domingo, janeiro 16, 2022

Já não se pode falar de felicidade...?

 


Foi um dia atípico e sobre ele não vou falar. 

Falarei antes das florzinhas que aparecem agora por todo o lado. Até uma planta grande que está num vaso grande do lado de fora de uma das portadas da sala está em flor. Não me lembro de o ter visto florido anteriormente. Deve ter estado mas não me lembro. Aparecem florzinhas como se fosse primavera. Hoje, quando a pequena fera, ao passear, queria cheirar cada ervinha, o meu marido, impaciente, puxando-o, disse que ele antes não ligava às ervas. Tentei uma explicação: 'Se calhar é porque está tudo a despontar, os cheiros da primavera despertam-lhe a atenção'. O meu marido respondeu: 'Mas... já é primavera? julgava que ainda estávamos no inverno...'. E é verdade, parece que não mas ainda estamos no inverno. Só que a natureza parece que anda com o calendário desprogramado. 

Na horta, a tangerineira que o ano passado esteve carregada este ano nem uma tangerina tem. Em contrapartida, uma outra em que o ano passado não me lembro de ter reparado, este ano está cheia delas. Não sei porque é isto. Se calhar, as tangerineiras frutificam ano sim, ano não. Mas são umas tangerinas rijas e pouco doces. Não sei se ainda vão amadurecer ou se são mesmo assim, de raça pouco doce.

A árvore das limas parece que se converteu definitivamente em limoeiro. Dá uns limões de casca lisa e que fica amarelinha. E não há dúvida que sabem a limões. São limões sumarentos e pouco ácidos. 

De noite fica muito frio. O nosso pequeno urso felpudo agora nunca quer ir à rua à noite. O meu marido quer à viva força que ele vá, senão acorda às seis da manhã, ou antes, com vontade de ir à casa de banho (que é como quem diz). Mas às dez e tal da noite está a dormir, quentinho, e naturalmente não quer ir lá para fora. Além disso, está demasiado habituado às nossas traições. Ainda hoje, quando fomos ao supermercado, atraí-o lá para fora, comecei a brincar com ele e, quando andava a correr a brincar comigo, apanhei-o de costas e enfiei-me rapidamente em casa. Sinto-me muito mal ao fazer isso. Não sei o que sente o ursinho quando percebe que desapareci e que a porta de casa está fechada. Quando regressamos, ao ver-nos, vem de rabinho entre as pernas, a andar quase agachado, orelhinhas para trás, humilde, como se tivesse feito alguma coisa mal e estivesse de castigo. Depois, quando lhe fazemos festinhas e o deixamos entrar em casa, fica numa alegria que só vista: salta, brinca, parece mesmo que ri. Cada vez o percebo melhor e ele, então, já me conhece de ginjeira.

Hoje não vi televisão. Há pouco pensei que, dos poucos debates e dos resumos que vi, acho que nenhum candidato falou daquilo que deveria ser um dos desígnios principais de um político: conseguir que a vida dos cidadãos e a das gerações vindouras seja mais feliz.

Presumo que nem uma única vez a palavra felicidade tenha sido usada.

A felicidade tornou-se coisa vulgar, pior que babaquice viralizada entre os frequentadores do subúrbio do subúrbio, pior que pechisbeque em saldo na loja do chinês, conceito que os auto-escritores a metro pintaram de banalidade e luzinhas movidas a pilhas, selfie sempre sorridente nos instas mainstreams desta vida. 

Por isso, ser feliz passou de moda junto dos bem´-pensantes. Ser feliz tornou-se sinónimo de mediocridade intelectual. Quem sabe escrever ou sabe pensar não quer ser feliz nem quer ouvir falar de felicidade, muito menos de felicidade alheia.

As televisões ajudam: toda a gente fala dos seus dramas, de vícios passados, de traumas medonhos, de infelicidades eternas. 

Ser feliz saiu de moda. Pior: ser feliz virou sinónimo de ser alienado.

