terça-feira, março 19, 2013

Uma massagem de pedras quentes para ficar nas nuvens. E, por falar em alturas, a alvura da neve, a beleza da natureza e a beleza das cidades junto à Serra da Estrela (e o Chipre e o Gazprom e o anormais do Eurogrupo lá tão longe)


Ainda não vi um único telejornal ou sequer ouvi um noticiário. Há pouco contaram-me ao jantar que as coisas por essa Europa fora estão confusas, perigosas. Gente estúpida à frente dos países e das instituições é no que dá. Nestas coisas é bom não esquecer as mais elementares leis da física. Uma delas, transposta para a realidade económica e financeira dos tempos presentes, pode dizer-se assim: quando há quem muito perde há forçosamente quem muito ganha.

Pseudo-liberais de meia tigela tomaram conta do burgo? Do melhor que há para os grandes senhores do dinheiro, do petróleo, das armas, as máfias, os traficantes, os especuladores. 

E agora? O que fazer quando tudo arde?

Ir para a rua, ocupar o espaço, impedir que o saque continue. Depor os fantoches, os ignorantes, os vendidos.


Mas digo isto à distância. Fui para fora cá dentro e, para que o pouco me saiba a muito, vivo-o ao máximo.

A ideia era descansar mas não tenho grande paciência para estar de perna estendida. Como sempre preparava-me para vir carregada de livros. Sabendo do que a casa gasta, alguém com mais bom senso que eu forçou a escolha. Acabaram por vir apenas dois e, desses dois, ainda só peguei num deles que mal vai nas primeiras páginas. Um petisquinho com que a ver se amanhã me deleito mais um pouco: A Polaquinha de Dalton Trevisan.

O dia hoje foi todo ele de passeio. Longos passeios a pé e também de carro. Saímos cedo, logo a seguir ao pequeno almoço e apenas regressámos perto das seis. Banhos e o que eu gosto de estar metida na água, nadar, sentir a água quente a vestir-me a pele. E depois, ah depois, uma coisa de ir aos céus. Massagem com pedras quentes.

Eu conto.

Entrei. Escuro, apenas umas quantas velas. As paredes escuras, uma música suave, flauta, violino, bambu, uma música lenta, baixo, quase um sonho. Por cima da marquesa um véu encarnado, transparente, a luminosidade vermelha muito ténue.

A massagista diz que me dispa e me deite de barriga para baixo, braços ao longo do corpo. Sai. Depois, entra, tapa-me com um lençol. A seguir põe-me pedras quentes na base das costas, nas palmas das mãos. Começa então. Destapa-me uma perna, põe óleo, massaja, primeiro com as mãos, depois com seixos macios e quentes. Depois a outra perna. Depois volta a tapar as pernas e sobe. Depois um braço, depois o outro. Depois as costas e massaja vigorosamente, com as mãos, com as pedras quentes, depois suavemente, depois a nuca, desfaz um a um qualquer nó que possa haver. Depois diz, num sussurro, que me vire devagar. Coloca-me seixos quentes sobre o externo. E recomeça. Um pé, dedo a dedo, depois toda a perna. Por fim, põe um pequeno seixo quente entre cada dedo e um maior na sola do pé. Depois passa um pano para os prender. Depois a outra perna. A seguir prende seixos quentes entre mim e a marquesa, de cada lado do corpo. Passa então para os braços, a mão, dedo a dedo, o braço, depois volta a colocar-me um grande seixo quente na mão e passa para o outro lado. Depois os ombros, o colo, depois o rosto, pedras quentes rodam à volta dos olhos, da boca, na testa, no pescoço, depois sobem pela cabeça, depois são as mãos que actuam, rápidas, precisas, profissionais. Uma hora e quinze minutos.

Se me tivessem aparecido, naquele momento, ali à frente, o Gaspar, o Passos ou até mesmo o Relvas acho que não ia conseguir abrir a boca para lhes dizer o que acho deles, para os mandar ir bugiar, nada, nada, irritação igual a zero; acho que ficava a olhar para eles, muito zen, esperando que se dissipassem. 

A massagista é uma jovem beirã. Tem braços fortes. As mãos poderiam amassar pão, ou amassar queijo, ou barro. Massaja-me vigorosamente quase como se amassasse e moldasse a minha carne e poderia estar a transformar o meu corpo num vaso que eu nada diria. Aliás, eu estava nas nuvens, incapaz de falar. 

Antes da massagem começar, eu tinha-lhe dito que me acordasse, caso visse que eu tinha adormecido e fosse necessário virar-me. Mas não adormeci. Podia lá eu perder uma sensação tão boa...?

Saí de lá como estivesse a flutuar, pés nas nuvens, cabeça na lua. 

.....

Mas, antes, a neve. Limpa, branca, o céu muito azul, o ar muito puro. Já tinha saudades desta beleza imaculada.




O país é o mesmo em que vivo, um país entregue a gente muito má. Mas aqui tudo é tão inocente, tão lindo, parece outro.




Mergulho as mãos na neve. O gelo é belo, fresco, incorrupto. Tiro fotografias que envio para que os meninos vejam a neve nas minhas mãos.




