segunda-feira, janeiro 31, 2022

PS e António Costa -- a emoção de uma grande vitória

[Legislativas 2022 - Post Nº 13]

 


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Como aqui o expressei, não acreditava que o PSD fosse ganhar. Não vou em cantigas. Guio-me pela minha intuição mas, também, pela razão. Não apenas não vi que a população estivesse, de forma geral, insatisfeita com a governação socialista como não acredito que se deixe completamente manipular pela chusma de comentadores, jornalistas-comentadores e convidados-avençados nem pelos argumentos hipócritas e imaturos do Bloco nem pelos argumentos antiquados e arrevesados do PCP nem pelas arruaças da direita.

Contudo, há uma franja da população que é naturalmente mal informada e relativamente à qual nunca se sabe bem a dimensão nem para que lado pende. As televisões dos cafés e dos espaços públicos (até numa clínica já eu vi) estão sintonizadas no Correio da Manhã que é o que se sabe A linha editorial da TVI e da nova CNN sintonizam-se no mesmo comprimento de onda: o medo, o drama, o 'está tudo mal', 'isto é tudo uma pouca vergonha', 'são todos uns gulosos' e etc... E isso é sabido e consabido que é o caldo em que germina a semente do populismo, do fascismo, do racismo.

Ora, em vez de apostarem na desmontagem deste perigoso argumentário, formando uma barreira contra o Chega, o Bloco e o PCP apostaram antes em dizer mal do PS. Por outro lado, o PSD e o CDS pensaram que o bom seria mimetizarem o Chega, apostando num bota abaixo ao Costa.

Mas uma coisa é certa: se há muita gente mal informada, na sua maioria os portugueses não são parvos. O governo do PS tem sabido gerir bem este período da pandemia não apenas numa perspectiva de saúde pública mas também de atenção social e humana aos mais atingidos pela crise, tem sabido relançar a economia, tem sabido controlar o défice, tem sabido desagravar a dívida pública apesar das mil dificuldades, tem sabido controlar, e bem, o desemprego, tem sabido manter o país informado e coeso. Portanto, pela cabeça de quem passaria acreditar que os portugueses queriam acabar com esta governação? 

Acabar com o governo de António Costa para lá meter quem? O Chicão... porque dizia que ia acabar com o Acordo Ortográfico...? O Jerónimo porque tem melhor dicção que o Costa...? O Rui Tavares porque a Justiça em Portugal funciona como se sabe e há que penalizar o PS...?

Talvez algumas pessoas pensem assim e, obviamente, estão no seu direito. Mas são casos isolados. A maioria das pessoas acautela a boa governação e quer ter gente de confiança à frente dos destinos do País. 

Por isso, sempre acreditei na vitória do PS e, por isso, desejei que o resultado eleitoral garantisse alguma estabilidade.

António Costa diz, e é o que penso, que maioria absoluta não é sinónimo de poder absoluto. E temos um Presidente da República que garantirá o normal e saudável funcionamento das instituições. Portanto, a quem assusta a maioria absoluta? O que assusta é a instabilidade, o que assusta é que o Chega se unisse ao PSD, o que assusta é que o País voltasse a andar para trás.

Dito isto, penso que, agora que o Partido Socialista obteve a maioria absoluta, é tempo para se abrir ao futuro, começando a trabalhar mais energicamente numa transformação em direcção à modernidade. É preciso fazer mais, melhor, mais agilmente... e diferente.

Temos ainda uma classe dirigente a nível da gestão bastante iletrada e, logo, ineficiente e improdutiva. Temos ainda uma mentalidade muito quadrada, muito presa a ortodoxias, pouco aberta à cultura e à diversidade. É preciso criar momentos de reflexão e ter a coragem de ousar. Façam-se pilotos, testem-se modelos, inove-se. Não coisa de boca, para o papel, para inglês ver. Não: inove-se na maneira de trabalhar, na maneira de estar e, em alguns pontos, na maneira de ser.

Certamente António Costa quererá receber contributos de todos os que estão no Parlamento, ouvir ideias, receber sugestões. Por exemplo, do PAN, do Livre e, até, da IL. É gente com boa cabeça, boa vontade, boa atitude.

Em especial a nível urbano, em especial nas camadas mais jovens, a IL é ouvida com atenção. Isso não deve ser levado a brincar. Há na Iniciativa Liberal algumas ideias que merecem ser ouvidas. Mesmo que não sejam para ser lidas integralmente à letra, deve ter-se em atenção que contêm a vontade da mudança. O PS deve estar aberto a esta vontade. E não são apenas as ideias: é também a atitude. A atitude da IL é uma atitude cordata, cosmopolita, desempoeirada -- e isso é louvável.