A sociedade aos poucos vai, assim, esquecendo uma das coisas mais básicas: se não for para sermos felizes e para ajudarmos os outros a serem felizes e para prepararmos o mundo para ser um lugar de felicidade... então qual o sentido de tudo isto?

Uma sociedade em que grande parte dos postos de trabalho se concentram nas grandes cidades, em torres longe dos espaços habitacionais, em que, para se ir para lá as pessoas gastam horas no trânsito, uma sociedade em que os pais não conseguem ir buscar os filhos à escola senão muito ao fim do dia, uma sociedade em que os mais velhos, quando perdem a autonomia, se não tiverem uns milhares mensais para pagar boas residências assistidas ou vão para lares miseráveis ou ficam em casa a definhar, uma sociedade em que os jovens adultos não se sentem confiantes ou não têm mesmo meios para terem filhos e só os têm, quando têm, tarde e más horas e, na maioria das vezes apenas sai um rebento ou, no máximo dois... é uma sociedade que se esquece de pugnar pela felicidade das pessoas.

Mudar isto deveria ser prioritário para um político.

Tenho pena de não ver alguém sensato, ponderado, racional e sincero a falar disto de uma forma aberta e obectiva. Por exemplo, gostava que algum dos que reconheço como bom político os tivesse no sítio e dissesse: estou aqui para tentar que os portugueses sejam mais felizes. E depois dissesse o que se propunha fazer para dar corpo a essa pretensão. Gostaria que conseguíssemos fazer a agulha e passássemos a louvar o que é bom, a agradecer o que de bom fazemos e recebemos, a colocar a nossa criatividade, empenho e generosidade ao serviço da felicidade, da nossa e dos outros. 

Por isso, aqui chegada, o que me apetece ver são vídeos em que as pessoas sorriem, falam do que as faz felizes e se mostram agradecidas pelo que têm.


As palavras de sabedoria de Beatrice Stroud


Obert Jongwe, o homem mais rico da terra


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Na minha modesta opinião é bem capaz de as fotografias (algumas das vencedoras de 2021 Nature Photographer Of The Year) e a música (José Afonso a interpretar "Que amor não me engana") não terem muito a ver com o texto. Ou, então, têm mas não se percebe. Mas é o que é, nada a fazer.
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Desejo-lhe, a si que está agora a ler-me, um feliz dia de domingo

6 comentários:

Unknown disse...

Retribuo os seus votos desejando-lhe um óptimo dia, semana, mês e ano novo. Abços

tvp

aamgvieira disse...

Igualmente para si.

A Vieira

José Duarte disse...


Olá, UJM. O olfacto do seu urso peludo, como sabe, é dotado de centenas de milhões de células receptoras, enquanto o nosso, o humano, segundo os especialistas, não vai além de uns míseros cinco milhões. É sobretudo pelo olfacto que ele examina e apreende o mundo que o rodeia.

Os humanos vêem só com os olhos, ele “vê” com os olhos e através do fabuloso nariz com que a natureza o presenteou. Quando a vossa pequena fera fareja umas ervas, capta não só o cheiro delas, mas igualmente o que por lá passou ou ainda lá “está” (um gato, outro cão, um coelho, saliva, uma cobra, restos de comida, urina, uma lagarta, formigas, etc.).

Para ele, as ervas que farejou ontem, recolhendo e armazenando um punhado de informações, não terão o mesmo cheiro amanhã (fornecer-lhe-ão novas e importantes novidades).

Aquilo que para nós é um cheiro único (de um bolo, por exemplo), para ele, que o decompõe com o faro, é uma multiplicidade deles (ele percebe, separadamente, o cheiro dos ovos, da farinha, do fermento, do açúcar, do limão, da canela, etc.).
Tal como entende, pelo nosso hálito e odor corporal, o que é que comemos ao almoço. É por isso que os entendidos dizem que impedir um cão de farejar é o mesmo que vendar uma pessoa.