O país é tão pequeno mas tão diverso. Tudo tão perto e, no entanto, que distantes as maldades da gente estúpida que teima em destruir a vida das pessoas. Aqui tudo parece imune à destruição. A natureza é mais forte que a mesquinha vontade dos pequenos homens.




A água irrompe de todo o lado, desce as encostas, trepida, uma música limpa, límpida, branca, pura, e pelo ar transforma-se em gelo. Até que chega ao rio.




E o rio é transparente, muito inocente, quase infantil, um rio pequeno, brincalhão, saltando e correndo como um menino.

....

Centenas de fotografias. Tanta a beleza, tanta, que país tão belo o meu. Tanta beleza para amar. Mas aqui, neste espaço, tenho que me conter. Sei que, quem aqui vem, quer pequenos traços, instantes. Devia acabar aqui que, como sempre, isto já vai longo.

Mas mostro-vos ainda a beleza excessiva, inexplicável.




As grandes rochas que brincam umas com as outras, que se encavalitam, se aninham, abraçadas, instáveis, um equilíbrio instável como um casamento eterno.




E as casas que carregam um peso brutal nas costas - ou que não: que se abrigam, protegidas sob a imensidão da terra, essa mãe que nos abraça entre os seus braços fortes e quentes.

Mas, claro, há também a beleza das cidades. Uma cidade é a casa dos cidadãos, o seu espaço, e estas são, sem dúvida, cidades muito amadas.




Arranjadas, tratadas com desvelo, todas elas carinho. E há as pinturas nas paredes que as transformam em arte.




E as igrejas. Tão bonitas. Tantas, tão bonitas. O silêncio e a beleza das igrejas da minha terra. Vazias,  quase sempre vazias, mas sempre tão limpas, tão bem cuidadas, abrigos serenos, lugares de paz e recolhimento.




A arte sacra, a imaginação, a ingenuidade. Que ternura sinto, que encantamento, que tranquilidade.

E depois, já noutra cidade, na rua, a devoção ingénua, as flores, o inesperado colorido num recanto entre a pedra ancestral.




Mas, depois, a imponência, a desmesura, a fé transformada em obra. Por mais de cem anos se construíu em granito, em anfiteatro. Uma beleza sóbria, digna, envolvente. A Sé. O senhor apareceu ofegante, 'eu sou o guarda da Sé'. E explicou-me e todo ele era orgulho. Quatro estilos, a única. Em anfiteatro, a única. E eu disse, 'é linda' e ele assentiu, em silêncio, muito orgulhoso.




E cá fora, depois, Cargaleiro logo reconhecido, meu vizinho. Que contraste e que alegria. Depois da imensidão da pedra, da desmedida das alturas, eis que o pequeno gesto, a cor e o desenho quase infantil, quase doce.




Gostava de poder mostrar-vos tudo, tantas fotografias, mas tanta beleza não caberia aqui. 

(E já é tardíssimo, passar as fotografias para o computador, escolhê-las, reduzi-las, um tempão!, sempre tão tarde... Tenho que apagar a luz antes que seja posta fora do quarto, ainda vou passar a noite no corredor...)

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Se me permitem, gostaria ainda de vos convidar a visitarem-me no Ginjal e Lisboa. Hoje é dia do Elmano Sadino, e, porque o Poeta assim o pede, para além dos poemas escritos temos, também, a sua poesia dita pelo Jel (d'Os Homens da Luta) e pela Odete Santos e, ainda, o making of do Bocage.

A música é linda, parece água a correr: Chopin nas mãos de Nelson Freire. Mais uma grande interpretação.


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E, por hoje, nada mais. Apenas desejar-vos um dia muito feliz, de preferência rodeados de beleza e de bondade.


8 comentários:

Anónimo disse...

Olá,

Gostei de saber que está repousada e feliz!
Também gostei muito das fotos e de rever alguns locais onde já estive.
Adoro a Sé da Guarda, tão diferente das exuberantes catedrais espanhoas, contudo tão bela na sua austera simplicidade.

Se puder não deixe de ir a Belmonte.
Entre muitos motivos de interesse, tem lá uma pietà lindíssima, absolutamente imperdível!

De entre as aldeias históricas, todas diferentes, todas fantásticas, recomendaria o Piódão, a Sortelha e Monsanto, mas provavelmente já as conhece...

Bons banhos, boas massagens, bons passeios!

Bj

Antonieta

ps: Parece que hoje vai nevar....

Anónimo disse...