O PS tem entre os seus militantes e simpatizantes gente muito boa e deve saber valer-se disso. Mas, ao mesmo tempo, deve fugir do aparelhismo, das soluções autocentradas e burocráticas, do facilitismo. Deve ouvir e receber com agrado sugestões que visem aproximar o País de outros países mais desenvolvidos mesmo que isso configure algumas disrupções.

Mas deve ouvir também, com atenção, as sugestões válidas que provenham do PSD, do PCP e do Bloco. Acredito que estes três partidos, com o banho que levaram nestas eleições, provavelmente com novas lideranças, venham a ter uma atitude de humildade e de lealdade perante os portugueses.

E deve ouvir também os artistas, os agentes culturais. Um país move-se tanto melhor quanto for movido a cultura. A cultura não move apenas montanhas: move oceanos, move continentes. Move e aproxima. 

Deverá haver uma atenção genuína e pragmática em relação ao conhecimento e às artes. 

Uma vez, num fórum de inovação promovido pelo Grupo a que estava ligada, sugeri que convidassem um filósofo como orador. Não quiseram. Mas acho essencial que se tragam os agentes da cultura, do saber, da investigação para o debate público nem que seja apenas para nos fazer pensar de outra maneira, para enriquecer a nossa visão com outras perspectivas.

E que se percebam os problemas de base da sociedade para que se invista onde as necessidades são mais básicas e prementes: nas creches públicas, no ensino e na saúde tendencialmente gratuitos, na formação de adultos, em residências seniores assistidas também tendencialmente gratuitas ou em redes de assistência domiciliária a idosos, no acolhimento inclusivo e de qualidade aos imigrantes, em habitação de baixo custo para os mais desfavorecidos e/ou para jovens. Etc. A baixa natalidade é uma ameaça à coesão nacional e à confiança no futuro. Por isso, tem que se investir em tudo o que comprovadamente inverta essa tendência. E o envelhecimento não tem que ser um sufoco ou um fardo para os próprios e para as famílias. O envelhecimento tem que ser digno e feliz.

Mas há muito mais: há que repensar profundamente o modo de vida a que nos habituámos. 

Por exemplo: deve incentivar-se o teletrabalho sempre e onde seja possível (de forma controlada, obviamente) e a semana com menos horas de trabalho, deve promover-se a existência de mais espaços verdes e de hábitos de vida mais saudável, deve assegurar-se o absoluto respeito pela natureza, a adopção de práticas mais sustentáveis em todos os momentos da nossa vida. Etc.

Estou certa que, com as mãos mais livres, o PS irá saber interpretar o querer e o sentir dos cidadãos, irá trazer ideias novas para melhorar a qualidade de vida de todos e não irá desbaratar o capital de confiança que recebeu dos eleitores. 

Por isso, mais do que tempos de compromisso, espero que sejam tempos de boa mudança os que aí vêm.

Portanto, boa sorte a António Costa. E, desejando muito boa sorte a António Costa, estou ao mesmo tempo a desejar muito boa sorte a todos nós.


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Hoje não são apenas rosas: 
são flores de diferentes espécies, reais ou flores abstractas, projectos em construção, ortodoxias em desconstrução. 
Há lugar para todas e para todos os que venham por bem.
São, uma vez mais, fotografias de Nick Knight
E vêm na companhia de Daniel Barenboim, Staatskapelle Berlin – Beethoven: Piano Concerto No. 5, III. Rondo. Allegro

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E queiram continuar a descer caso queiram ler o que fui escrevendo ao longo da noite eleitoral destas Legislativas 2022

2 comentários:

Anónimo disse...

Há que concordar com quase tudo o que escreve. Mas inovação, testes, experiências-modelo... Não foi para isso que as pessoas votaram PS, se o fosse tinham dado mais peso ao Livre, o único partido de expressão (ainda que mínima) desse desenvolvimento moderno, inovador e verde (por cá nem se sabe quem é o Volt, por exemplo). Com PS, espera-se que haja estabilidade para um desenvolvimento paulatino, mais sustentado do que até hoje foi possível com a possibilidade histórica do PRR. Digo isto, tendo votado PS, assustado como tantos na possibilidade louca de um Rio no poder, como queriam as TVs e os jornais, com uma esquerda incapaz de se unir em pontos básicos, querendo exigir coisas impossíveis para agradar a fações radicais que já não existem na sociedade, só nos partidos deles, com um Livre que pensei tivesse desaparecido após o fiasco Joacine. Enfim. É o que temos. Não espero brilhantismo do Costa (salvo na habilidade política), agora tornada desnecessária), mas espero boa vontade e trabalho e algum desenvolvimento económico e social.

Monteiro disse...

na sua maioria os portugueses não são parvos?