocupação com o que sempre foi, mas antes uma igreja missionária e que vá ter com quem dela necessite: “Prefiro uma Igreja ferida e suja por andar na rua a uma Igreja interessada em ser o centro e que acabe enclausurada num emaranhado de obsessões e rituais”.
A luta contra a pobreza e o actual sistema económico é uma prioridade absoluta para o Papa Francisco, que atravessa todo o seu plano de acção. “Esta economia mata”. Faz prevalecer “a lei do mais forte, o mais poderoso come o mais fraco.” Esta cultura “do desperdício” criou “algo de novo: os excluídos não são explorados, são desperdícios, lixo”, critica o sumo pontífice. “É a nova tirania invisível”, de “mercado divinizado, onde reinam a “especulação financeira”, a corrupção ramificada” e a “evasão fiscal egoísta”.
Bergoglio quer que a sua igreja mude, mas reza também por políticos capazes de mudar esta situação.
“Peço a Deus que aumente o número de políticos capazes de entrarem num autêntico diálogo orientado para sanar eficazmente as raízes profundas e não a aparência dos males do nosso mundo”.
“Peço a Deus que aumente o número de políticos capazes de entrarem num autêntico diálogo orientado para sanar eficazmente as raízes profundas e não a aparência dos males do nosso mundo”.
Os planos assistenciais, que se tornaram moda para disfarçar a miséria, apenas “fazem frente a algumas urgências, mas devem apenas considerar-se como respostas provisórias.”
Apelou aos políticos para que garantam a todos os cidadãos “trabalho digno, educação e cuidados de saúde”, e aos ricos para que partilhem a sua fortuna: “Tal como o mandamento ‘Não matarás’ impõe um limite claro para defender o valor da vida humana, hoje também temos de dizer ‘Tu não’ a uma economia de exclusão e desigualdade. Esta economia mata”, afirma Francisco na exortação apostólica.
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Abençoado Jorge Bergoglio.
Que o mundo o ouça, que o mundo o siga.
Que o mundo ainda possa ser um dia um lugar maravilhoso.
Que o mundo o ouça, que o mundo o siga.
Que o mundo ainda possa ser um dia um lugar maravilhoso.
What A Wonderful World interpretado por Grandpa Elliott e crianças
Playing for Change
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10 comentários:
“Faço parte da classe privilegiada......Essa é a minha forma de lutar contra a pobreza, a exploração, a indignidade de que sofrem os desempregados, os velhos, os que se vêem forçados a emigrar”.
Magnífico parágrafo UJM!
Quanto aos católicos que tantos de nós conhecemos, adeptos da cartilha ultra-liberal, como Portas, Passos, o falecido Borges, César das Neves, Cavaco, etc, metem-me asco. Vão à missa cumprimentar o Cardeal, vão ás missas dos mortos famosos, falam da moral cristã, alguns estudaram ou ensinam na Católica, essa universidade do neo-liberalismo desapiedado e anti-social, dizem-se defensores dos princípios da Igreja, enquanto democratas-cristãos, mas pisam os mais fracos, poupam os mais fortes, são corruptos, apoiam e protegem toda a cambalagem de privilégios miseráveis, desprezam os pobres roubando-lhes o cotão dos bolsos, adulam a finança, são gente sem alma, desprezíveis, a quem Cristo se cá voltasse não hesitaria em os correr a chicote como fez aos vendilhões do Templo. Os “fifis” casam pela Igreja e baptizam os filhos, sem todavia porem, antes ou depois, um pé nessa mesma Igreja, mas por ser mais “bonito” o casório, numa atitude incongruente, mas reveladora do que são. Etc. E são estes muitos católicos de pacotilha, de moral reles, que nos governam, enviam milhares para o desempregos, vendem o país a pataco, espoliam que trabalha, arruinam empresários e comerciantes aos milhares, cortam na Educação, na Saúde, na Justiça, na Segurança Social, para pagar a uns tantos patifes como os especuladores dos mercados, etc. E único Deus em quem acreditam é no “Dinheiro”. Uma corja. Estes crentes e católicos são uma espécie de nova Inquisição. Não mandam queimar pela fogueira, mas queimam-nos a alma, os bolsos, as poupanças, os salários, a saúde, as pensões, a esperança, o presente e o futuro, o teto onde vivemos, os pais, os filhos, os amigos - queimam-nos tudo, até vida, pois só descansam quando nos virem mortos, para depois não nos terem de pagar mais nada. Talvez nos mandem rezar uma missa, em agradecimento por termos deixado de existir, ou melhor, de os chatear!
P.Rufino
PS: este Papa se pudesse, fazia-lhes o mesmo que Cristo ao vendilhões!
O Papa Francisco aparece como uma lufada de ar fresco no reino do Banco Ambrosiano. Qualquer dia "cortam-lhe" o crédito...
pois, mulheres no sacerdócio, e aborto, é que não.Discurso para angariar ou recuperar fiéis.
Gosto deste Papa, que quer realmente mudar e fazer alguma coisa. Oxalá ele possa continuar a fazer a sua caminhada.
Esta gentinha que nos governa, não ouve a justiça. Só têm cifrões nos olhos e nos ouvidos.
Um beijinho
Olá P. Rufino,
A Igreja Católica é das organizações mais poderosas do mundo e, por muito enleada que esteja em compadrios, corrupções, etc, tem agora à sua frente alguém que traz a força da coragem e da verdade. tenho alguma confiança de que por lá se aguente o tempo suficiente para mudar cabeças e consciências.
Talvez que se, aos poucos, as multidões forem tirando o tapete aos vendilhões este mundo inverta o caminho da 'perdição' que vem traçando.
Esperemos.
jrd,
Tomara que não. Ando a gostar muito de o ver e ouvir. Tenho esperança que ele tire a força a muitos parvalhões que para aí andam a fazer sacanices enquanto batem com a mão no peito.
Um abraço!
Caro Anónimo,
Pois, o aborto ainda não. Não é tema fácil para a igreja. Presumo que seja a fronteira que ainda falta atravessar.
Mas, pelo menos, diz que não se devem fechar as portas às mulheres que abortaram. Menos mal.
Olá Isabel,
Este Papa parece ser uma pessoa comum. Assim se apresenta, assim se comporta. Com ele, as coisas voltam a ganhar uma dimensão que vai para além da mesquinhez do dia a dia.
Para quem ainda tivesse dúvidas... está encontrado o sucessor de João XXIII. Não se trata agora apenas, como nos tempos do Vaticano II, de renovar profundamente a Igreja e de abri-la às novidades do pós-II Guerra. A mensagem de Francisco visa mais longe do que a renovação da Igreja: ele prega uma outra visão/ordenação do mundo. Essa visão é tão velha como o próprio homem... Mas poucas vezes esteve tão soterrada como nas últimas décadas!
O Mr. José Manuel Barroso vai embora da Bruxellândia nos próximos meses. Não podiam pôr o Sr. Jorge Bergoglio à frente dos destinos da União Europeia? E, depois, do Resto do Mundo (onde, é verdade, ele faz muito mais falta)?
Olá Cine,
Essa do Jorge Bergoglio à frente da Comissão Europeia é boa... e do BCE, e do FMI... Voto nessa!
Também ando encantada com este Homem fantástico que apareceu nesta altura, parece uma coisa providencial, não é?
Tomara que assim continue por muito mais tempo e alerte consciências e faça mergulharem na vergonha os palermas que têm andado a desgraçar o mundo.
Obrigada pelas suas palavras.
Um abraço!
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