Cara UJM,
Gostei muito de ler este seu Post. Adoro a Serra da Estrela, que conheço muito bem. Temos lá uma grande casa de família, ali perto de Seia, onde vamos regularmente passar uns dias e férias e, sobretudo eu, meus irmãos são mais “urbanos” ando por ali a pé, de carro, a calcorrear tudo, campos, serra, aldeias, vilas, etc.
Esse hotel, onde está será o “U2otel” em Unhais da Serra?
A Guarda é uma cidade encantadora. Antiga, calma, fria no Inverno (o que eu gosto), com nobreza e boa gente.
Há muito e belo passeio a fazer ali, como diz e bem Antonieta. Por exemplo, saindo de Unhais, pode ir-se a Alvoco da Serra e Loriga e dali até Seia e visitar o seu Museu, depois ir até ás Caldas de Manteigas, quer pela Lagoa Comprida, quer por cima, Manteigas, dali até à Guarda, pelas estradas mais rústicas,do interior da Serra, ir até Linhares, que é muito bonito, por exemplo. Da Guarda ir como disse Antonieta a Belmonte, Sortelha (uma pérola), Castelo Mendo e Almeida, depois descer novamente e já perto do Fundão ir a Castelo Novo. Do outro lado, a partir de Seia, lá está o Piodão, Coja, Avô (tudo muito bonito), depois subir até ás Termas das Caldas das Felgueiras e Ulgeiriça, ali tomar um chá, ou um Porto no velho e inglês Hotel de Ulgeiriça, e se tempo houver ainda, continuar viagem para norte, sempre Beira, até Trancoso, Meda, Vila Nova de Foz Côa. Ou, simplesmente, ficar pela vasta Serra da Estrela e ali dar uns belos passeios a pé. A Estrela tem tanto para ver! Com paisagens de sonho. E um sossego! Uma dimensão, umas vistas, uma flora (sobretudo na Primavera) tudo lindíssimo. Lá de casa demoramos uma meia hora até à Torre. Nas noites de Verão apetece, por vezes, aventura e lá vamos por ali fora, parando aqui e ali, só pelas paisagens a pé, rochas, campo, ou então zarpar ao fim da tarde com um piquenique bem preparado (pratos, copos, uma bela refeição, bom vinho e companhia) e ali, no cocuruto da Serra...jantar. Começar por ver o dia a terminar e a Lua, depois as estrelas a aparecer e ali degustar. E depois regresso a casa. Em novos até lá ficávamos uma noite, ao relento (acampados, que aventura!).
Desfrute! E mostre-nos mais umas fotos! O que eu gostei deste Post!
Cordial abraço!
P.Rufino
PS: até me fez esquecer o crime que se esta a preparar para o Chipre (e de caminho para nós, quem sabe!). Uma vergonha! E fiquei enojado também com a boutade do Eng. Belmiro e os salários baixos. Este tipo de capitalistas faz-nos regressar ao tempo em que Marx escreveu o seu “O Capital”. Caminhamos para um Mundo cada vez pior! Entregues ao que de mais abjecto o Capitalismo tem.

Tété disse...

Boa estada Tazinha! Não há muito tempo que fui à Guarda. Talvez há uns 2 anos. O dia estava chuvoso e o nevoeiro não nos deixava ver um palmo. Da janela do Hotel, no Centro, mal se via o passeio e as lojas em frente. Mas a beleza está sempre lá e a Sé é inesquecível em grandiosidade.
Aproveite o bom descanso porque quando se está feliz, quer chova ou faça sol, o importante é VIVER!
Bjos gds

Anónimo disse...

Foi um passeio maravilhoso,adorei tudo o que viu.
A beleza da Natureza encanta-nos.
O meu serão é ver o seu post ,que me alegra bastante.Obrigada.
bj
Naty

dbo disse...

Cara UJM,
Ainda bem que descansa, pois bem merece, face à sua fleuma permanente só para nos manter ligados a este seu maravilhoso e informativo recanto. São horas e horas tardias a criar belas prosas eivadas de cor e música, num quotidiano de autêntico desgaste.

Escolheu bem, como sempre o fará com certeza. O local é saudável, idílico, aprazível e próprio para meditação. Já estive por aí, no H2O em Unhais da Serra e juro-lhe que fiquei cliente, tal como minha esposa. Também colhi belas imagens nessa altura, sem neve, mas com muita verdura, muita luz e muita cor. Até a quietude e o silêncio pareciam ter ficado nas imagens!

“Carpe diem” e muita saúde como é sempre meu desejo final.

Pôr do Sol disse...

Olá Jeitinho,

Todas as noites passo por vários blogs e desde há muito, que guardo a leitura do seu para o fim, tal como um prato que se degusta com tempo.

Hoje, foi a sobremesa desejada há muito.

Soube-me tão bem esse banho de Natureza, longe desta realidade suja.

Obrigada pela partilha.

Desejo-lhe uma boa continuação de descobertas e desintoxicações.

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Fiquei muito satisfeita por saber que está a repousar e que se sente bem disposta, tranquila e de saúde!...
Recomendo também os locais sugeridos pelos Leitores Antonieta e Rufino pois valem a pena ser visitados, se ainda não os visitou.
Adorei o Piódão, é uma aldeia presépio que nos deixa sem respiração!...
Aproveite bem esses ares e traga na bagagem muitas mais fotos, para partilhar connosco!
Estas fotos são uma maravilha!
Boas massagens e muito boa saúde!
Um beijinho

sonia disse...

Só peço a Deus que se tiver que nascer de novo, que seja em Portugal, e na Serra da Estrela. Sou brasileira, neta dessa terra maravilhosa, que infelizmente não conheci ainda.
Abraço, obrigada por compartilhar tanta beleza e doçura!