Quanto às “traições” (que eu também fui forçado a praticar com o meu saudoso peludo e me deixavam sempre um sentimento de culpa), são por vezes inevitáveis, como muito bem relata. Mas os peludos sofrem com isso e emocionam-se a valer. A sua fera (tal como sucedia com a minha) sente-se abandonada.

Ele, que cada vez mais depende emocionalmente da sua “matilha” (a família humana), não possui a mínima noção de que a vossa ausência vai ser temporária e de que durante a mesma não lhe vai acontecer nada de especial. No entanto, instintivamente, pode sentir em jogo a sua sobrevivência.
Daí a ansiedade por se ver sozinho, e daí também a descarga emocional (alegria, afecto, alívio) quando vos vê de regresso. É como se dissesse: "Ôba! Afinal não me abandonaram!"

Com o tempo talvez se vá habituando. Mas, para um patudo com tanta dependência emocional, nunca será fácil ver-se privado da companhia dos seus (a família UJM). Desejo-lhe uma boa noite e uma óptima segunda-feira.

Um Jeito Manso disse...

Olá tvp,

Grata pela amabilidade. É bom saber receber um agrado vindo aí desse lado.

Bom ano também para si. Cheio de dias felizes!

Um Jeito Manso disse...

Olá Alexandre,

Agradeço a simpatia.

Um dia feliz!

Um Jeito Manso disse...

Olá José Duarte,

Os seus comentários ajudam-nos a perceber bem o nosso amiguinho. Ainda hoje a minha filha me disse que também leu.

Fui a casa dela. Vive numa zona de prédios. No prédio dela devem viver umas trinta famílias e, na base do prédio, embora se entre pela porta a seguir à dela, há uma creche. Ou seja, à porta da rua passa imensa gente. Devido a estes tempos covid, geralmente são os meus filhos que vêm a nossa casa, para poderem estar no jardim. Ao todo o ursinho felpudo foi lá três vezes.

Pois sai do carro e mal passa à porta do prédio dela, todo se agacha para cheirar o chão, abana o rabo, puxa, fica numa impaciência e alegria que nem dá para acreditar. Agora têm estado fechados em casa, ou seja, nestes últimos dias nem têm passado ali, na porta da rua.

No elevador vai numa impaciência e, mal a porta do elevador abre, ele vira direito à porta do apartamento dela.

Enquanto, ela não abre a porta todo ele salta e abama o rabo e rodopia.

Incrível como os identifica. Com tanta gente (e tantos miúdos) que vivem no prédio e, à porta do prédio, passam para a creche... e ele, que raramente lá vai, fica naquela alegria.

E, quando ela abre a porta, fica doido, doido de alegria.

De facto, o olfacto dele surpreende-me muito, parece impossível.

Na primeira vez que ele foi lá a casa, deveria ter uns três ou quatro vezes, entrou como um foguete feliz em casa dela, andou de divisão em divisão a correr, numa alegria que não aguentava. A minha filha, então, disse para ele ir ao quarto de um dos meninos que não estava ali. E ele foi a correr, pelo corredor, até ao quarto do menino.

É instinto? Inteligência?

Pasmamos com ele.

Só ainda temos problema com ele ao fim do dia. Por volta das nove ou dez da noite, dá-lhe um pico de energia, salta-nos para cima, mordisca-nos, puxa as almofadas para o chão, salta paar os sofás, tudo num ritmo amalucado, doido de alegria e maluquice. Geralmente a coisa acaba quando o meu marido lhe dá um grito a sério. Aí fica parado, depois deita-se ao comprido, cabeça à frente, encostada ao chão, ar infeliz. Passado um minuto enrosca-se e adormece profundamente. Dá ideia que, antes de adormecer, tem que gastar à pressa o que sobrou de energia.

Tirando isso, é cada vez mais uma companhia querida.

Agradeço uma vez mais as explicações que nos fazem compreender muito bem o nosso patudinho felpudo.

Um belo dia para si, José Duarte.